Fotos e carta forjada adensam suspeitas sobre "rei Ghob"

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O "rei Ghob" costumava partilhar o seu "castelo" com as vítimas Rui Gaudêncio

António, Ivo, Tânia e Joana terão morrido às mãos do "rei Ghob". Depois de amanhã, acaba o prazo para requerer abertura de instrução

No final de Junho de 2008, Francisco Leitão deslocou-se a casa dos pais de Ivo Delgado, então com 22 anos, para lhes explicar o desaparecimento do filho, uns dias antes. Há sete anos que o jovem o ajudava na sucata que geria e tinha chegado mesmo a partilhar a sua casa, o famoso "castelo" de Carqueja, na Lourinhã. Explicou-lhes então que a ausência de Ivo era voluntária, motivada pelo medo do rapaz de ser detido pela polícia. Era melhor não participar o desaparecimento, aconselhava. Uns dias mais tarde, voltou. Queria comunicar que tinha estado com o jovem e que este lhe tinha pedido para guardar o seu Audi A4, um veículo que Francisco Leitão passou a usar no dia-a-dia.

A história parecia encaixar nas mensagens escritas que Ivo enviava aos pais. "Estou bem... estou a trabalhar", dizia numa delas, citada na acusação do Ministério Público que imputa quatro homicídios a Francisco Leitão. A 12 de Julho, o sucateiro leva o pai de Ivo a Badajoz, onde dizia que estaria o jovem. Já na cidade espanhola terá simulado ter avistado o rapaz. Francisco, que se auto-intitula "rei Ghob", seguia à frente com um amigo no encalço de Ivo e Manuel Delgado mais atrás. Quando se reencontraram, o sucateiro informou o pai do jovem que este lhe tinha telefonado. Pedia que fossem embora, caso contrário correriam risco de vida. Acederam.

Já na Lourinhã, Francisco Leitão entregava a Marlene, irmã de Ivo, uma carta e umas fotografias que alegava terem sido enviadas pelo irmão. Eram a prova de que este se encontrava bem. Mas a encomenda vinha com um aviso: deveria destruir tudo para que, se a polícia fosse lá a casa, não conseguisse localizar o rapaz. Marlene não seguiu o conselho, mas estaria longe de adivinhar que uns bons meses mais tarde uma perícia ia comprovar que as fotografias eram de facto uma montagem. Tratava-se de sobreposições de imagens de Ivo com fotografias de paisagens no estrangeiro. A carta, diz outra peritagem, fora escrita no computador de Francisco Leitão, que, acredita o Ministério Público, imitou depois a assinatura de Ivo, decalcando-a de um documento. Um exame à caligrafia confirmou que não tinha sido Ivo a assinar a missiva.

Na busca a casa do sucateiro de 42 anos, detido desde 19 de Julho do ano passado, é apreendido o telemóvel de Ivo e o respectivo cartão. As peritagens mostram que desde 26 de Junho de 2008 o cartão telefónico de Ivo tinha sido várias vezes introduzido no telemóvel de Francisco Leitão, que tinha igualmente reencaminhado as chamadas para o seu número habitual. Os exames confirmam depois que, entre Fevereiro e Março de 2010, o telemóvel do "rei Ghob" fora utilizado para enviar mensagens à família de Ivo.

Em Abril, Francisco Leitão apresenta uma queixa na polícia. Denuncia o alegado furto do Audi A4 e indica Ivo como testemunha. Na altura, acredita a polícia, o jovem estava morto há perto de dois anos. Terá sido assassinado por Francisco Leitão em Junho de 2008, uns dias depois de Tânia Ramos, de 27 anos, que uns meses antes começara a namorar com Ivo.

"Notando o esfriar da relação e sabendo qual a causa do afastamento do seu companheiro, sentindo ciúmes e temendo que Ivo o abandonasse, o arguido tomou a resolução de matar Tânia", sustenta a acusação. Não se tendo conseguido reaproximar do amante, tê-lo-à morto, acreditam as autoridades. Francisco Leitão também tentou convencer a família de Tânia que a jovem, que deixou inesperadamente de visitar a filha de nove anos que se encontrava internada num hospital, estava viva e de boa saúde. Uns dias antes de Ivo desaparecer, o irmão de Tânia recebe uma mensagem: "Desculpa por tudo que fiz. Onde eu me encontro estou bem. Cuidem da minha filha por mim. Não se preocupem comigo. Perdoem-me por tudo". Mais uma vez as peritagens confirmaram que a mensagem foi enviada do telemóvel de Francisco Leitão, onde o cartão de Tânia fora inserido.

Joana Correia, que terá sido a última vítima do "rei Ghob", cruza-se com ele apenas em 2009, quando inicia namoro com Luís. O rapaz, da mesma idade, começara a frequentar o "castelo" de Carqueja uns meses antes. O MP garante que também com Luís manteve uma "relação de natureza intíma e sexual". O namoro dos adolescentes terá gerado ciúmes no "rei Ghob", que em bizarros vídeos profetizava o fim do mundo e os seus poderes sobrenaturais. A sorte de Joana estaria, por isso, traçada. Mas a estratégia implicaria uma fase de sedução, com o "rei Ghob" a tentar aproximar-se da jovem. Para falar com a rapariga comprou, no início de 2010, dois cartões telefónicos, que registou em nome de Ivo Delgado. No dia em que Joana desapareceu, a 3 de Março de 2010, entre as 11h17 e as 19h21, Francisco e Joana trocaram 182 mensagens escritas. O sucateiro terá inventado um pretexto (fazer uma surpresa a Luís) para ir buscá-la a casa. Desde então Joana só deu sinais de vida através de mensagens escritas. "O mãe tou bem, okay. Depois eu volto, okay [sic]", dizia uma das mensagens que a família recebeu uns dias depois. "Eu vim purque quis. Tou a trabalhar, okay [sic]", garantia noutra. Também tentaria tranquilizar Luís: "Amor eu estou bem, okay. Amo-te". Mas, mais uma vez, as peritagens comprovaram que o cartão de Joana tinha sido introduzido no aparelho de Ivo Delgado, que Francisco teria na sua posse desde a sua morte.

Apesar das inúmeras buscas, os corpos dos três jovem nunca foram encontrados. Como também nunca apareceu o cadáver de António d"Albuquerque, conhecido como "Pisa-Lagartos", que desapareceu em Novembro de 1995, depois de sair com o sucateiro do Centro Hospitalar de Peniche, onde tinha sido assistido. Francisco Leitão continua a insistir na sua inocência.

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