Programa de Governo para o Ambiente é "demasiado generalista"

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Francisco Ferreira considera que o programa avança pouco na conservação da natureza Foto: Paulo Ricca

O novo programa de Governo não revela muito sobre o que pretende fazer com o Ambiente, especialmente nas renováveis, natureza, solos e barragens. Três especialistas na área consideram o documento "demasiado vago e generalista".

"Um programa de Governo é como uma carta ao Pai Natal, recheada de intenções e desejos. É sempre assim. Nunca é ao nível do programa que se falha mas sim na sua concretização e na fiscalização das medidas", comentou ao PÚBLICO Luísa Schmidt, socióloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, relativamente ao programa do novo Governo divulgado anteontem.

Luísa Schmidt, especialista, autora da série documental "Portugal - um retrato ambiental", salienta que há "coisas interessantes", como a referência à agricultura biológica, o banco de terras, a aposta na ferrovia e as Agendas 21 Locais. "A pergunta é como é que isso se vai concretizar", alerta, sublinhando que não se pode sair de um cenário de "dispersão caótica de iniciativas espontâneas populares" para um outro de "decisões avulsas do Estado". "Não vejo neste programa nenhuma intenção de regrar o território". Num momento de "grande recuo do Estado" e em que o Governo se arrisca a ser apenas uma "secretaria de Estado de Bruxelas", Luísa Schmidt receia que não haja capacidade de resposta para as áreas do Ambiente e do Ordenamento do Território.

As 129 páginas do programa de Governo também não esclareceram muito Francisco Ferreira, dirigente da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. “ Acho o programa pouco explícito, pouco claro e muito generalista”, comentou ao PÚBLICO. Para este dirigente, fica pouco claro a aposta nas energias renováveis e a Lei dos Solos. Mas há outras questões que nem sequer são referidas, como o Plano Nacional de Barragens, a qualidade do ar e ruído. Na “conservação da natureza avança-se pouco”, comenta ainda.

Viriato Soromenho-Marques, responsável pelo Programa Gulbenkian Ambiente, sublinha que “não é muito claro qual a tónica dominante deste Governo para o Ambiente. No anterior eram as energias renováveis, especialmente a aposta na eólica, havia esse sinal muito claro”.

Este especialista identifica “linhas de continuidade” com o anterior Governo, em relação, por exemplo, ao ordenamento do território. Das 129 páginas do documento ressalta, sobretudo, que “o programa de Governo tem um registo muito sóbrio e directo em relação às medidas convencionadas com a troika; no resto é genérico e vago”. Ainda assim, o especialista lembra que o Governo “ainda está a tomar conta dos dossiers”, optando por ser cauteloso. Prova dessa posição de cautela é, para o dirigente da Quercus, o facto de se decidir avançar com a privatização dos resíduos e não com a privatização da água que é um assunto "mais polémico".

Eficiência energética é aposta na "direcção certa"

O dirigente da Quercus acredita que “há ideias que vão na direcção certa, como a eficiência energética, com metas muito ambiciosas”, concretamente, aumentar a poupança de recursos em 25 por cento até 2020. “Também é positivo o olhar para uma escala mais local, com as Agendas 21, por exemplo”.

Francisco Ferreira só não entende a razão de se querer criar um plano de eficiência da água quando “nós já temos um aprovado em 2005, na gaveta. Porque não se fala do plano já existente?”

O ambientalista e Viriato Soromenho-Marques não ficaram esclarecidos sobre a interligação entre as políticas governamentais em termos ambientais, por exemplo, entre turismo e Ambiente ou entre o mar e o Ambiente. “Tal como o esperado, o ministério identifica-se como o ministério da Agricultura; o Ambiente e ordenamento surgem em último, o que tira protagonismo à pasta”, comentou Francisco Ferreira.

“Independentemente de haver uma nova equipa, um novo ordenamento das políticas públicas de Ambiente – com o aparecimento da área do Mar – será uma aposta difícil de juntar Agricultura e Ambiente. Vai exigir muito da ministra que vai enfrentar uma fortíssima negociação e terá de ter grande capacidade de diálogo no seu ministério e na Europa. Há muito ruído burocrático na gestão de dois ministérios muito complicados, que em tempos foram áreas rivais. Tudo depende dos novos protagonistas”, analisou Viriato Soromenho-Marques. Os riscos para o Ambiente não serão significativos. “Ao contrário do que aconteceu no passado, quando tivemos acesso a investimentos abundantes, hoje não temos dinheiro para cometer erros”, disse Soromenho-Marques, salientando que a expressão "desenvolvimento sustentável" apenas é referida uma vez.

Luísa Schmidt receia, acima de tudo, o "apagamento profundo" do Ambiente e Ordenamento do Território, "claramente secundarizados". "Deixou de haver um ministério do Ambiente, esta pasta já não está sentada à mesa das negociações". A socióloga considera que juntar duas pastas com interesses contraditórios (Agricultura e Ambiente) pode gerar negociações saudáveis, "mas é preciso que partam do mesmo nível e que o Ambiente não saia neutralizado". "Com esta composição das pastas, a questão do Ambiente e do Ordenamento do Território parece mais fragilizada".

Ontem, a Quercus terá concretizado um pedido de reunião com a ministra com a pasta, Assunção Cristas.

Esta tarde a coligação PSD - CDS-PP começa a apresentar o programa do Governo na Assembleia da República. E só depois o novo Governo entra oficialmente em funções.

Notícia actualizada às 11h20
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