Quando se lê mais, lê-se muito melhor

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O Olho do Lobo Monalyn Gracia/Corbis/vmi

O Plano Nacional de Leitura fez cinco anos, metade da esperança de vida que lhe foi destinada. O comissário, Fernando Pinto do Amaral, acredita que a segunda fase continuará a contribuir para que os livros pertençam ao quotidiano dos jovens. E elogia os protagonistas desta história: os professores-bibliotecários.

Apostar em actividades que melhorem a qualidade da leitura é um dos novos propósitos do Plano Nacional de Leitura (PNL). Depois do lema criado há cinco anos, "ler mais", acrescenta-se outro, "ler melhor". O comissário, Fernando Pinto do Amaral, explicou à Pública o que significa: "Quanto mais o jovem lê, mais familiaridade cria com os livros. Passa a olhá-los como um objecto do quotidiano, da mesma forma que olha para um computador, uma caneta ou um copo de água. O que queremos evitar é que o livro seja "aquela coisa estranha" em que ele nunca pega. Ler mais é a base para ler melhor. E tem a ver com rotinas de leitura, com treino, capacidade, skill."

Para reforçar o entendimento do novo lema, o professor universitário faz uma analogia com o uso do automóvel: "Quem conduz mais quase sempre conduz melhor, porque tem prática de o fazer. E uma pessoa que conduz pouquíssimo, uma vez por ano, conduz pior. Se alguém anda todos os dias 100 quilómetros, tem uma tal familiaridade com o automóvel que "o seu conduzir" será certamente "um conduzir melhor"." O mesmo para a leitura.

Até há pouco tempo, o orçamento do PNL permitia dotar muitas bibliotecas escolares de novos livros, mas agora entrou numa "fase de restrição", como lhe chama, e já não é possível adquirir tantos títulos. "Se até aqui tínhamos "x" para apoiar as escolas, agora vamos ter menos. E, como vamos ter menos, a ideia de apostar na qualidade em detrimento da quantidade também nos pode facilitar no sentido de termos menos recursos."

Maior interesse

O relatório de avaliação externa apresentado recentemente na V Conferência Internacional do PNL, na Fundação Calouste Gulbenkian, dá conta de um aumento de interesse na leitura entre os jovens dos 15 aos 24 anos, com 52,4% a considerarem-na "muito importante". Há cinco anos, esse valor era de 30,6%. "Saber até que ponto este aumento de 20% se traduz depois em leitura real ou não, isso é muito difícil, nunca poderemos saber. Mas que manifestam nos inquéritos um maior interesse pela leitura, isso é verdade", diz o comissário. A avaliação é feita por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, sob a coordenação de António Firmino da Costa.

Aos pais, Fernando Pinto do Amaral sugere alguns procedimentos, como o de tentarem acompanhar as leituras dos miúdos, estarem atentos ao que se vai publicando na literatura para crianças e jovens, fazerem o mais possível para que eles leiam logo quando ainda são pequenos. E, chegados à adolescência, "acompanharem-nos à distância, pois não reagem bem ao sentir que se estão a imiscuir em tudo o que fazem". É compreensível: "Eles já têm a sua identidade e não querem intrusos na sua vida. Acho bem. É altura de fazer um acompanhamento mais sóbrio, à distância. Podemos aconselhar um ou outro título, mas devemos deixá-los escolher. Há que confiar nos jovens." Nas idades mais baixas, "é preciso criar rotinas, são pequeninos e alguma obrigatoriedade não lhes faz mal".

O comissário atribui ao PNL o papel de "abrir as portas para a leitura" e elogia o trabalho dos professores-bibliotecários, "os verdadeiros agentes do Plano Nacional de Leitura". "As escolas e agrupamentos escolares que tenham um determinado n.º de alunos têm um professor-bibliotecário. São eles que estão no terreno e contactam directamente com as crianças."

Mais orientação

Passada a fase de equipar as bibliotecas escolares com computadores, audiovisuais, etc. ("um dos méritos do anterior Governo foi o de equipar as escolas, nem todas, mas muitas"), agora, querem "apostar mais no software do que no hardware". Será também o momento de "aprofundar as acções a nível humano, para que os equipamentos e materiais não fiquem ali sem utilização. Aí, é muito importante o papel dos professores-bibliotecários, pois são eles que dinamizam as actividades e as práticas de promoção da leitura".

