Torne-se perito

Sem mudanças, os riscos de corrupção mantêm-se no cumprimento do Memorando da troika

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Só Paula Teixeira da Cruz (aqui com Miguel Macedo) prometeu um "sistema eficaz de combate à corrupção" DANIEL ROCHA

Serão reformas profundas a valores financeiros altíssimos. Por isso, é urgente a transparência e rigor. A TIAC explicou ao Governo como se faz e já vê sinais preocupantes na CGD e na EDP

É com preocupação que Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), vê os sinais emitidos pelo novo Governo no que toca ao combate à promiscuidade, ao tráfico de influências e à corrupção na gestão do Estado. Sem que haja medidas concretas de prevenção ou combate, há sinais de que os comportamentos do poder em Portugal não tencionam mudar. Nesse sentido vai a nomeação de António Nogueira Leite, antigo secretário de Estado e dirigente do PSD, de Nuno Fernandes Thomaz, antigo secretário de Estado e dirigente do CDS, e do advogado Pedro Rebelo de Sousa para a administração da Caixa Geral de Depósitos, a qual repete a "falta de escrutínio sobre conflito de interesses" e perpetua, diz Luís de Sousa, "um problema que é sempre o mesmo: as velhas práticas mantêm-se, fazem o discurso da ruptura, mas continuam a nomear pessoas de confiança e proximidade política" (ver pág. 23).

Outro sinal negativo é, para Luís de Sousa, a intenção de o Governo fazer uma venda directa do capital do Estado na EDP, em vez de concurso público. "A aproximação a potenciais candidatos pode ser feita e é normal que o Governo queira assegurar a qualidade das candidaturas, mas isso não pode criar condicionalismos ao concurso público da privatização", diz o presidente da TIAC, afirmando: "Um concurso é um concurso. É preciso transparência, não pode ser nebuloso, e tem de ser inteligível para a opinião pública."

Aperfeiçoar "mecanismos"

Foi, aliás, com o objectivo de que as regras de transparência e rigor na administração do Estado sejam introduzidas em Portugal, tendo em atenção a profunda reforma do Estado que está contida no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades da Políticas Económicas, assinado entre Portugal, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que a TIAC elaborou um documento que é um verdadeiro manual de prevenção e combate à corrupção.

Elogiado internacionalmente e apontado como exemplar (ver texto nestas páginas), este documento foi entregue pela TIAC no dia 22 de Junho aos membros da troika e, dois dias depois, ao primeiro-ministro, ao Presidente da República, à presidente da Assembleia da República, ao ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, enquanto líder do segundo partido da coligação, ao ministro de Estado e das Finanças e ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Esta semana, mais de um mês depois, a presidente da AR, Assunção Esteves, e o secretário de Estado adjunto, Carlos Moedas, acusaram a recepção, mas mais nada, avança Luís de Sousa, que continua à espera de voltar a reunir-se com a troika, como ficou previsto no encontro de 5 de Maio. Carlos Moedas não teve disponibilidade para falar com PÚBLICO sobre este assunto, apesar do pedido do jornal nesse sentido ao longo da última semana.

O silêncio governamental sobre o combate à corrupção apenas foi quebrado na apresentação do programa, pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que corroborou o que o próprio programa do executivo promete: "O Governo tomará iniciativas para que o país tenha um sistema eficaz de combate à corrupção, à informalidade e a posições dominantes, e que seja dotado de um sistema de regulação mais coerente e independente", bem como "aperfeiçoará o funcionamento das instituições e trabalhará para alcançar um sistema de justiça mais célere, mais capaz de garantir direitos e contratos e de reparar a sua violação".

Ao nível institucional, apenas Guilherme d"Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas e responsável pelo Conselho de Prevenção da Corrupção, garante ao PÚBLICO que "a verdade é que a preocupação da corrupção não está esquecida - já que um maior rigor nas finanças públicas reduz sempre as oportunidades que conduzem à fraude, às infracções e ao desperdício". E, directamente sobre a questão da aplicação do Memorando, afirma, em concordância com a TIAC: "Pode haver, contudo, um agravamento dos riscos de corrupção nas privatizações ou na simplificação de licenciamentos. Daí que os mecanismos de prevenção de riscos de corrupção devam ser reforçados e aperfeiçoados. Temos de estar muito mais atentos".

É precisamente para este tipo de riscos que a TIAC alerta no documento. E diz claramente que "algumas das reformas previstas no Memorando de Entendimento, como as privatizações, a renegociação das parcerias público-privadas ou a reestruturação das forças armadas, podem abrir oportunidades para a corrupção, sobretudo dada a forte promiscuidade entre interesses públicos e privados em Portugal e os baixos custos morais e legais associados a transacções ilícitas".

Luís de Sousa frisa que estas reformas, "devido até à rapidez de execução que é exigida, precisam de ser feitas com todo o rigor e transparência, não podendo ser por quaisquer meios que sirvam para atingir o fim". E insiste na ideia de que "os meios têm de ser muito escrutinados, para que sejam evitadas práticas irregulares ou fraudulentas deste ou de outro Governo que se siga."

Relações perigosas

O documento alerta mesmo para a existência "de uma forte promiscuidade entre as esferas política e empresarial", cujas ligações se fazem sentir em sectores em que a "função do Estado é mais rentável", como as obras públicas, o ambiente e a saúde. Diz a TIAC que "os exemplos são inúmeros, a promiscuidade entre política e negócios é regra. A Assembleia da República parece um escritório de representações". E alerta também para que "as ligações dos membros do Governo a grandes empresas e poderosos escritórios de advogados são regra". Assim como para que "é também comum a transferência de ex-governantes para os órgãos de gestão de empresas que operam nos sectores que anteriormente tutelavam, em particular no sector financeiro e para grandes empresas de construção".

O presidente da TIAC sublinha que "as entidades que existem não têm capacidade para fiscalizar realmente." E defende que "devem ser criadas para cada operação entidades de acompanhamento com técnicos e com membros da sociedade civil e tem de ser feita publicidade e publicitação dos resultados e dos processos de forma perceptível". A publicitação dos resultados e dos processos é indispensável, aduz, rematando: "Não se pode pensar que as pessoas não percebem nada. Têm é que ter informação e é esse o objectivo e a função dos governos democráticos." com Luísa Pinto

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