Estudantes lançam o "Inverno Chileno" contra a herança de Pinochet no sistema educativo

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Polícia usou gás lacrimogéneo e canhões de água contra manifestantes CLAUDIO SANTANA/AFP

Com paus, pedras, greves de fome e beijos, a revolta chegou em força às ruas, exigindo educação pública gratuita e de qualidade. O Presidente Piñera afunda-se

Nunca no tempo da democracia a Praça Itália, onde convergem todas as grandes avenidas de Santiago do Chile, se tinha visto assim: cercada de muros de contenção para que os manifestantes não a ocupem. Mas o que se passou na capital chilena foi uma verdadeira revolta estudantil, em protesto por uma melhor educação pública, da qual resultaram mais de 870 detenções e ferimentos em 90 polícias.

Os protestos de quinta-feira, que aconteceram também em várias outras cidades chilenas, foram os maiores, mas não foram os primeiros. Os estudantes do secundário e universitários estão a protestar há cerca de dois meses no que alguns chamam o "Inverno Chileno", por oposição à Primavera Árabe: greves de fome, tomadas de escolas, uma manifestação maciça em que a palavra de ordem era um beijo - a sociedade chilena está a dar vazão à revolta, à "profunda insatisfação com o modelo neoliberal e as suas consequências para aqueles que não fazem parte da elite económica", escreve o New York Times.

A insatisfação com a educação congregou a maior fúria dos que se sentem deixados para trás numa economia que tem crescido graças às minas de cobre do país e aos altos preços alcançados por este minério. Estudantes e professores juntaram-se para enfrentar o Governo de direita de Sebastián Piñera, exigindo mudanças radicais no sistema educativo chileno, em que as escolas e universidades públicas são o parente pobre.

Entre outras medidas, os manifestantes, que cortaram as avenidas da capital, queimando pneus e contentores e batendo em panelas - como nos tempos da ditadura -, exigem que seja instituída na Constituição a garantia da educação pública gratuita de qualidade.

O problema da educação, na verdade, remonta ao tempo da ditadura e a um decreto do general Pinochet, de 1981, que incentivava o desenvolvimento de universidades privadas. O Estado cortou muito no financiamento das universidades públicas, conta o New York Times, e surgiram dezenas de estabelecimentos privados, frequentados hoje pela grande maioria dos 1,1 milhões de estudantes chilenos.

Só que a qualidade destas universidades é muito variável. "É um sistema muito caótico e desconcertado", disse ao jornal nova-iorquino María Olivia Monckeberg, autora de dois livros sobre o sistema universitário chileno. "Os estudantes e as suas famílias endividam-se muito, e a qualidade dos cursos é totalmente questionável", acrescentou.

O ultimato

O Presidente Piñera prometeu fazer mudanças, mas o que propôs não satisfez os estudantes, que já fizeram cair um ministro da Educação. E Piñera é o Presidente em exercício mais impopular dos últimos 20 anos, com 26 por cento de aprovação e rejeitado por 53 por cento dos seus compatriotas, segundo uma sondagem publicada pelo diário La Tercera.

Na terça-feira, os estudantes rejeitaram uma última proposta do novo ministro da Educação, Felipe Bulnes, que falava em aumentar o valor das bolsas de estudo e de condições de crédito mais vantajosas para poder pagar os cursos superiores.

Arrojados, fizeram um ultimato ao Governo, com prazo de cinco dias a contar de quinta-feira, dia 4, para apresentar novas propostas mais a contento dos professores e estudantes. O ministro Bulnes vai dizendo que o Governo não responde a ultimatos, mas o "Inverno Chileno" será certamente feroz nos próximos dias.

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