Pessoa recebe Pavese

Foto

Hoje à noite Fernando Pessoa recebe oficialmente Cesare Pavese. O primeiro, mais velho vinte anos, abrir-lhe-á a porta da sua casa e Pavese entrará para mostrar a sua poesia. Não vai ser bem assim, estão ambos fisicamente mortos, mas isso não impedirá que a poesia do grande escritor e poeta italiano soe na casa do grande escritor e poeta português. Quem está encarregado de tão delicada missão é, na verdade, um italiano. Mas um italiano para quem Pavese é um honroso parêntesis na sua carreira de cantor e músico, porque na verdade é Pessoa que ele canta, apaixonadamente, há anos. Tornou-se por militância uma espécie de embaixador itinerante de Pessoa, da sua poesia, da sua grandeza. Já gravou três discos onde musicou vários excertos da obra pessoana e prepara mais um, agora dedicado à Mensagem que, diz ele, há-de ser "um disco contemporâneo clássico, só com dois instrumentos e um coro de oito vozes".

Mas primeiro, para quem não o conhece, é preciso apresentá-lo. Chama-se Mariano Deidda, nasceu na Sardenha e vive num triângulo citadino, completado por Turim e Lisboa. Em 2008, quando em Portugal se celebravam 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa e Itália assinalava o centenário de Pavese, Deidda pôs-se à procura de afinidades entre os dois. E descobriu "muitíssimas": os seus nomes começam por P e têm seis letras, ambos tiveram problemas com as mulheres, viveram em grandes cidades atravessadas por rios e em casa de irmãs, amavam Walt Whitman, ambos morreram jovens e em circunstâncias de vida quase similares, embora Pessoa tenha morrido de uma cólica hepática, em 1935, e Pavese se tenha suicidado em 1950, quinze anos depois.

Sucede que Deidda descobriu o poeta português muito cedo. "Pessoa é o amor da minha vida. Era muito jovem quando o descobri, e encontrar-me com uma obra tão forte como a do Livro do Desassossego foi como se tivesse as mãos a tapar os olhos e de repente os destapasse. Pessoa abriu-me os olhos. E comecei a ver o mundo de outra maneira. Do Livro do Desassossego passei a todos os outros e percebi então o universo pessoano." Isto disse-me ele, em 2008, quando cantou Pavese pela primeira vez em Portugal, no CCB, a 5 de Dezembro. Agora tem a sensação de que não pode parar de cantá-lo, porque sente que o silencia. "Quando eu faço discos ou espectáculos sobre Pessoa, ele volta a ser falado, volta a ser uma personagem familiar em Itália. Quando isso não acontece, ele fica confinado às livrarias. Tabucchi disse-me que através da música é mais fácil levar Pessoa às pessoas. Se todos os grandes poetas do mundo pudessem ser musicados, as novas gerações conheceriam mais rapidamente a grande literatura."

Mas hoje ele cantará Pavese, o poeta de Santo Stefano Belbo (Piemonte), cidade que há dez anos lhe dedica um festival. Este ano vai de Maio a Setembro, com esta consigna: "Livros, arte, música, cinema e teatro para Cesare Pavese". Que mais pedir? Deidda, que participa no festival (o nome dele também tem seis letras, já agora), reserva a noite de hoje para levar Pavese à Casa Fernando Pessoa. E, às 21h00, a casa encher-se-á.

Jornalista

Sugerir correcção