Novas regras da Acção Social Escolar podem vir a excluir muitas famílias
O despacho que fixa os auxílios a providenciar aos alunos mais carenciados, publicado segunda-feira em Diário da República, ignora uma lei aprovada em Maio passado pelo Parlamento, que retirou a Acção Social Escolar (ASE) da esfera de aplicação das novas condições de acesso aos apoios sociais. No espaço de um ano, na sequência da aplicação destas novas condições, cerca de 600 mil pessoas perderam direito ao abono de família e pelo menos cerca de 18 mil famílias ficaram sem acesso à ASE.
Para o Bloco de Esquerda (BE), que ontem denunciou o lapso na Assembleia da República, ao ignorar a Lei n.º 15, de 3 de Maio, o despacho assinado pelo secretário de Estado da Educação e da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, configura "uma ilegalidade que atinge os direitos de milhares de famílias". A lei que alterou o diploma da chamada condição de recursos, aprovado em 2010, foi apresentada por iniciativa do CDS, de quem Casanova de Almeida era então chefe do grupo parlamentar, e aprovada com os votos favoráveis de toda a oposição. O PS votou contra.
Em resposta a questões do PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) indica que a lei da Assembleia da República "produz alterações" ao diploma que estabeleceu a nova condição de recursos (DL n.º 70/2010) e "não ao regime jurídico da Acção Social Escolar", que é aplicado pelo despacho de Casanova de Almeida.
O regime jurídico, aprovado em 2009, estabeleceu a correspondência entre os escalões do abono de família e os dos apoios no âmbito da Acção Social Escolar. O diploma de 2010 estabeleceu que a nova condição de recursos se aplicava a todas as prestações, incluindo os abonos de família e os apoios da Acção Social Escolar. Mas a alínea respeitante à ASE foi eliminada pela lei da Assembleia da República.
Emendar o erroA deputada do BE Ana Drago sustenta que, para cumprir a lei, o MEC estava assim obrigado a proceder a uma alteração do diploma que estabelece o regime jurídico da ASE, eliminando a correspondência entre esta e os abonos de família. "A conclusão lógica desta lei é que os apoios na acção social escolar não poderiam continuar vinculados aos escalões do abono de família ou, caso contrário, a aplicação da condição de recursos incidiria, indirectamente, na atribuição da ASE. Se assim fosse, a lei aprovada pela Assembleia da República seria inútil", argumenta.
Para o deputado do CDS, Michael Seufert, esta interpretação não corresponde ao "espírito da lei", de que foi um dos autores: "Não se pretendia abranger o ensino não superior. Como se pode ver pela sua designação, o que se pretendeu foi retirar as bolsas de estudo e de formação para efeitos de verificação da condição de recursos", ou seja, para o cálculo dos rendimentos familiares. Esta alteração já foi consignada no novo regime de bolsas, divulgado quinta-feira.
No ensino não superior, os apoios são designados de acção social escolar e no superior de acção social. A alínea eliminada pelo Parlamento menciona expressamente a acção social escolar. "Se se chegar à conclusão de que foi criado um problema, este pode-se resolver. Tanto o Governo como o Parlamento têm competências para legislar nesta matéria", adiantou Seufert.
Nas respostas ao PÚBLICO, o MEC remete para o que não está em causa nesta polémica, afirmando que o decreto-lei alterado pelo Parlamento não se reporta "em lado nenhum" ao diploma que institui o regime jurídico da ASE e que, "nessa medida, não poderia o despacho do ministério considerar normas de atribuição do abono de família". É ao Ministério da Solidariedade e da Segurança Social que compete aplicar a lei que alterou o diploma da condição de recursos para o "apuramento dos montantes das prestações a atribuir às famílias".