A crise levou-as à descoberta de uma paixão

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Vanessa Martins e a mãe, Paula Conceição, lançaram a marca pexizbeke em 2008Na página anterior, Carina Trigueiros criou com a mãe, Maria da Conceição, a marca CIS3 design Nuno Ferreira Santos

Vanessa Martins e Carina Trigueiros são duas jovens, ambas licenciadas, que tiveram de enfrentar a crise. Com as mães, desempregadas, criaram as suas próprias marcas de artesanato urbano. As pessoas estão a comprar menos.

Pegas de cozinha e guardanapos versão pexizbeke

Vanessa Martins e Paula Conceição são mãe e filha, mas partilham mais do que o grau de parentesco. Com 30 e 50 anos, respectivamente, são, desde Abril de 2008, uma dupla de artesãs e já criaram uma marca: pexizbeke.

Um dia, olharam para uma pega de cozinha tradicional, em lã, e pensaram que o desenho e as cores fariam um colar muito original. E fizeram-no. Depois resolveram apostar em pequenas feiras e, com "uma mesinha que não tinha mais de um metro", inauguraram o seu negócio em Junho do mesmo ano. Até amanhã, essa banca é um stand na Feira Internacional do Artesanato, na FIL, no Parque das Nações, em Lisboa. "Começámos por comprar dez centímetros de tecido e hoje dois metros não chegam", explicam.

Vanessa é licenciada em Direito, mas, embora sempre tenha trabalhado, o máximo que conseguiu na sua área foi um estágio num tribunal. "Trabalhei numa multinacional durante dois anos, no departamento financeiro, e também num banco", no call center. "Se estivesse a trabalhar agora, ou tinha que tirar sempre férias no tempo em que havia feiras ou então não as podia fazer." Em Abril deste ano, Vanessa decidiu dedicar-se ao artesanato a tempo inteiro juntamente com a mãe, que, por estar desempregada, o faz desde 2008. "Às vezes, quando uma pessoa se dedica um bocadinho mais, também tem mais frutos." Se concluísse não poder viver apenas do artesanato e tivesse uma oportunidade de voltar a trabalhar na sua área, Vanessa "seria infeliz a vida toda". Dedicar-se ao artesanato foi uma necessidade. "De repente, começámos a ficar com mais dificuldades. A minha mãe ficou desempregada e pensámos que tínhamos de agarrar alguma coisa." A dupla já tinha feito gravatas para senhora, quadros com serapilheira, cortinados. "A vida dá outra volta e nós lá nos dedicamos, mas, desta vez, mais a estes acessórios", conta, apontando para brincos, colares, porta-moedas, malas de senhora... A confecção tornou-se num "ciclo vicioso". "Nunca tirámos nenhum curso directamente relacionado com o artesanato", confessa. O seu trabalho é procurado por ser "alternativo" ao que se vende nas lojas de rua e centros comerciais, explica.

Uma feira como a da FIL é uma forma de divulgação, embora tenham Facebook e um blogue, dos quais não fazem muito uso. Recentemente, começaram a vender algumas peças para lojas, "mas não muitas".

Quem visitar a banca da marca pexizbeke, encontra peças originais, essencialmente feitas com tecido e linha de croché, "coisas portuguesas", com acabamentos à base do couro, cabedal, correntes e pedras Swarovski. "Fazemos com que sejam coisas com qualidade", explica Vanessa. Cada peça é considerada "única"; repeti-la não é impossível, mas quase. "Por muito que as pessoas queiram, nunca sai a mesma peça", conclui. "A peça sai toda de raiz da nossa mão. É mesmo tudo feito por nós." Segundo as artesãs, o que mais vende, entre as peças feitas em tecido, são as bolsas; nos acessórios, os brincos e colares. O preço "nem sempre é justo" para as muitas horas de trabalho investidas. "As pessoas não têm noção da quantidade de horas que estas peças levam a ficar prontas." Os representantes das lojas que a procuram querem consignações, mas Vanessa não as faz. Isso seria estar a trabalhar para as lojas. "Para estar a encher diversas lojas, um dia abrirei uma para mim", um dos projectos pensados para o futuro.

"Mesmo com a crise, as pessoas não deixam de comprar", afirmam as artesãs. Os resultados financeiros das feiras que têm feito entre Lisboa, Cascais ou Sintra, são "positivos", embora se comece a notar uma grande procura pela "peça de três ou quatro euros", preços que a pexizbeke não pratica. Neste momento, o público também tem de gostar mesmo do trabalho, senão "é mais complicado" vender. A maior crise está nas feiras de rua, em que o público são os habitantes locais. "Quem tem, quer gastar menos. As pessoas vão tentar economizar", mas, "se uma pessoa for só a pensar na crise e não tiver qualquer coisa que a anime, começa a ficar depressiva. Nós também já fazemos coisas com muita cor, para a pessoa ganhar umas energias diferentes", acrescenta Paula.

Paula afirma que viver do artesanato "é possível", mas o investimento tem de ser "grande". "Parece um investimento muito pequenino, mas não é, porque está aqui muita coisa, muito dinheiro, muito tempo". Para que a oferta seja a que têm e possam apostar na inovação e nas peças únicas, "é preciso dinheiro". Vanessa considera "complicado", porque o vencimento não é certo. "Numa feira, podemos fazer 10 euros ou mil. A pessoa nunca sabe com o que pode contar." Estes são os primeiros tempos em que ambas se dedicam exclusivamente ao artesanato, e esses "são os piores, até a pessoa se conseguir levantar. Depois, quem conseguir sobreviver, continua", acrescenta Vanessa.