Os outros professores também têm um papel fundamental na orientação dos jovens nas escolhas de livros, em sala de aula, "mais ainda quando a criança vem de meios em que os pais não conseguem fazê-lo". Os amigos são igualmente importantes na partilha dos interesses, e Pinto do Amaral recorda a sua própria juventude: "No final do secundário e já na faculdade, muitas vezes foi com os amigos que troquei experiências de leitura. Lê aquele livro, aquele autor... Este é melhor. É uma partilha, o boca-a-boca."

O mais importante, considera, é pôr os livros à disposição dos jovens, facultar-lhe condições. "Eles têm de saber que, se quiserem ler este ou aquele livro, o têm na biblioteca. Sobretudo naquela fase de transição, no 3.º ciclo, 14/15 anos, em que se perdem hábitos de leitura. É muito importante não forçar. Estão numa fase contestatária e pode surtir o efeito contrário."

Para os próximos cinco anos, está previsto um alargamento do plano o mais possível ao 3.º ciclo e ao secundário. "A ideia é não privilegiar exclusivamente as faixas etárias mais baixas, o 1.º ciclo e o pré-escolar. Embora o grosso das nossas acções provavelmente continue a ser para essas idades. É onde temos maior consolidação e não as vamos deixar, seria um erro. Mas vamos tentar alargar e criar novas acções para públicos mais velhos."

Durante este último ano, já lançaram um projecto-piloto em articulação com a Rede de Bibliotecas Escolares: "Foi posto em prática numa dúzia de escolas públicas e privadas. Vila do Conde, Castro Verde, no Colégio Moderno em Lisboa, por exemplo."

São clubes de leitura dirigidos para o secundário, numa base voluntária: "Não estamos a inventar a roda. É o princípio das comunidades de leitores, que se fazem nas livrarias e que começaram nos Estados Unidos e nos países anglo-saxónicos."

Houve uma boa adesão, algumas dezenas de estudantes inscreveram-se. "Os clubes são dinamizados por professores que se disponibilizam voluntariamente. Não ganham horas extraordinárias."

Há cerca de dois anos, quando chegou ao PNL, o comissário encontrou "uma equipa muito empenhada, entusiasmada e com projectos estimulantes. E uma forte ligação aos que em cada comunidade escolar estavam interessados em promover a leitura. A equipa foi criada essencialmente por Isabel Alçada (comissária do plano até ser chamada para ministra da Educação) e Teresa Calçada (coordenadora da Rede de Bibliotecas Escolares). São as almas deste projecto".

Continuidade

Não sentiu necessidade de fazer grandes alterações, conta: "No essencial, continuei as linhas antes definidas. São projectos de médio e longo prazo, não são projectos que se possa dizer que dão resultado no ano a seguir, são de continuidade. E em relação aos quais não podemos baixar os braços nem "embandeirar em arco". E, inclusivamente agora que mudou o poder político, são transpartidários, tal como o da rede de bibliotecas públicas, que começou em 1986/87 e depois continuou com governos do PS e PSD. Várias cores políticas."

A Cultura deixar de ter ministro e passar a ter apenas um secretário de Estado não os assustou, "dependeria da pessoa que ficasse à frente, mas o facto de ser um escritor [Francisco José Viegas], do ponto de vista das pessoas ligadas ao livro, ao meio editorial, aos autores, aliviou-nos bastante, porque é alguém que conhece o sector do livro".

E está contente com o empenho em "manter o IVA reduzido do livro", que o secretário terá declarado. Embora o PNL não dependa da Cultura, mas do Ministério da Educação: "A nossa tutela mais directa é da secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, a professora Isabel Leite. Evidentemente que dependemos do ministro da Educação, Nuno Crato, mas mais directamente de Isabel Leite, que até tem um percurso profissional que está ligado a esta área. É especialista em aprendizagem da leitura."

O comissário está muito satisfeito com facto de Portugal ser o país-tema da próxima Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha, em Março de 2012, e diz ser "uma boa ocasião para os editores e autores portugueses divulgarem as edições de qualidade que se fazem em Portugal".

Com tanta insistência na promoção da leitura, faltava a pergunta: ler para quê? "Ler é fundamental para conhecermos melhor o mundo que nos rodeia e para nos conhecermos a nós próprios. O acto de ler estimula a reflexão e o sentido crítico. No caso dos melhores livros, ler também nos permite aceder, pelo menos de vez em quando, a uma dimensão oculta das coisas, a mundos desconhecidos que podemos ter dentro de nós." E quanto mais melhor.

rpimenta@publico.pt

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