Torne-se perito

Serviços de rating custam nove milhões de euros ao Estado e a empresas

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A avaliação regular de um banco pode oscilar entre 200 e 400 mil euros Toru Hanai/REUTERS

Banca paga maior parte da factura. Fitch, S&P e Moody"s dominam. A canadiana DBRS é a excepção: analisa o BES e agora o BCP. Agências certificam dados, intermedeiam informação e dão nota às contas

O Estado português e as empresas públicas, incluindo a Caixa Geral de Depósitos, pagam anualmente cerca de três milhões de euros às agências de rating Standard & Poor"s, Moody"s e Fitch. Soma-se a esta factura o que as dez empresas cotadas do PSI20 pagam pelo serviço de avaliação das instituições de notação de crédito: pode custar 5,5 milhões de euros, de acordo com valores a que o PÚBLICO teve acesso.

As opiniões das agências são uma base de referência (um código) para os compradores de títulos de dívida, pois indicam se um país ou uma empresa tem condições para liquidar os seus créditos nas datas acordadas - definem o risco - e ajudam a fixar os juros que sustentam os empréstimos.

A parcela mais relevante dos custos (públicos ou privados), com serviços de rating está a cargo da banca, que vai ao mercado levantar grandes volumes de financiamento através de múltiplas emissões de dívida. O PÚBLICO apurou que, em 2010, CGD, BCP, BES, BPI e Banif gastaram cerca de seis milhões de euros. Já as 10 empresas do PSI20 que têm acordos comerciais de rating [BCP, BES, BPI, Banif, PT, EDP, EDP Renováveis, Cimpor, REN e Brisa], pagaram cerca de 5,5 milhões de euros.

As empresas portuguesas com rating têm contratos comerciais com a S&P, a Moody"s e a Fitch, todas com sede nos EUA. A excepção é o BES que, em Agosto de 2010, substituiu a Fitch (e manteve a S&P e a Moody"s) pela canadiana DBRS, que também está a estudar o BCP. A avaliação regular de um banco pode oscilar entre 200 e 400 mil euros. Numa utility, ronda os 200 mil euros, numa grande empresa privada ou pública ficará entre 50 e 20 mil euros. Como a acção dos raters não fica circunscrita ao acordo comercial (pois há emissões de obrigações classificadas autonomamente), a factura anual final dispara entre 20 e 50%, em anos de mais operações.

Frank Gill, director da S&P, confirmou ao PÚBLICO que a agência recebe directamente do Estado português, uma questão a que o antigo Governo não respondeu. A República (sem empresas e autarquias) pagará às agências de notação de crédito cerca de 100 mil euros. Em 2010, os custos para o Estado espanhol com os serviços de rating totalizaram 500 mil euros.

Por que razão as agências cobram aos emitentes e não aos investidores que beneficiam das suas opiniões? Para Frank Gill, a solução permite disponibilizar a todo o mercado a informação, sem privilegiar uma classe de investidores, o que "não só torna a função dos raters transparente, como assegura um melhor escrutínio da actividade". O presidente do Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS), Karel Lannoo, evocou que até aos anos 1970 quem pagava eram os investidores, solução que foi alterada porque "a actividade ficou muito complexa". Ainda assim, lembra que "alguns grandes emitentes, como a Alemanha e a França, não pagam" às agências.

Inquirido sobre as razões que o levam a confiar nas agências norte-americanas, o Banco Central Europeu - que apenas reconhece a S&P, Moody"s e Fitch, e mantém a DBRS em avaliação - enviou informação onde nota que tem outros critérios de análises e dispõe de mais pareceres.

Há quem pergunte como é que a S&P, a Moody"s e a Fitch, três entidades sem legitimidade democrática, conseguiram impor ao mundo inteiro as suas opiniões.

A sua margem de manobra é grande pois exercem uma tripla função: certificam os dados fornecidos pelos emitentes, são intermediárias de informação e nivelam as contas das cotadas que emitem dívida.

Como penalizar as raters?

No jogo de opiniões, não há consenso sobre o papel que desempenham no equilíbrio dos mercados. Frank Gill diz que "a grande maioria dos ratings da S&P teve um bom desempenho durante as crises, como por exemplo na correlação com os incumprimentos, incluindo a análise da dívida soberana". E garante que as agências não estão articuladas entre si, pois "cada uma tem os seus próprios critérios, que são diferentes e resultam frequentemente em ratings distintos". Por exemplo: "As três maiores agências atribuem ratings diferentes à Itália e à Grécia."

Para o presidente da CMVM, Carlos Tavares, que lidera o Comité Europeu de Reguladores, os raters "emitem pareceres que não têm de ser aceites" e não se pode penalizar "quem prevê mal ou emite opiniões incorrectas". "O importante - diz - é que cumpram as obrigações legais e mantenham rigor nas análises".

As raters "têm um papel útil", nota Augusto Mateus, ex-ministro da Economia: "Quando o rating da República desce, o dos bancos também." Mas, acrescenta, "as agências deviam ser independentes de países e investidores". Pragmático, o ex-ministro das Finanças Luís Campos e Cunha diz: "Não vale a pena queixarmo-nos. Temos de viver com elas."

Mais crítico, outro ex-ministro das Finanças e ex-governador do Banco de Portugal, Jacinto Nunes, diz: "Não sei se as agências são neutrais. Achava bem que se criasse uma agência europeia." O BCE, pela voz de Vítor Constâncio, já considerou a solução "difícil", embora o Parlamento Europeu acabe de aconselhar Bruxelas a criar uma fundação europeia de notação de crédito "totalmente independente".

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