"Guerra Civil": Um filme imperdível

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Filme é exibido esta terça-feira na Cinemateca Portuguesa às 21h30 DR

Impossibilitado de uma estreia comercial, "Guerra Civil", de Pedro Caldas, um dos melhores filmes portugueses de todas as gerações, é hoje exibido na Cinemateca Portuguesa.

"Guerra Civil", de Pedro Caldas, Melhor Longa Metragem Portuguesa do IndieLisboa 2010, é a primeira longa de um realizador com larga presença no cinema português (director de som nos anos 80 e 90 e autor de várias curtas recentes). "Gostava cada vez menos dos filmes em que trabalhava ou via. Escrevi argumentos, mas apenas agora recebi o apoio para realizar uma longa", diz-nos Caldas.

A época do filme é a década de 1980, no Verão de um país desfasado entre as expectativas e as desilusões das suas diferentes gerações. Para o realizador, "muito do filme é feito contra o cinema português dessa época e a sua perda, mas também sobre o que se passa agora. Perdeu-se o punk, a liberdade estética e política: é o início do mundo de hoje, em que os valores económicos predominam". Mas o filme vive, sobretudo, pelo comovente retrato das suas personagens: um jovem e solitário rapaz fechado na escuridão da sua imaginação (Francisco Bélard, candidato a melhor Ian Curtis do cinema), o encontro com uma rapariga que reflecte a luz e o calor da estação (Maria Leite, encarnando o brilho da inocência de vida no cinema), e uma geração adulta frustrada no falhanço das suas relações. "Interessava-me fazer um filme sobre várias solidões", explica Caldas. "O Rui [Francisco Bélard] não vê nenhum futuro à sua frente, é um punk tardio. A única personagem que sente a alegria de um futuro é Joana [Maria Leite]. A mãe tem medo de envelhecer, mas quer provar a si própria que ainda é mulher [uma tocante Catarina Wall]."

A sensibilidade do filme passa por um olhar sobre a vida potenciado pelas possibilidades do cinema: uma inovadora montagem que garante um olhar, sem julgamentos, sobre os desejos e falhas de cada um. "Achei justo montar pontos de vista diferentes para nos aproximarmos mais das personagens, dando-lhes o tempo de uma personagem principal", refere Caldas. A solidão de cada um é vista por uma montagem paralela dos mesmos dias de cada personagem, oferecendo uma ponte emocional para a presente (e eterna) forma de vida do país. "Hoje, vemos desencanto nas relações e pouca vontade de viver. Os portugueses tornam-se mais fechados com os problemas, sentem uma falta de alegria de viver que me choca", diz-nos Caldas. Contudo, "Guerra Civil" brilha pelo mais tocante dos sentimentos em cinema: a alegria de filmar. "É um dos maiores prazeres da vida", diz-nos Caldas, "mas, para a maior parte das pessoas com quem trabalhei antes, era um sofrimento. Fiz este filme também contra isso".

"Guerra Civil" remete-nos para um luminoso e desaparecido cinema português - o de "Uma Rapariga no Verão" (1986), de Vítor Gonçalves, obra nunca estreada e na qual Caldas trabalhou. "Guerra Civil" depara-se também com dificuldades em estrear, pairando, assim, a reclusão do cinema dessa época sobre o filme. A sua banda sonora, forte elemento da narrativa (Orange Juice, Joy Division), é o entrave da sua estreia, fazendo desta exibição (hoje, 21h30) uma ocasião especial para ver o filme.

"Só faz sentido fazer cinema para mostrar às pessoas. E, para o filme não morrer, é preciso exibi-lo", diz o realizador. João Figueiras, o seu produtor, refere que "o filme não pode passar nas salas, excepto nas condições especiais da Cinemateca, por uma questão burocrática: a versão original tem um impedimento nas autorizações de duas músicas. Não é uma questão financeira mas de não-autorização da Sociedade Portuguesa de Autores", diz-nos. "Estamos em contacto directo com o autor e aguardamos uma resposta a qualquer momento. Se se resolver, o filme vai para as salas, pois há interesse para que isso aconteça." O retrato emocional de um país, sedento de cinema, raramente terá encontrado tão sensível forma como em "Guerra Civil". A sua aguardada estreia será a nossa comoção.

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