O futuro passa por ir mais além. Apostar em produtos diferentes para cativar "as poucas pessoas que ainda possam comprar alguma coisa" e preços "apelativos" que possam chegar a todo o tipo de público. Ao longo deste ano, Vanessa e a mãe vão percorrer o país. Não querem "ficar só por aqui".

pexizbeke

Email pexizbeke@sapo.ptBlogue pexizbeke.blogspot.comTelefone 918206283

Tudo em alcatifa assinada CIS3 design

Carina e Maria da Conceição Trigueiros, de 27 e 55 anos, decidiram tornar-se artesãs no Verão de 2006. Quando a mãe ficou desempregada, Carina, actualmente a terminar o mestrado em Arquitectura, sentiu que precisava de começar a fazer alguma coisa para ajudar. "Um trabalho com horários fixos era muito complicado, porque o curso é mesmo difícil", diz Carina. Foi assim que nasceu a CIS3 design.

Carina queria manter a mãe ocupada porque, como explica, "as pessoas chegam a uma certa idade e já não conseguem arranjar trabalho". Isso levou Maria da Conceição a sentir-se "um bocadinho em baixo". "Estava farta de olhar para o nada", conta Carina, e a solução passou pela junção das capacidades de ambas. Os resultados foram bastante positivos e os amigos incentivaram-nas a continuar. "Hoje, já é como um trabalho a sério. É a minha profissão, até eu acabar o curso." O gosto pelo que produzem "é muito grande".

A primeira feira chegou em Agosto de 2006. Uma "mesa de meio metro com meia dúzia de coisas". Começaram a vender e a participar em feiras maiores não só em território nacional como também internacional. "Já fui a Madrid e à Corunha. Em Portugal, já tenho feito em vários sítios".

A dedicação ao artesanato foi, no fundo, "70 por cento necessidade e 30 por cento de vontade". A necessidade de ganhar algum dinheiro para pagar as contas falou mais alto.

Entre as peças da dupla, podemos encontrar acessórios de moda variados, feitos com um mesmo material de base: a alcatifa industrial. As aplicações são feitas com tecidos, botões forrados ou outros materiais, como cápsulas de Nespresso, teclas de computador ou peças Lego. "Normalmente, olho para um material qualquer que não tenha nada a ver com nada e lembro-me logo: "Isto dava para pôr numa mala, para fazer um anel"". Fazem malas, carteiras, agendas, capas para livros e cadernos, pregadeiras, anéis, brincos ou ganchos. "Tudo o que consigo fazer com alcatifa, tenho feito", afirma Carina. Entre as peças, "há coisas que são muito simples e qualquer pessoa podia fazer", reconhece Carina. Outras são mais complexas. "Nós temos o esquema, estudamos o desenho, pegamos na alcatifa e cortamos à mão. Não há moldes. São coisas feitas por nós de raiz", afirma.

Nas feiras, divulgam o trabalho, mas não esquecem o Facebook e o blogue, que mantêm actualizado, "porque, neste momento, é o sítio onde as pessoas mais procuram" as peças e porque nem sempre é possível ter o material todo nas feiras. As encomendas são esporádicas. Vendem para lojas, mas muitas vezes não chegam a conhecer os espaços e não sabem se as peças são vendidas ou não, nem a que preços.

Carina vende de tudo, e o que não vende deixa de fazer. "Normalmente, as pessoas compram o que é mais barato. Há alturas em que só vendo ganchos o dia inteiro." Um gancho custa 1 euro. Segundo a artesã, o que chama mais a atenção são as malas, mas o que vende mais é o mais pequeno e barato. Carina diz ser uma "consequência da crise", mas "a crise é um bicho muito esquisito", afirma. "Acho que as pessoas têm mais noção de que estão a gastar dinheiro, controlam mais, mas não deixam de comprar. Em vez de comprar três peças, compram uma. Ou, em vez de comprar uma mala, preferem comprar três pregadeiras. Acabam por gastar quase o mesmo, mas preferem ter mais. Não sei se as pessoas estão em crise ou se não, mas têm medo da crise."

Segundo Carina, é possível viver dos rendimentos das vendas. "Não é fácil", mas o dinheiro vai chegando para os gastos. "O meu pai trabalha, portanto, nós os três conseguimos assim. O ordenado do meu pai ajuda. Mas conheço várias pessoas, que fazem feiras comigo, que vivem só disto. Não têm nenhum tipo de apoios de fora. Normalmente, são casais, cada um faz o seu trabalho e conseguem." Carina e Maria da Conceição fazem o possível para "ir de encontro ao que o cliente procura", para não serem afectadas pela crise. "Temos que ir atrás do que querem comprar, para podermos vender", diz Carina.

Tal como Vanessa e Paula, Carina e a mãe gostariam de poder cobrar mais pelas suas peças. Mas "o preço nunca é justo. Temos que encontrar o meio termo entre o dinheiro que nós achamos que merecemos e o dinheiro que as pessoas estão dispostas a pagar", conclui Carina.

A artesã acha que os portugueses ainda têm a ideia de que "o artesanato é barro, cerâmica, azulejo e Arraiolos, aquelas coisas muito tradicionais". "Não têm noção de que as coisas são feitas à mão, que dão trabalho, que nós temos que nos mexer para as coisas aparecerem." A seu ver, o artesanato urbano, expressão muito usada para descrever o tipo de artesanato que criam, não é valorizado.

No futuro, mesmo que encontre emprego na sua área, Carina não põe a hipótese de deixar a confecção de peças artesanais. Pode vir a não ter tanto tempo, mas está confiante de que terá tempo porque durante o curso também conseguiu coordenar duas actividades. "Se puder ter um trabalho extra que me dê algum prazer, acho que não posso deixar [o artesanato]."

CIS3 design

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Feira Internacional do Artesanato. FIL, Parque das Nações, Lisboa. Das 15h às 00h. Entradas a 5 euros; com descontos 2 euros. Até amanhã

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