O preço de um atentado clandestino

O Acordo Ortográfico mexe na nossa identidade e nos nossos bolsos. Quanto custa, alguém é capaz de explicar?

Em 2010, o PSD divulgou um documento intitulado Cortar na Despesa, onde, feita a síntese de 15 mil propostas inscritas no seu site com o objectivo de diminuir as despesas do Estado, incluía esta frase (pág. 16): "Outra proposta relevante foi a rejeição do Acordo Ortográfico, de modo a evitar os custos que a sua aplicação imporá ao sector editorial." Custos? Que custos? Na verdade ninguém sabe nem, pelos vistos, quer saber. Quando se pergunta, a resposta é: não há estudos. Ou seja, Portugal, o país onde se encomendam estudos por tudo e por nada, não foi capaz de, até hoje, pedir um estudo credível sobre o assunto. Mesmo com a crise, mesmo com a troika, mesmo com as tais poupanças que o PSD encomendou e que, agora no poder, repensa... O mais curioso é que não faltam no Governo antigos opositores do AO 90, agora amarrados a uma decisão que parece inabalável, porque escrita no seu próprio programa (pág. 122): "O Governo acompanhará a adopção do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa garantindo que a sua crescente universalização constitua uma oportunidade para colocar a Língua no centro da agenda política, tanto interna como externamente." Vem tarde. Externamente, a língua portuguesa já foi reduzida a zero no infame caso das patentes, quando o então governo Sócrates assinou um decreto de adesão ao acordo de Londres, fazendo substituir, quase na totalidade, o português pelo inglês na validação em Portugal do registo europeu de patentes. Por ser hermético para a maioria, passou. José Ribeiro e Castro chamou-lhe, neste jornal, "um atentado clandestino contra a Língua Portuguesa". Pois bem: o AO 90 é, também ele, desde há muito, um atentado quase clandestino a que a maioria volta costas por julgar que se trata apenas de mexer numas letras. Não é. O AO 90 mexe na nossa identidade. E nos nossos bolsos. Quanto custa, alguém explica?

O clã Murdoch escolheu o silêncio

Não se pode dizer que tenha sido uma surpresa. A audição parlamentar em Londres ao escândalo das escutas ilegais do jornal News of the World ficou marcada pelos silêncios e pelas respostas evasivas do patrão da News Corporation, Rupert Murdoch, do seu filho, James, e da responsável editorial pelo jornal, Rebekah Brooks. Houve pouco para ouvir sobre o escândalo das escutas... E ficou só o simbolismo de um imperador dos media ter sido obrigado a explicar-se perante os deputados. O escrutínio, porém, ficou por fazer. Mas o silêncio não vai resgatar os homens e a mulher que trocaram a missão democrática do jornalismo, que é a de escrutinar o poder, por um exercício de pressão camuflada sobre o poder, subvertendo as regras da democracia. As respostas que se recusaram a dar ficam como a confirmação do cinismo com que abusaram do seu poder. E o imperador talvez seja forçado a abdicar. Haveria nisso uma justiça democrática. O homem que cresceu ameaçando e destruindo reputações poderá não sobreviver a má reputação do seu império. Os súbditos estão prontos a sacrificá-lo. Para que tudo fique na mesma?

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