Alberto João Jardim gasta 83,5 milhões em obra chumbada pela Câmara do Funchal

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Aterro de inertes provenientes do temporal junto à marginal do Funchal dr

Projecto da marginal da cidade inclui novo cais para cruzeiros e será suportado com verbas destinadas à reconstrução do temporal

O governo regional da Madeira anunciou, quinta-feira, a abertura do concurso público para intervenção nos troços terminais das ribeiras, na zona baixa da cidade do Funchal. Isto apesar de a respectiva câmara municipal ter dado parecer negativo ao projecto considerado "megalómano" e ao arrepio das medidas de austeridade e das recomendaçoes da troika para não agravar as contas públicas.

As empreitadas, que incluem um cais acostável, irão custar 83,5 milhões de euros e serão pagas pelo Estado através da lei de meios para a reconstrução do temporal de 20 de Fevereiro de 2010, na sequência do qual 48 pessoas perderam a vida. Segundo portarias publicadas a 7 de Junho, a intervenção nos troços terminais das ribeiras, incluindo o cais acostável no aterro, custarão 51,3 milhões. A intervenção na ribeira de São João, na zona do Infante, custará 32,4 milhões. Os encargos serão repartidos pelos orçamentos dos próximos dois anos.

A abertura do concurso público para estas obras - que carecem de autorização do Ministério da Defesa, que tem competência sobre o domínio público marítimo - foi decidida pelo último conselho do governo regional, findo o prazo de discussão pública imposta pela lei. Do debate, segundo editais do executivo, resultou uma participação "não susceptível de ser incorporada no projecto". As questões suscitadas, acrescenta, "preconizam a alteração substancial dos termos de referência que presidiram à elaboração do projecto em discussão, impedindo a sua exequibilidade, uma vez que tem subjacente um novo projecto, totalmente diferente em termos de localização, conteúdo programático, funcional e concepcional".

Prevaleceu assim a vontade do presidente do Governo que, em resposta à contestação do projecto, garantiu que a faria, "grite quem gritar". Na sequência do cordão humano que reuniu 2000 pessoas contra a intenção de Alberto João Jardim de construir um cais acostável no local do aterro onde foram depositados inertes do temporal, uma petição à Assembleia da República propôs a revisão da lei de meios financeiros para a reconstrução, para evitar que as verbas para as zonas afectadas sirvam para a destruição da baía do Funchal. "Os impostos dos portugueses não podem ser gastos em obras megalómanas, promovidas, projectadas e realizadas por especialistas cujos currículos estão afixados no sorvedouro de dinheiros públicos conhecido por marina do Lugar de Baixo", diz o documento. Trata-se de uma obra nova e não de uma reconstrução, que "destrói em definitivo a praia junto à Avenida do Mar", e que "poderá tornar ainda mais problemático o escoamento das ribeiras em momentos de cheia".

A elaboração do projecto tinha sido entregue, em ajuste directo, por 1,5 milhões à Norvia Prima. Esta empresa - originariamente formada por antigos e actuais governantes e agora detida pelo secretário-geral do PSD regional, por Jaime Ramos, por Luís Miguel Sousa, concessionário exclusivo das operações portuárias, e Avelino Farinha, maior adjudicatário de obras públicas na região e dos ajustes directos da reconstrução - subcontratou a WW-Consultores de Hidráulicas e Obras Marítimas, responsável pela polémica marina do Lugar de Baixo, encerrada há anos, por segurança.

Jardim, ao decidir agora avançar com a obra, ignorou o "chumbo" da autarquia ao projecto. "Os pareceres da Câmara do Funchal, nesta matéria, não são vinculativos, são meros pareceres." Por isso, avisou, "o Governo não vai decidir em função da opinião da câmara, mas em função do que estiver certo para a população". O município considera que a solução preconizada pelo Governo para o aterro "tem grandes limitações em termos de operacionalidade e segurança".

Fundamentou-se em pareceres de especialistas nacionais, designadamente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, que apontam grandes fragilidades ao projecto, levantam dúvidas sobre as implicações do movimento de marés no escoamento dos inertes na saída das ribeiras e sobre a operacionalidade da infra-estrutura portuária.

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