STJ declara “inconstitucional” lei que impõe prazo para reconhecimento da paternidade

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A decisão incide sobre uma acção de investigação de paternidade interposta por uma mulher actualmente com 62 anos Daniel Rocha

A declaração de inconstitucionalidade está expressa num acórdão de 06 de Setembro, a que a agência Lusa hoje teve acesso, relacionado com uma acção de investigação de paternidade interposta por uma mulher de Ponte de Lima, actualmente com 62 anos.

A defesa do homem que a mulher apontou como podendo ser o seu pai contestou a acção, alegando que tinha caducado o prazo previsto no Código Civil para a investigação da paternidade.

Em causa está a norma do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, segundo a qual “a acção de investigação da maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”.

Nos termos do artigo 1873º do Código Civil, esta regra é também aplicável à investigação da paternidade.

No caso em apreço, tendo a investigante 62 anos, há muito que este prazo expirou.

Na primeira instância, o Tribunal de Ponte de Lima julgou procedente a excepção de caducidade, tendo absolvido o réu do pedido de investigação.

O caso chegou ao STJ, que lembra que neste processo estão em causa “direitos fundamentais” tanto do investigante como do investigado.

Do lado do investigante, são os direitos à identidade pessoal, à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, enquanto do investigado são os direitos de reserva da intimidade da vida privada e familiar e ao desenvolvimento da personalidade.

O STJ acrescenta que “não se afigura que possam ser invocadas razões de segurança jurídica para limitar por via legislativa o direito de qualquer pessoa ao reconhecimento da sua identidade e integridade pessoal ou ainda o direito ao livre desenvolvimento da personalidade”.

Sublinha ainda que as razões de ordem prático-processual, como o envelhecimento das provas, “não conferem dignidade para poderem ser invocadas como razões idóneas, válidas e consistentes quando postas em confronto com os direitos fundamentais fundantes da pessoa humana”, face à objectividade e cientificidade das provas que hoje estão disponíveis para prova da filiação, como o ADN.

Para o Supremo, o motivo de ordem patrimonial que poderia estar presente na opção do legislador para limitar os prazos legais da investigação “constitui-se perverso e de frágil consistência estrutural e sistémica para poder ser esgrimido contra valores e princípios essenciais da pessoa humana”.

Assim, o STJ declarou “inconstitucional” a referida norma do Código Civil e ordenou o prosseguimento do processo de investigação.