Quebra-recorde no consumo das famílias empurra economia para níveis de 2009

Actividade económica está ao pior nível desde a última recessão. Famílias cortam como nunca no consumo, agravando os receios de que a crise se venha a revelar pior do que o esperado

Nem nas intervenções anteriores do FMI, nem quando Portugal esteve em recessão, na sequência da crise financeira internacional, as famílias retraíram tanto os seus gastos. Em Julho, o consumo privado atingiu um mínimo histórico, empurrando a actividade económica para o pior nível dos últimos dois anos. As novas medidas de austeridade previstas para este ano e a desaceleração das outras economias europeias podem agravar o cenário e obrigar a rever em baixa as previsões de recessão.

Dados do Banco de Portugal, ontem divulgados, mostram que o indicador coincidente da actividade económica que mede o desempenho da economia, desceu de 1,3 pontos negativos em Junho para -1,6 em Julho. É o valor mais baixo desde Junho de 2009, quando a economia estava em recessão, na sequência da crise financeira internacional.

A actividade económica está em queda desde Julho do ano passado, reflectindo o impacto da crise da dívida soberana e dos sucessivos planos de austeridade postos em marcha para consolidar as finanças públicas.

A pesar sobre o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) está o consumo privado, que tem vindo a cair, na sequência dos cortes salariais, da redução dos apoios sociais e dos aumentos de impostos, que estão a consumir o rendimento disponível das famílias portuguesas.

Os dados do Banco de Portugal mostram que, em Julho, o indicador coincidente do consumo privado atingiu os 3,4 pontos negativos, o valor mais baixo desde que a instituição tem registo dos dados, ou seja, desde 1978. A queda é, inclusive, maior do que quando Portugal esteve em recessão, em 2009, ou nas duas anteriores intervenções do FMI em Portugal (1979 e 1983).

O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, afirma que "é um indicador que mostra que estamos todos a passar por tempos difíceis e que as reformas que este Governo está a implementar são absolutamente fundamentais para sairmos desta situação difícil."

Para Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI, "a procura doméstica vai estar condicionada nos próximos tempos" e o consumo público "não poderá compensar o abrandamento, ao contrário do que aconteceu em 2009". A agravar o cenário, a lógica de consolidação orçamental está a pedir aos países e às famílias que consumam e se endividem menos. Ou seja, "o potencial de crescimento da economia é muito mais limitado", conclui.

Além disso, a economista salienta que, na última recessão não houve "o nível de encolhimento do crédito" que se perspectiva neste momento, nem o mesmo nível de desemprego. A agravar o cenário, o impacto de novas medidas de austeridade e a desaceleração da economia mundial pode fazer deslizar as previsões oficiais.

O Governo e a troika estão a apontar para uma contracção do PIB de 2,2 por cento este ano e para uma nova queda de 1,8 por cento em 2012. Para cobrir o desvio orçamental de quase dois mil milhões de euros, o executivo antecipou o aumento do IVA sobre a electricidade e o gás e vai lançar um imposto extraordinário (corte no subsídio de Natal acima do valor do salário mínimo), o que irá consumir ainda mais os rendimentos das famílias.

"Não é surpreendente se a recessão for pior do que o previsto", afirma Cristina Casalinho, acrescentando que o grupo de estudo do BPI ainda não reviu em baixa as suas projecções para a economia este ano, mas que terá de o fazer, "se a envolvente externa se degradar mais".

A economista salienta que, a manterem-se as quedas que se têm verificado nos mercados accionistas, a probabilidade de recessão intensifica-se, sobretudo numa altura em que a margem de manobra dos dirigentes europeus é muito limitada, em termos de política orçamental e monetária. Rui Constantino, economista do Santander Totta, também considera que irá haver uma vaga de revisões em baixa de previsões de crescimento, na Europa e no mundo em geral.

Os últimos dados do Eurostat, esta semana, mostram que a Alemanha cresceu apenas 0,1 por cento no segundo trimestre face aos primeiros três meses do ano - o desempenho mais fraco em mais de dois anos. A França também estagnou e a zona euro no seu conjunto está a crescer apenas 0,2 por cento. Um cenário que, segundo Rui Constantino, terá impacto nas exportações nacionais, que se espera que sejam um dos poucos motores da economia a funcionar este ano. A "esperança" é que a queda inferior ao previsto do PIB no segundo trimestre dê alguma margem de manobra à segunda metade do ano.

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