É poupar, vilanagem!

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Diz o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa que a expressão "É fartar, vilanagem" é "uma versão das palavras ditas por Álvaro Vaz de Almada, conde de Avranches, no final da batalha de Alfarrobeira, quando já não podia resistir à força dos seus inimigos". Ora tal frase tem sido aplicada, ao longo dos tempos, às mais variadas situações, em particular àquelas em que a vilanagem realmente se empanturra (não raras vezes à margem da lei).

Mas, como tudo, a expressão caducou. A vilanagem fartou-se da fartura e agora não lhe resta outro caminho senão poupar, para que um dia volte a fartar-se desmedidamente. Veja-se o caso das Forças Armadas: já contam cêntimos para ver se compram ou não uns binóculos laser mais modernos ou uns torpedos para testes. Mas quem fala de militares fala de polícias. PSP e GNR receberam, das respectivas direcções ou comandos, uns planos de austeridade. A GNR terá de poupar 5 por cento em combustíveis, substituir cartinhas por emails, gastar menos água, luz e gás, reduzir a circulação de viaturas e cortar em alimentação, material de escritório, prémios e condecorações, artigos decorativos, formação, estudos, assistência técnica e "outros serviços" (onde há-de caber o resto). Uma tarefa hercúlea. Já a PSP vai a pormenores ainda mais explícitos, aconselhando os guardas a usar a água das chuvas para lavar viaturas e para rega, a ligar a televisão só à hora dos telejornais (que há-se ser também a hora em que se noticiam os crimes, bem entendido), a apagar lâmpadas, a reduzir as descargas dos autoclismos, a reutilizar papel (queixas podem vir a ser, certamente, rascunhos de novas queixas), a substituir o estafeta fardado com livro de protocolo por simples cartas de correio e a trocar os faxes internos por emails. Isto além de outras medidas consideradas pertinentes. Ou seja, tudo. Claro que, para pôr em causa a racionalidade de tais poupanças, começaram logo maldosamente a circular uns boatos que davam conta de redução nos patrulhamentos (para poupar gasolina, claro) e até nas velocidades de circulação. Exemplo: há um assalto. A patrulha é alertada, mas chegou ao limite dos quilómetros diários. Quer chamar outra ou perguntar se pode considerar aquilo uma urgência, mas também já atingiu o limite de chamadas telefónicas. Arrisca e lança-se numa perseguição a pé. Mas as botas também não podem ser renovadas senão dentro de dez anos. Desiste. Os gatunos não.

Hilariante? Há bem melhor. Esta semana, perguntaram ao ministro das Finanças se já havia medidas concretas para cortar despesas. Claro que havia. E deu logo ali dois exemplos: ia acabar com duas comissões criadas nos anos 80 e que gastariam (fez o PÚBLICO as contas, as Finanças não sabiam) cerca de 500 mil euros ao Estado por ano. Os seus ilustres presidentes têm, respectivamente, a bonita idade de 77 e 86 anos. Talvez nem sequer se lembrem de que presidiam a tais comissões. Ou sequer que elas existiam. Mas o ministro, felicíssimo, lembrou-se. E, para festejar o feito, o Governo nomeou logo uma administração novinha para a CGD. Não é uma delícia, este poupar?

Jornalista

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