Morreu o sobrevivente de Tuol Sleng

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Vann Nath em 2007

A pintura salvou-o durante o regime Khmer Vermelho. Morreu, ontem, aos 66 anos

Vann Nath, o pintor que se salvou a retratar Pol Pot durante o tempo em que esteve preso em Tuol Sleng, o grande local de tortura do regime khmer vermelho na capital cambojana, morreu ontem aos 66 anos, na clínica privada La Sante Hemodialysis em Phnom Penh. No dia 26 de Agosto, depois de sofrer um ataque cardíaco, entrou em coma e não sobreviveu, disse a sua filha, Vann Chan Simen.

Em Junho de 2009, Vann Nath - um dos sete sobreviventes do centro de detenções S-21 - foi o primeiro a testemunhar em tribunal contra o director do centro, Kaing Guek Eav, mais conhecido por Duch. Acusado de crimes de guerra e contra a humanidade, tortura e homicídio, Duch foi condenado em Julho do ano passado a 35 anos de cadeia.

Na altura do julgamento, Vann Nath disse ao tribunal criado pelo Camboja com colaboração da ONU que só sobreviveu na prisão onde morreram 14 mil pessoas porque gostavam dos quadros que pintava do líder, Pol Pot. "Só sobrevivi porque o Duch se sentia bem quando passava pelo meu atelier. O meu sofrimento não pode ser apagado, as memórias continuam a perseguir-me", afirmou.

O pintor perdeu dois filhos nos "campos da morte" dos khmer vermelhos, que entre 1975 e 1979 foram responsáveis pelo desaparecimento de 1,7 milhões de pessoas, o que representava um quinto da população (os que resistiram à fome, doenças ou exaustão foram simplesmente assassinados). Vann Nath já tinha formação artística quando foi obrigado a trabalhar numa quinta comunitária. Acusado de ser um inimigo do regime khmer vermelho foi encarcerado em Tuol Sleng em 1978 e só libertado em Janeiro de 1979, aquando da invasão das tropas vietnamitas. Um dia, quando foi chamado na prisão, teve a certeza de que tinha chegado a sua hora. "Disse a mim próprio que isso não tinha importância, já que ia morrer de um dia para o outro, mais valia morrer logo do que viver naquelas condições." Mas, ao contrário do que aconteceu a muitos dos seus colegas de cela, pediram-lhe que pintasse um quadro de Pol Pot. "Sabia que se o pintasse mal, estaria a arriscar muito. Estava muito nervoso." Era uma questão de vida ou de morte. Como correu bem, contou nessa audiência no tribunal, passou a pintar os quadros de propaganda do "irmão número um".

Nos últimos anos, Vann Nath tinha graves problemas de saúde. Segundo a sua viúva, Kith Eng, eram consequência das torturas a que foi submetido na prisão. Foi espancado, electrocutado, e esteve quase a morrer por não ter nada que comer (comiam os insectos que conseguiam apanhar).

Ontem, o porta-voz do tribunal, Lars Olsen, lamentou a morte do artista plástico que "deu voz às vítimas". Vann Nath ficou famoso pelos quadros em que representava com grande realismo as torturas e as condições de vida durante os anos de 1975-1979 no Camboja. Escreveu também um livro de memórias do seu ano passado no centro de detenção S-21, A Cambodian Prison Portrait: One Year in the Khmer Rouge"s S-21 Prison.

Uma cerimónia budista está marcada para hoje à tarde.

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