Uma viagem à deslocalização fiscal

Prática empresarial desafia a máquina fiscal a ser não apenas mais eficaz, mas também mais concorrencial

Dezanove dos vinte grupos que constituem o principal índice da bolsa lisboeta têm, no total, 74 sociedades com sedes em países que oferecem vantagens fiscais em relação a Portugal ou são paraísos fiscais. É o número de empresas que o PÚBLICO encontrou ao seguir a ramificação deste conjunto de entidades. Desta contagem, expurgaram-se as sedes de empresas com actividade operacional no exterior, na indústria ou serviços, situações em que entram, por exemplo, representações comerciais.

O longo debate da chamada deslocalização fiscal, e que continuará longo, tem agora este número para juntar, que não representará o universo total das empresas portuguesas nessa situação, mas tem o conforto de mostrar a sua maior expressão num país que desconhece, pelo menos publicamente, a receita fiscal que perde com esta situação.

Nem sempre os relatórios e contas ou as próprias empresas foram claros quanto às suas sedes no estrangeiro, por omissão ou recusa. Do mesmo modo, muitas resistiram a responder às perguntas do PÚBLICO sobre este tema e até a assumir as próprias vantagens fiscais de que beneficiam, independentemente da razão pela qual instalaram parte das suas sedes no estrangeiro.

Não é, porém, difícil perceber a atracção por um país, como a Holanda, que não tributa os dividendos gerados fora da União Europeia às empresas registadas no seu território.

O número (74) a que se chegou, dificilmente se explica como grande ou pequeno face a outras realidades, mas não deixa de impressionar e de obrigar a reflectir sobre as razões e consequências de uma opção em que a Holanda, Luxemburgo e Irlanda se destacam como destinos para a indústria e serviços nacionais, enquanto os bancos demonstram preferir paraísos fiscais, sobretudo as ilhas Caimão.

Para uma grande maioria, a discussão é, no entanto, outra e tem a ver com a fronteira entre a concorrência e a desigualdade fiscais. Se há consenso quanto ao facto de os paraísos fiscais serem a expressão máxima da desigualdade tributária e das injustiças que decorrem da existência de offshores, o mesmo já não acontece em relação aos outros casos, tendo em conta os destinos dentro da União Europeia.

As razões pelas quais as empresas optam por países com carga fiscal menor ou mais atractiva para algumas áreas de actividade podem ser várias e são, segundo os próprios fiscalistas, normais, no espaço aberto e de (velha) desarmonia fiscal em que a própria União Europeia se arrasta e resiste. A concorrência fiscal faz-se a partir de um conjunto de factores atractivos, que vão desde uma baixa taxa de imposto à oferta de serviços associados e outras condições. O problema vem logo, logo a seguir, dada a facilidade com que se salta do degrau da concorrência para o da fuga fiscal. Os avisos da Inspecção-Geral de Finanças de que este problema faz parte das suas prioridades não bastarão. A máquina fiscal não precisa apenas de ser mais eficaz. Precisa também de ser competitiva.

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