Nuvens e experiências

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O luso-suíço Basil da Cunha fechou a competição nacional do Curtas Vila do Conde

Basil da Cunha dá um passo em frente com "Nuvem" num dia do Curtas que esteve sob o signo do experimentalismo

Tal como acontecera na edição 2010, também em 2011 o luso-suiço Basil da Cunha fechou a competição nacional do Curtas Vila do Conde. Não sabemos se foi só coincidência ou se houve aqui deliberação. Mas visto que Cunha ganhou o ano passado o certame com "À Côté" e se tornou entretanto no próximo nome grande das Curtas com este "Nuvem" a ser seleccionado para a Quinzena dos Realizadores em Cannes, não seria impossível olhar para a programação como um talismã - muito embora só logo à noite se revelem os vencedores de uma competição que ficou abaixo das expectativas.


Em qualquer caso, "Nuvem" é evidente passo em frente face ao esforço do ano passado, embora reproduza a premissa de "À Côté" (paixão não correspondida de "outsider" num gueto urbano): alimentando-se da energia (ou da letargia) dos seus actores, explorando mistério e ambiente num ambiente que recorda Pedro Costa mas se dirige para outros caminhos, mais narrativos e menos despojados. Mas há ainda problemas de ritmo nesta curta demasiado longa que ainda não traz cá para fora tudo o que Basil da Cunha tem para dar; seja como for, o que há de bom em "Nuvem" é ser um filme em bruto, com arestas angulares, pouco limadas, e essa espontaneidade eleva-o acima da quase totalidade da restante competição.


No extremo oposto - filme certinho, tecnicamente irrepreensível, impecavelmente apresentado - esteve "North Atlantic", de Bernardo Nascimento. Miniatura melancólica sobre o diálogo entre um controlador de vôo e um piloto em apuros inspirada num "fait-divers" verídico, conseguiu elevar-se acima do mero exercício escolar graças ao classicismo da sua narrativa e, de caminho, foi o melhor primeiro filme que vimos no concurso.


Fora estas duas curtas, as competições principais de sexta-feira estiveram sob o signo do experimental, em todas as acepções da palavra (e não estamos a falar da competição paralela de curtas experimentais, que o calendário de sessões não permitiu acompanhar).
O programa nacional completou-se com dois filmes mais criativos em termos formais do que narrativos: "O Sapateiro", animação elegíaca de David Doutel e Vasco Sá, graficamente muito trabalhada, e "Silêncio de Dois Sons", "era uma vez" surreal de Rita Figueiredo que estica uma premissa para lá do que ela sustenta.
Ambos poderiam aprender sobre o modo como uma ideia pode ser trabalhada narrativamente sem perder a invenção formal com a belíssima animação da alemã Anja Schutz "How to Raise the Moon", fantasia vitoriana em animação de volumes fotograma a fotograma saída de uma Beatrix Potter em tom gótico. Ou com "Boro in the Box", onde o francês Bertrand Mandico rende homenagem ao esquecido cineasta polaco Walerian Borowczyk com uma biografia ficcionada convenientemente surrealista.


Mais "hardcore" foi "Get Out of the Car", definido pelo seu autor, o veterano americano Thom Andersen, como "uma sinfonia em 16mm" sobre o passado e o presente dos murais amadores e painéis publicitários de Los Angeles. É um inventário hipnótico de memórias e reinvenções que, no limite, podia também ser uma instalação audiovisual.
Para quem procura uma introdução ao que significa "cinema experimental", o Curtas deu o ponto de entrada perfeito com o excelente documentário do americano Pip Chodorov "Free Radicals", história do género contada na primeira pessoa por um cineasta que cresceu literalmente dentro da comunidade. Filho de um jornalista televisivo, ele próprio realizador e distribuidor de cinema experimental (através da estrutura parisiense Re:Voir), Chodorov fala com os que ainda estão vivos (Jonas Mekas, Peter Kubelka, Robert Breer, Michael Snow), desencanta imagens de arquivo dos falecidos (Stan Vanderbeek, Stan Brakhage), partilha com os seus espectadores, de modo entusiasmado mas pedagógico, quandos, comos, ondes e porquês do cinema de vanguarda sem cair no academismo sisudo ou no fanatismo acrítico.

Longe de ser exaustivo, "Free Radicals" é uma breve introdução que merece o maior elogio que se pode fazer: deixa vontade de saber mais.

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