Justiça em três meses

No caso Strauss-Kahn, sabemos que não foi possível provar nada "além da dúvida razoável"

A 14 de Maio, Dominique Strauss-Kahn, director do FMI, estava dentro de um avião quando a polícia o prendeu por suspeita de abuso sexual. Ontem, três meses depois, as acusações foram retiradas, Strauss-Kahn foi libertado e o caso encerrado.

Não deixa de ser extraordinário - num caso que é isso mesmo do princípio ao fim -, que em apenas três meses se tenha feito justiça. Há uma leitura possível deste desfecho: um homem branco e poderoso conseguiu esmagar legalmente uma imigrante africana, humilhando-a e, ao mesmo tempo, dando um sinal universal às mulheres que, no futuro, venham a ser vítimas de abusos sexuais. Mas há outra leitura, talvez mais correcta: dois advogados, ambos excelentes e famosos, trabalharam os seus casos e a justiça fez, e fez-se depressa.

Strauss-Kahn contratou Benjamin Brafman, que defendeu Michael Jackson e outras estrelas americanas. Nafissatou Diallo, a empregada do hotel, teve Kenneth P. Thompson a defendê-la, um homem que em Nova Iorque todos conhecem como o procurador que pôs na prisão os polícias que foram acusados de uma dos mais horríveis actos de brutalidade policial na história da cidade contra um imigrante negro, o famoso "caso Abner Louima".

A mulher que apresentou queixa contra Strauss-Kahn mentiu várias vezes e isso destruiu o caso. Não é relevante que tenha mentido na sua documentação para conseguir entrar nos EUA, mas é relevante que tenha mentido sobre o caso, mudado a versão dos acontecimentos várias vezes e falado ao seu namorado em extorquir dinheiro. Perdeu a credibilidade, o caso foi encerrado. Nunca saberemos o que aconteceu naquele quarto de hotel e se o sexo foi ou não consensual. Mas sabemos que não era possível provar fosse o que fosse "além da dúvida razoável".

Os ricos que querem pagar a crise

Um grupo de 15 multimilionários franceses decidiu seguir o exemplo de Warren Buffett e pediu ao seu governo que lhes exija uma "contribuição especial" para a consolidação das finanças públicas. Para estas personalidades, o que está em causa é a devolução à França e à Europa de parte dos benefícios que obtiveram nos seus negócios. O que na aparência pode ser um simples gesto de generosidade, é também, como notou o cínico mas lúcido George Soros, um gesto de defesa do interesse próprio. No imediato, a austeridade, os cortes sociais e o agravamento dos impostos sobre as classes médias vão favorecer o sentimento de hostilidade aos ricos; a médio prazo, o acentuar da desigualdade social pode introduzir no capitalismo o vírus da agitação laboral e da contestação social. Ora, uma das chaves da sobrevivência do capitalismo às profecias de Marx sobre a sua extinção foi a sua capacidade de redistribuir riqueza para gerir tensões. Nos dias que correm, Buffett e os milionários franceses sabem que chegou a hora de os políticos terem coragem de lhes pedir mais em benefício de todos. O que há de novo na sua atitude não é a generosidade, mas a inteligência e a sensatez de se anteciparem e pedirem aos políticos aquilo que eles há muito deveriam ter feito.

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