Amor, Estúpido e Louco

Estreia-se uma comédia romântica e voltamos ao mesmo: é um género morto, é um género em decomposição. Exagero? Se for, é como na anedota buñueliana: “também, o senhor doutor faz cada desenho...”. E não será o desenho dos doutores Glenn Ficarra e John Requa a desmentir a regra: “Amor, Estúpido e Louco”, independentemente do talento dos seus autores (que não parece coisa por aí além), reflecte bem como os “tempos”, e sua “evolução”, foram fatais para o género, que nos anos 30 e 40 vivia de transgressões, fintas à moral e aos bons costumes, não-ditos e subentendidos.


os costumes são, apesar de tudo, “liberais”, e se pode dizer e mostrar (quase) tudo, sobra pouco espaço para ousadias. E tudo funciona ao contrário: em vez de um desejo de desordem, em vez de um desejo de “estupidez e loucura”, o objectivo é a reentrada na ordem, os bons e sentimentais auspícios do matrimónio, da família, e etc. Nada de deseducação, apenas lição(zinha) de vida. Assim é “Amor, Estúpido e Louco”, filme que de “estúpido e louco” não tem nem um pouco, e neste caso isso não é uma vantagem. É claro que Ficarra e Requa não têm culpa por viverem no tempo em que vivem. Mas o que estava nas mãos deles não corre lá muito bem. O filme é canhestro.

Começa por não ter personagens, apenas bonecos, com os actores a repisarem caricaturas de si próprios: Steve Carell é o homem de meia idade inseguro, Julianne Moore passeia o “ennui” de “american Bovary” em que, entre filmes a sério e filmes a brincar, tem passado a carreira, e Ryan Gosling é o “poster boy”, superficial como nunca o vimos. Depois, se o argumento encontra situações com piada, algumas “lines” bem medidas, nunca há encenação digna desse nome, antes uma enorme inabilidade para gerir as (várias) intrigas cruzadas ou paralelas (o filme está sempre a perder-se, agora com uns, agora com outros), e uma ainda mais radical falta de jeito para resolver o que tinha que ser resolvido através de uma precisa gestão da planificação, da montagem, dos “timings” - e é por isso que a cena “clou”, que no papel devia ser genial (toda a gente se encontra no mesmo espaço, pela primeira vez), sai uma coisa a trouxe-mouxe onde está tudo errado e tudo se desperdiça. Muito pobrezinho, sobretudo se se achar que uma comédia é mais do que uma colecção de diálogos “com piada”.

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