A conta-poupança para despedimentos

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A proposta agora apresentada pelo Governo vem dar razão de vez aos detractores de um mecanismo deste tipo

Aproposta recentemente distribuída pelo Ministério da Economia e do Emprego aos parceiros sociais, relativa ao Fundo de Compensação do Trabalho, vem na sequência de previsões anteriores sobre a matéria contidas no Acordo Tripartido para a Competitividade e Emprego, de 22 de Março de 2011 (Acordo Tripartido), e no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras celebrado entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o FMI e o BCE (Memorando). E surge, ainda, como complemento natural (e esperado) à proposta de lei de redução do valor das compensações por cessação de contrato de trabalho que, em cumprimento do Memorando, o Governo apresentou à Assembleia da República no passado mês de Julho.

Era, pois, com expectativa que se aguardava a proposta do Governo sobre o funcionamento do referido fundo, e, designadamente, como iria ela resolver o mistério (para muitos insolúvel) do seu financiamento. Com efeito, se parecia uma evidência a insustentabilidade de um modelo assente numa taxa de financiamento inferior a 1% das remunerações (tal como apontava o Acordo Tripartido), por outro lado não se vislumbrava como poderiam os empregadores ser (ainda mais) sobrecarregados com custos decorrentes do financiamento de compensações a pagar no futuro. Tratava-se apenas de fazer contas para reconhecer a incapacidade do fundo para alcançar o objectivo pretendido - que, recorde-se, no Acordo Tripartido e no Memorando, era o de suportar 50% do pagamento das compensações devidas. Ou então de embarcar em estimativas irrealistas, na actual conjuntura, quanto às capacidades de rentabilização do fundo.

Ora, se o cepticismo já era de monta face às premissas básicas anunciadas para o financiamento do fundo, a proposta agora apresentada pelo Governo, se alguma luz traz à discussão, é a de dar razão de vez aos detractores de um mecanismo deste tipo.

Isto porque se os anteriores documentos apontavam para um mecanismo exclusivamente direccionado para o financiamento das compensações por cessação de contrato de trabalho, a proposta agora distribuída pelo Governo parece ir bem mais longe. De facto, parece ir tão longe que, na prática, acaba por desvirtuar as intenções que, inicialmente, estavam na base da constituição do fundo. Com efeito, o que agora se propõe, mais do que um expediente de garantia de parte das compensações a pagar em caso de cessação do contrato de trabalho, é uma espécie de conta-poupança (de "PPR") a abrir a favor do trabalhador e que este poderá accionar no momento da cessação do contrato de trabalho, independentemente da forma de cessação do contrato e de ter ou não direito a compensação em virtude dessa cessação.

Escusado será dizer que a proposta não pode agradar nem a patrões nem a sindicatos. Do lado patronal, esta alteração de paradigma trará certamente a terreiro - uma vez mais - considerações ligadas ao aumento dos custos das empresas numa conjuntura de todo inadequada para tal. Do lado sindical, argumentar-se-á provavelmente que o fundo, tal como agora é apresentado, ainda oferece menos garantias do que o Acordo Tripartido e o Memorando deixavam antever. Não só porque a medida da contribuição não superior a 1%, se já era tida como manifestamente insuficiente para suportar 50% do pagamento das compensações, nesta sua nova veste de PPR ficará, provavelmente, a meio de dois caminhos sem completar nenhum.

De facto, entre muitas outras interrogações que a proposta do Governo levanta, continua por explicar como financiará o fundo, ainda que parcialmente, as compensações. Se o fizer à custa do saldo da conta individual do trabalhador no PPR no momento da cessação do contrato de trabalho, como parece, pergunta-se então que diferença de tratamento haverá entre aqueles que - por terem sido objecto de despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação - tiverem direito a compensação e aqueles que - por terem tomado eles próprios a iniciativa de se desvincularem ou terem sido despedidos com justa causa na sequência de processo disciplinar - o não tiverem. Não receberão uns e outros do fundo exactamente o mesmo, ou seja, o saldo da sua conta individual?

Acresce que em parte alguma da proposta do Governo se menciona a medida em que o fundo suportará o pagamento das compensações. Provavelmente, tal omissão mais não representará do que o reconhecimento da incapacidade do Governo em chegar ao almejado valor de 50% das compensações devidas.

Tantas reservas parecem ser de mais para uma proposta que apresenta como um dos principais objectivos a facilitação de um ambiente de paz social e que, acima de qualquer outra, se pretende consensual. O melhor mesmo é baralhar e tornar a dar de novo. Ou então acabar de vez com a ideia, como o fez o Governo espanhol (depois de ter concluído que o índice mínimo de sustentação do fundo era incomportável para as empresas). Está visto que a mesma não se alimenta só de boas intenções. Advogado, sócio da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira

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