O "massacre do Ramadão" mostra um regime disposto a tudo

Foto
Seguindo o exemplo do pai, Bashar al-Assad ataca Hama sem piedade PATRICK BAZ/AFP

Obama falou de informações "horrendas", o Presidente turco disse-se "horrorizado". Moscovo descreve um uso da força "inaceitável". Mas "não há condições" para uma intervenção externa

A véspera de Ramadão começou como um pesadelo para a população de Hama, no centro da Síria. O Exército entrou literalmente a matar, de madrugada e sem aviso, fazendo pelo menos 100 mortos, para além dos outros 41 civis que matou noutras cidades. Ontem, primeiro dia de Ramadão, pelo final da tarde, perto da hora do romper do jejum, dez tanques bombardeavam "de forma indiscriminada" um bairro residencial na periferia da cidade, contou um activista à AFP. Para pouco depois, pelas 22h em Lisboa, estava marcado o início de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU sobre a Síria.

O "massacre do Ramadão", como lhe chamou o jornal Libération, promete continuar. Hama é a cidade onde se realizaram os maiores protestos contra o regime. Com 700 mil habitantes, todas as sextas-feiras têm saído à rua 500 mil. O regime quer vergar Hama, que já era sinónimo de massacre antes de domingo - ontem foram mortas mais quatro pessoas na cidade. Para os sírios, Hama quer dizer 20 mil mortos em 1982 às ordens de Hafez al-Assad, pai do actual Presidente, Bashar, que enfrentava então a contestação da Irmandade Muçulmana. Os protestos ardiam em fogo lento desde 1976; em 1982, Hafez decidiu esmagá-los e conseguiu-o, com o massacre de Hama.

Agora há o Ramadão: os opositores tinham prometido que todos os dias seriam sextas-feiras, dias de protesto, aproveitando a reunião na mesquita para a quebra do jejum comunitária ao pôr do sol. O regime quis antecipar-se e decidiu começar o Ramadão um dia mais cedo, com um massacre.

Domingo foi um dos dias mais sangrentos desde o início do movimento de protesto, a 15 de Março, e as reacções repetiram-se. Barack Obama falou de informações "horrendas"; o Presidente turco, Abdullah Gul, afirmou-se "horrorizado". Moscovo referiu um uso da força "inaceitável" e disse estar "seriamente preocupado". Berlim descreveu "uma guerra do regime contra o seu povo".

A UE anunciou mais sanções, juntando cinco próximos de Assad aos membros do regime com bens congelados. Itália e Alemanha pediram uma reunião de emergência na ONU e assim aconteceu. Mas há dois meses que os europeus, incluindo Portugal, fazem circular uma resolução a condenar Assad, e a Rússia e a China ameaçam vetá-la. Mesmo com Hama, nada garante que agora será diferente.

Guerra civil

O que os europeus sabem é que a Síria não será outra Líbia. O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague, afastou ontem qualquer possibilidade de uma intervenção militar. "Na Líbia temos uma operação baseada num mandato claro da ONU. Nós temos o apoio dos países da região. Estas condições não estão reunidas na Síria", explicou ao jornal francês Midi Libre o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen.

Do que não restam dúvidas é sobre a estratégia do regime. É a estratégia do massacre. "Eles passaram o limite. Querem mostrar que podem aumentar o nível de repressão em todo o país", afirmou à Reuters Bassma Kodmani, da Iniciativa Reforma Árabe. "O que está claro é que o Governo está preparado para usar a força sem limite", disse o analista Rami Khouri.

Do outro lado da barricada, não há sinais de desistência. Paul Salem, director do centro para o Médio Oriente do think tank Carnegie Endowment acredita que o Ramadão será marcado por mais protestos e por uma escalada de parte a parte - e outros analistas afirmam que as mortes de civis este mês vão provocar ainda mais indignação por parte dos manifestantes.

"Não me parece que nenhum dos lados esteja perto do limite", disse Salem ao jornal Christian Science Monitor. "Não vejo nenhuma conclusão. O regime vai lutar pelo poder. A população não vai desistir. Este será um mês que nos levará em direcção a algo parecido com uma guerra civil."

Sugerir correcção