A forma como ensinamos rapazes não é eficaz. Podemos penalizá-los. Ou chegar a eles.Entrevista David Chadwell

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Quando falamos de diferenças, falamos apenas de médias e de tendências, diz Chadwell

Trabalhos de grupo? Nunca deixar que sejam as meninas a escolher com quem vão fazer um exercício. Há o risco de passarem o resto da aula a discutir quem é amiga de quem. Estimular os rapazes? Experimente-se abordar um novo problema de Matemática como se fosse um jogo. Nunca ouviram falar desta matéria? Pois "têm dois minutos para tentar resolver isto". Sugestões de um especialista em ensino diferenciado

David Chadwell, de 44 anos, passou horas a dar uma aula para professores, quase todos homens, no Colégio Planalto, em Lisboa - um colégio só para rapazes. Os professores que o ouvem atentamente querem perceber como ensinar melhor... os rapazes, precisamente. E Chadwell, enérgico, propõe exercícios, faz perguntas, parte a "turma" em grupos, como um jogo onde até há lugar para um cronómetro em contagem decrescente projectado num painel.

No final, tem entrevista marcada com o P2. Admite que o tema "é complicado". Queixa-se de os jornalistas perguntarem sempre: "Mas, afinal, por que é que separar rapazes e raparigas há-de ser melhor do que ter aulas mistas?" Algures ao longo da conversa solta um suspiro: "Mas por que é que sobre tudo querem sempre saber se "é melhor ou pior..."?"

Já não suspira quando afirma, com convicção, que "o actual sistema educativo discrimina os rapazes" que, em vários países do mundo, incluindo Portugal, se saem pior na escola do que as colegas. Pelo menos nalguns casos, continua, separar rapazes e raparigas pode ser a solução.

Contratado em 2007 pelo Departamento de Educação do Estado da Carolina do Sul para coordenar um programa destinado a apoiar iniciativas de ensino diferenciado - que é o mesmo que dizer rapazes para um lado, raparigas para outro -, Chadwell acompanha actualmente mais de uma centena de escolas públicas, só na Carolina do Sul. E é também consultor particular - o que o leva a viajar e a acompanhar escolas em diferentes países.

No Reino Unido, há cerca de 400 estabelecimentos com apoio do Estado que têm ensino diferenciado. Em Espanha, o PSOE tem defendido que colégios com este tipo de oferta deixem de receber apoios estatais e fala de "segregação". Em Portugal, não há separação em nenhuma escola do ensino oficial. Um relatório recente da rede europeia de informação sobre educção, a Eurydice, explica que os resultados dos estudos sobre os efeitos positivos do ensino diferenciado não são conclusivos.

Na semana passada, Chadwell esteve em Portugal para dar formação nos Colégios Fomento, que têm um protocolo de cooperação com o Opus Dei (entre os quais o Planalto), e falou sobre o tema numa conferência promovida pela Universidade Católica, em Lisboa.

Quais são as principais diferenças entre rapazes e raparigas?

Quando falamos de diferenças, falamos de médias e de tendências. Ou seja, falamos do que parece acontecer mais frequentemente com os rapazes e mais frequentemente com as raparigas. Não estamos a dizer que todos os rapazes são de uma maneira, nem que todas as raparigas são de outra. Isto é extremamente importante! Porque muitas vezes os media dizem: "Os rapazes são assim e as raparigas assim." Não é assim.

Rapazes e raparigas podem aprender as mesmas coisas e desenvolver as mesmas capacidades. Mas penso que podem existir formas diferentes para ajudar rapazes e raparigas a relacionarem-se com a informação. Uma tem a ver que a questão dos detalhes. As raparigas tendem a focar-se mais nos pormenores, a retirar mais informação dos objectos. Os rapazes tendem a focar-se na ideia principal. Olhe-se para um auto-retrato feito por raparigas: tem cabelo, olhos, nariz, boca, dentes, ouvidos... o auto-retrato dos rapazes tem olhos e cabelo. E é isso. Há um que põe o nariz. Há outro que não põe a boca. Há outro que não tem orelhas. Como é que isto é importante numa sala de aula? Os rapazes também podem focar-se nos detalhes se houver uma estratégia, se lhes pedirmos. "Mostra "x" e "y" e "z"."

Essas diferenças existem porque há uma diferença biológica? Ou é cultural?

Não sei.

Não interessa saber?

