Cinzas de José Saramago repousam finalmente à sombra de uma oliveira na Casa dos Bicos

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"Acho que estamos à altura de Saramago", disse Pilar del Río DANIEL ROCHA

"Não temos outra eternidade para te dar", disse Lídia Jorge referindo-se ao Nobel português, cujas cinzas foram depositadas em Lisboa

Que este lugar passe a ser "local de paragem dos apressados". Que este seja o "banco onde se sentem os cansados". Que esta seja a "casa onde se façam leituras". Que "neste canto em frente ao Tejo tu sejas uma história na História".

Esta é a vontade dos familiares, amigos e leitores de José Saramago nas palavras da escritora Lídia Jorge, que ontem, junto ao banco de jardim e à sombra da oliveira onde instantes depois seriam depositadas as cinzas do Prémio Nobel português da Literatura, leu o texto Palavras para ti, que Pilar del Río lhe pediu que escrevesse para a cerimónia que decorreu em frente à Casa dos Bicos, em Lisboa.

"Sabemos que, ao mesmo tempo que te deixamos na terra, não te deixamos na terra, nós todos levantamos-te do chão.(...) E o mesmo sucederá no futuro, cada vez que abrirmos os teus livros e lermos as tuas palavras e imaginarmos as figuras que tu mesmo imaginaste", acrescentou Lídia Jorge. "Enquanto formos vivos, recordar-te-emos sempre. Não temos outra eternidade para te dar."

Pouco depois das 11h30, ouvia-se, como que ao longe entre as mais de duas centenas de pessoas, a Orquestra de Percussão Tocá Rufar, e foi nesse momento que Pilar del Río se ajoelhou para depositar as cinzas do Nobel da Literatura junto às raízes da árvore escolhida pelo presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga do Ribatejo, por ser aquela onde ele imaginava que pudesse estar o lagarto verde que Saramago descreve n"As Pequenas Memórias. Pilar foi seguida por Violante Saramago Matos, filha do escritor, que beijou a obra Palavras para José Saramago, com textos de homenagem publicados depois da sua morte, antes de a fazer desaparecer pelo buraco de terra.

Flores brancas foram deixadas pela ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. E António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, colocou terra vulcânica de Lanzarote. Ao lado, o banco de jardim feito de mármore de Pêro Pinheiro e as duas lápides com a data de nascimento e morte do autor de Memorial do Convento ("José Saramago 1922-2010") e o epitáfio retirado deste romance: "Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia."

Em frente à futura sede da Fundação Saramago em Lisboa há, desde ontem, não uma estátua, mas um banco para que as pessoas se possam sentar a ler, a ver o rio, a conversar. "Acho que estamos à altura de Saramago, creio que não o defraudámos", disse Pilar del Río, no final da cerimónia, emocionada mas feliz. O mesmo sentia Ana Saramago Matos, a neta do escritor, contente por ter ficado tudo muito "simples e bonito" como o avô ia gostar. Corresponde ao carácter austero de Saramago, acredita Fernando Gómez Aguilera, biógrafo do escritor: "Está aqui a sua essência" e "converte-se em sagrado o público, no coração da cidade".

Para Pilar, a cerimónia "superou as melhores expectativas": foi simples, sensível, solene, íntima e profunda. "Está com as suas rosas brancas, acompanhado pelas palavras que outros escritores de Portugal e do mundo escreveram para ele", lembrou.

"Esta homenagem não é uma despedida - disse, a encerrar a cerimónia, o presidente da Câmara de Lisboa -, mas um encontro para 364 dias depois voltarmos a dizer, hoje, como sempre diremos: Obrigado, Saramago."

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