Cimeiras do clima "nunca vão resultar", dizem investigadores portugueses

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São os acordos locais que melhor vão funcionar, diz o estudo Enric Vives Rubio (arquivo)

Um modelo matemático desenvolvido por dois investigadores portugueses fornece pistas para obter a cooperação de todos contra o aquecimento global - e conseguir salvar o planeta.

A teoria dos jogos, como muitas outras áreas da matemática, utiliza por vezes expressões poéticas para nomear os objectos que estuda. Uma delas é a "tragédia dos comuns", que é como dizer o desastre final. Dá-se quando "num grupo de indivíduos que têm a possibilidade de contribuir - ou não - para o bem comum, ninguém contribui e acabam por perder todos", explica-nos Jorge Pacheco, matemático da Universidade do Minho. Com Francisco Santos, jovem físico da Universidade Nova de Lisboa, quiseram ver se seria possível evitar a "tragédia dos comuns" em matéria de alterações climáticas. Os seus resultados foram publicados online, ontem ao fim da tarde, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

"A cooperação tem um custo", explicou Jorge Pacheco numa conversa que o PÚBLICO teve com ambos os cientistas no Complexo Interdisciplinar da Universidade de Lisboa. Os impostos são um "exemplo flagrante" de tragédia dos comuns em potência: se ninguém quiser pagar o seu IRS, um país não pode funcionar.

A ideia de que as cimeiras do clima não servem para incitar os intervenientes a cooperar para salvar o planeta - e a nossa espécie - não é nova. "Copenhaga [em 2009] foi um fracasso", frisa Jorge Pacheco. O que é novo, dizem os cientistas, é que o seu modelo toma em conta, pela primeira vez nesta matéria, duas coisas: a evolução da atitude cooperativa das pessoas ao longo do tempo, em função do sucesso dos outros, e a percepção aguda do risco de haver uma catástrofe se nada for feito. (Matematicamente, esta percepção é definida como a probabilidade de que o planeta se salve sem ninguém fazer nada. Uma percepção elevada do risco é representada por um valor próximo de zero e uma fraca percepção por um valor próximo de 1).

"Modelizamos uma população em que todos participam no mesmo jogo e vamos vendo, ao longo do tempo, quantas pessoas que no início não queriam cooperar mudam de ideias." Na gíria, chama-se a isto teoria dos jogos evolutiva. O "jogo", neste caso, consiste em decidir assinar ou não um acordo em que cada um se compromete a travar o aquecimento global.

Redes de interesses

Num primeiro modelo, os cientistas consideraram um grupo único de cerca de 200 indivíduos, destinado a espelhar as cimeiras mundiais do clima, nas quais apenas participam representantes ao mais alto nível de cada país. O que acontece aqui é que, como o ganho é maior para quem não coopera (cooperar implica conversões tecnológicas e outros sacrifícios), cada indivíduo adopta uma posição egoísta - que conduz, inexoravelmente, à tragédia dos comuns. "Este resultado mantém-se mesmo quando a percepção do risco está lá", diz Jorge Pacheco. "As pessoas têm consciência de que vão morrer" e, no entanto, optam por não cooperar para o bem comum. "O nosso modelo mostra que as cimeiras do clima nunca vão resultar."

Num segundo modelo, distribuí-ram os indivíduos em grupos, ao acaso. E constataram que, quando a percepção do risco era elevada, a existência de grupos alterava radicalmente o desfecho. "A percepção do risco conduz a uma auto-organização espontânea da cooperação", salienta Francisco Santos. "Isso não é mágico", explica Jorge Pacheco. Quando a percepção do risco é forte, o custo de assinar, de cooperar, torna-se relativamente menor. E isso faz com que a maioria das pessoas acabe por cooperar, num processo de emulação, ao verem que os que cooperam têm, a prazo, um maior retorno. Mas a cooperação não é unânime: "Há sempre um conjunto de malandros", acrescenta Jorge Pacheco a rir. Mas o bem comum acaba por vencer o oportunismo de alguns "traidores".

"Uma caricatura"

Num terceiro modelo ainda, Jorge Pacheco e Francisco Santos criaram uma "rede social", um mecanismo de ligação preferencial, entre os diferentes grupos, "com um ingrediente muito particular, que era a presença de muitos grupos pequenos e de poucos grupos grandes". E desta vez constataram que, para uma mesma intensidade de percepção do risco, a cooperação surgia mais facilmente em presença de uma rede do que na sua ausência. "As redes de interesses - diz Francisco Santos - introduzem diversidade no jogo e abrem um novo caminho para a cooperação."

Os dois cientistas admitem que o seu modelo é um pouco uma "caricatura", uma vez que as decisões reais das pessoas reais no mundo real são muito mais complexas. Mas, mesmo assim, o seu trabalho fornece pistas que podem ajudar a determinar "a que nível devem ser discutidos os problemas climáticos", diz Francisco Santos.

"Para maximizar a cooperação - diz Jorge Pacheco -, os grupos têm de ser pequenos em relação ao tamanho da população global, a percepção do risco alta e o custo da cooperação razoável". Por isso, propõem que a discussão em matéria de alterações climáticas "seja feita ao nível regional" e não mundial. Mesmo o Norte e o Sul de um mesmo país podem ter interesses diferentes em termos energéticos, com uma região a querer privilegiar a energia eólica e a outra energia solar, por exemplo, em função dos seus recursos naturais. "À escala regional, é possível gerar uma diversidade natural" e fomentar, também, a cooperação com outras regiões que tenham os mesmos interesses através de redes de afinidades. Claro que o facto de haver alguns grupos grandes, muito influentes, também pode ser benéfico; os grandes grupos que conseguem cooperar para o bem comum desempenham um papel crucial. "Se Obama disser que temos de fazer qualquer coisa para salvar o planeta, isso vai gerar um efeito bola de neve."

Notícia substituída às 12h08 de 07-06-2011
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