O carro “blue jeans” celebra hoje 50 anos

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Concentração de carrinhas Renault 4L em São Pedro do Sul, em 2006 Manuel Roberto/ PÚBLICO

O que têm em comum a série televisiva portuguesa “Zé Gato” e o filme “Sim, Senhor Hulot”, do francês Jacques Tati? O que liga os CTT ao enigma anterior? Aliás, o que tem isto tudo a ver com as calças, mais precisamente os “blue jeans”? A resposta é só uma: “Quatrelle” – é assim que se diz em francês – ou R4, para os mais sintéticos. Nesta quarta-feira a Renault 4L celebra 50 anos.

Se ao passar pelo site oficial da Renault não encontrar no catálogo de carros usados o modelo 4L, não se preocupe. Se está interessado em comprar um, não julgue que o carro saiu do mercado. Os novos, de facto, deixaram de ser comercializados em 1992, mas os fóruns especializados em automóveis e os sites de vendas em segunda mão estão repletos de mensagens alusivas a um ícone que os sites de design não desdenham.

Estacione-se o carro e visite-se o espaço Design Boom, na Internet. O portal "caçador" de novas tendências nas áreas da arquitectura e do design – a expressão “brand new retro” assenta bem neste automóvel em 2011 - dedica uma vasta fotogaleria à celebração da efeméride dos 50 anos da “Quatrelle”. Entre outras informações sobre os feitos da Renault 4 – a terceira marca mais vendida na história automóvel, depois do Volkswagen Carocha e do Ford modelo T, que chegou a 8 milhões de compradores em 30 anos –, o site especializado cola à R4 o epíteto de “ícone da moda”. Nota ainda que os mentores deste projecto estavam atentos às mudanças na sociedade dos anos 1950/60, quando planearam o automóvel.

Em 1956, Pierre Dreyfus, à altura presidente da Renault, pediu a técnicos e engenheiros do ramo automóvel que materializassem um conceito que tinha na cabeça: um carro simples, barato, funcional, moderno, versátil e democrático. Para todos e para tudo, em suma. Dreyfus queria um veículo equiparado aos “blue jeans”, refere a retrospectiva realizada pelo portal Design Boom.

O resultado final - apresentado ao grande público a 3 de Agosto de 1961 - está associado a duas inovações: O Renault 4 é o primeiro automóvel com sistema de refrigeração, e o primeiro Renault com tracção dianteira. Na primeira versão, tinha uma caixa de três velocidades e um motor de 4 cilindros, e atingia uma velocidade máxima de 95 km/h.

Teve como contemporâneos outros automóveis icónicos como o Trabant – associado à memorabilia da Alemanha do Leste – ou o Volkswagen Carocha. Os três deixam de ser produzidos quase pela mesma altura, entre o final dos anos 1980 e os 1990.

A ideia de um carro “para toda a gente” – para a família, para homens e mulheres, para agricultores e para pessoas urbanas – é apreendida pelo grande público. O preço acessível e a mecânica simples também contribuíram para a democratização do modelo.

Em Portugal chega a ser um clássico na frota de carros dos CTT e do próprio Estado. A Renault 4 foi usada ainda como viatura de trabalho de agricultores [o habitáculo chega à porta-bagageira], e a própria ficção pós-25 de Abril reflectiu a mediatização do modelo. A imagem do protagonista da série policial “Zé Gato” ao volante de um R4 a perseguir eventuais criminosos é uma imagem de referência da televisão portuguesa.

Em França, o realizador e actor Jacques Tati provocava os espectadores de “Sim, Senhor Hulot”, com a personagem principal da narrativa a pôr a nu as fragilidades das cidades modernas – no caso, Paris e Amesterdão - com um Renault 4 nas mãos.

A paixão pela Renault 4

Num fórum chamado “4 Clube Portugal”, a “Quatrelle” é uma referência que leva aficionados e curiosos a marcar encontros mensais, com a paixão por este carro clássico como pretexto. Só para Agosto deste ano estão marcados cinco encontros mensais, em cidades como Lisboa, Felgueiras, Portimão, Abrantes e Porto. Nesse fórum há quem faça ainda listas de filmes e de séries televisivas onde o carro dá o ar da sua graça.


O coleccionismo e a venda de versões usadas do modelo povoam páginas de vendas de usados da OLX e da Coisas.com, alastrando-se inclusive a um fórum da Audi. Com estatuto de clássico, e já fora do mercado dos veículos “novos”, o número de fotografias de projectos de restauro e do lifting abundam na Internet. No fórum da Audi, um utilizador apresenta uma série de imagens que dão a conhecer o processo de reabilitação, a meias com um amigo, de um R4. Numa das fotografias, vê-se um automóvel de cara lavada, com pintura de madeira retocada e envernizada.

No seu blog pessoal “O Melhor e o Pior”, Nuno Costa, deixou uma mensagem para sublinhar o melhor deste veículo: “Eram e são máquinas de guerra. O lema tuga (sic) era que a 4L ia onde não iam os jipes”. A mesma ideia é reforçada por Paulo Barata, professor de design, em entrevista recente ao PÚBLICO: “Era muito o carro dos agricultores. Na verdade foi o primeiro SUV [Veículo Utilitário Desportivo, na adaptação da sigla inglesa]. Por causa do fundo plano, a 4L chega a passar em locais com neve onde nem os jipes!”. Já as principais críticas apontadas à Renault 4L passam pelo consumo excessivo e a corrosão da carroceria.

Em Julho deste ano, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma lei que proíbe a circulação de veículos anteriores a 1992 - sem catalisador - na Baixa Pombalina e na Avenida da Liberdade, por questões ambientais. A medida tira, assim, a Renault 4L das principais artérias da cidade. Aos 50 anos, apesar das interdições, a “Quatrelle” anda por aí. Nas estradas virtuais e reais do país. Como os “blue jeans”.

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