O debate que está instalado é esse: "É a biologia ou é a cultura?" Eu não sei. A comunidade médica começa a dizer: "Sim, parece haver alguma biologia..." E há pessoas a dizer: "Não, não é assim..." O problema é que esse debate está a acontecer no "mundo da investigação", mas na sala de aula temos estudantes que estão a ter desempenhos distintos, que não conseguem atingir o mesmo nível de sucesso, e temos professores que estão a tentar ensinar. Aos professores não interessa quais são as causas. O que querem saber é: "Como é que eu consigo chegar aos meus alunos?"

As meninas têm melhores resultados, abandonam menos a escola, chegam mais à universidade. O sistema educativo está a prejudicar mais os rapazes do que as raparigas?

A forma como estamos a ensinar não está a ser tão eficaz para os rapazes. Podemos continuar a penalizá-los. Ou podemos procurar perceber como chegar a eles. Isso vai ser mau para as raparigas? Não vai. Se tivermos rapazes que se estão a sair mal, em aulas mistas, isso também vai ser prejudicial para as raparigas. Porque se vai perder tempo, eles vão tentar gozar com elas...

Não temos igualdade de desempenhos na leitura, por exemplo. Os rapazes estão a perder. Não quer dizer que não saibam ler. Há muitos que sabem fazê-lo bem. Mas, em geral, o sistema educativo está a discriminá-los. Por outro lado, sim, é verdade que as raparigas vão mais para a universidade. Mas por que é que não vão para Engenharias? Ou para as Matemáticas ao mais alto nível? Isto é um problema a nível internacional. Como é que transmitimos certos conteúdos às raparigas de maneira e levá-las a dizer: "Quero seguir essas áreas"?

Se tiver que dar uma aula de Matemática a rapazes, o que é que vai fazer diferente?

Começaria dando aos rapazes um problema-padrão. Antes de explicar como se resolve, diria: "Têm dois minutos para tentar resolver isto." Usaria um cronómetro que eles pudessem ver. Cada um estaria por sua conta, dois minutos, em contagem decrescente. Até que "acabou o tempo!" Depois, talvez lhes pedisse as folhas de resposta e colocava-as na parede da sala e dava-lhes dez segundos para olharem para as respostas uns dos outros. Depois falaríamos sobre as diferenças. E depois, explicaria quais eram as opções de resposta.

Os rapazes estariam provavelmente mais disponíveis para me ouvir depois de já terem tido a oportunidade de tentar fazer uma parte do exercício.

E com as raparigas?

Talvez lhes desse também um problema-padrão. Diria: "Vamos fazer uma coisa que ainda não fizemos. Penso que vocês têm alguns recursos para tentar fazer isto. E não estão sozinhas. Vão trabalhar com uma parceira."

Com as raparigas, para que comecem a fazer uma coisa nova, é importante ter um parceiro/a porque isso reduz o nível de stress. Depois, talvez lhes pedisse para trabalharem em grupos de quatro e debaterem. Mas seria eu a definir à partida a constituição dos grupos. "Tu trabalhas com A." Nunca diria a um grupo de raparigas: "Formem grupos de quatro." Ou "encontrem um parceiro". Nunca!

Porquê?

Porque seria um factor de tensão. "Por que é que não me deixam entrar naquele grupo? Por que é que aquela não é minha amiga? Tem a ver com o meu aspecto? Terá sido alguma coisa que eu disse ontem?" E tudo isto se torna tão importante que não pensam mais em Matemática... Quando se formam grupos com raparigas numa sala de aula, é muito importante ter cuidado na forma como se faz isso.

Mas então... Pedimos a rapazes e raparigas para resolver um problema. A maneira como lá chegamos é que pode ser diferente. No ensino diferenciado (sala de aula ou escola) pode construir-se esse sentido de comunidade que nos permite avançar. Numa aula que não é de ensino diferenciado podem usar-se as mesmas ideias, mas há que contrabalançar mais, temos de fazer mais malabarismo.

Há 500 escolas públicas nos EUA com ensino diferenciado....

Este ano baixou para 400. A diminuição está relacionada, em muitos casos, com a redução de fundos e de professores, por causa da crise financeira.

É mais caro ter ensino diferenciado do que misto?

Não, não é. Não é preciso comprar tecnologia especial, nem livros escolares especiais, nem adaptar edifícios, não é preciso ter mais dinheiro. Sim, é preciso dar formação aos professores. Mas todos os professores precisam de formação nesta área. Isto é uma questão internacional. A questão do género não deve ser trabalhada apenas por quem dá aulas diferenciadas. Os professores que dão aulas mistas têm à sua frente rapazes e raparigas e devem perceber como ensinar melhor rapazes e raparigas. Todos nós.

As tais 400 escolas nos EUA estão a sair-se melhor?

Não sabemos. Na América há uma lei de 2006 que diz que é possível ter ensino diferenciado em escolas públicas, mas essa lei não diz que as pessoas devem recolher dados sobre os resultados dos alunos. Ninguém nos EUA está a recolher dados. Na Carolina do Sul tento obter alguma informação. Algumas escolas enviam, outras não. É um problema porque, de facto, as pessoas querem saber o que se está a passar. A segunda parte do problema é: não há dinheiro para fazer a avaliação. O terceiro ponto é: as pessoas querem poder dizer que o ensino diferenciado é melhor do que o ensino misto. Não é. Alguns estudantes podem sair-se melhor em aulas mistas, outros podem sair-se melhor no ensino diferenciado.

Não defende que o ensino diferenciado é melhor para toda a gente?

Não. Deve ser uma escolha. Uma oportunidade. Nalguns casos, pode haver realmente vantagens. Mas se me perguntar: "Todas as crianças precisam de ensino diferenciado?" Não precisam. Alguns alunos têm pais que os apoiam muito e vão sair-se bem seja em que escola for. Porque os pais estão envolvidos.

O ensino diferenciado destina-se a oferecer um ambiente de aprendizagem diferente para os alunos.

Estudantes mais pobres podem beneficiar mais do ensino diferenciado?

Alguns sim. E na América, sobretudo nas zonas de subúrbio, muitas escolas estão a ter esta resposta para estudantes pobres. Para criar um ambiente onde eles se sintam mais confortáveis e aceites. É melhor assim? A mim parece-me necessário. Mas é preciso ter atenção para que isto não seja visto como um castigo. Isto tem que ser visto como uma oportunidade.

No ensino diferenciado, homens podem ensinar raparigas e vice-versa?

Sim. É uma questão de treino.

Na sua opinião, qual é a idade mais indicada para separar rapazes e raparigas?

Não há uma idade. Nos EUA, algumas escolas têm ensino diferenciado no 4.º, 5.º e 6.º anos, outras no 1.º e 2.º ano, outros no 9.º... Os professores olham para os seus alunos, para os resultados, para o comportamento e para a vontade dos pais e decidem.

Há vantagens em ter isto no ensino primário. No ensino médio, enfim, é uma idade de loucos, há quem goste de ter ensino diferenciado aí para que os alunos se mantenham mais concentrados na escola e não na parte social...

É difícil defender as ideias que defende?

É complicado. Por questões políticas, desde logo. Nos EUA a separação de rapazes e raparigas era uma forma de discriminar as mulheres. Quando se fala em separar outra vez, as pessoas pensam: "Estamos a voltar aos dias da discriminação e quem vai perder? As mulheres." É a reacção imediata.

É isso que vai acontecer?

Claro que não. Na América, pelo menos, temos que ensinar a toda a gente os mesmos conteúdos e todos os alunos fazem os mesmos testes no final do ano. Depois, em Portugal e em Espanha, tudo isto vem embrulhado com a questão da religião e aí... não conheço. Na América as escolas com as quais trabalho são públicas, não são religiosas. Há ainda outro argumento: "Se, no mundo real, rapazes e raparigas estão misturados, por que razão não devem estar na escola?" Pois, mas a escola não é o mundo real. No mundo real não trabalhamos só com pessoas da nossa idade; na escola os miúdos são separados por idades.

Outro argumento que tenho ouvido: separar rapazes e raparigas é reforçar a ideia de que há uma forma de ser e estar que é só para rapazes e outra que é só para raparigas.

É o risco do ensino diferenciado. Mas nas escolas mistas também pode haver um professor que diz: "Os rapazes devem ser assim e as raparigas não porque são raparigas." Não acho que as escolas diferenciadas promovam os estereótipos, mas há um risco. "És um rapaz, não deves chorar, deves ser duro!": é fácil dizer isto numa turma só de rapazes e os professores têm que ter muito cuidado. Mas numa turma só de rapazes também têm a oportunidade de os questionar sobre o que é que eles pensam que significa crescer e ser um homem, desafiá-los a falar dos estereótipos. O mesmo numa turma de raparigas. É possível debater modelos de mulheres cientistas e dizer: "Isto é possível."

Há perguntas que os alunos não fazem numa sala de aula mista, à frente de colegas do sexo oposto. Numa aula de ensino diferenciado pode-se ir mais longe.

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