Entrevista a António Fiúza: "Chegámos a pensar em extinguir o clube"

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Na próxima temporada, Fiúza quer lutar por um "lugar a meio da tabela" Adriano Miranda (arquivo)

Para o regresso à Liga, o presidente do clube de Barcelos prevê um orçamento nunca inferior a dois milhões de euros. Mas não esquece o passado e fala em prejuízos de 15 milhões causados ao clube.

O Gil Vicente regressou no último domingo ao primeiro escalão do futebol português, cinco anos depois de ter sido despromovido administrativamente no polémico "Caso Mateus". O presidente do clube, António Fiúza, considera que o calvário terminou "com vitórias dentro dos relvados e não por via administrativa, como aconteceu com a despromoção em 2005-06". O dirigente diz que os prejuízos para o clube e para a cidade foram enormes, mas acredita que os tribunais vão fazer com que o Gil Vicente seja ressarcido. Agora promete "construir uma equipa para ficar no meio da tabela" e, embora exerça o cargo de forma interina, admite recandidatar-se "se não surgir uma lista com capacidade" no próximo mês de Junho. "Sempre disse que nunca abandonaria o clube sem uma alternativa credível."

Esta promoção tem um sabor especial devido a tudo o que se passou nas últimas épocas?

Significa que acabaram cinco anos de angústia. Conseguimos subir dentro de campo, pelo nosso valor desportivo e não por qualquer outra forma, o que é muito dignificante. Como descemos com batota, também poderíamos ter subido por via administrativa. Mas assim foi mais saboroso. Vencemos os "tubarões" de Lisboa nos relvados. Isso explica a grande festa que hoje se vive na cidade. Terminaram cinco anos de angústia. Cinco anos em que chegámos a pensar em extinguir o clube, porque, dentro das receitas previstas, tínhamos um orçamento de três milhões de euros e, a dois dias do final das inscrições, ficámos a saber que os recursos seriam de apenas 400 mil. Repare que só em contratos televisivos a Liga, naquela altura, permitia um encaixe de 1,3 milhões de euros e na Honra eram 75 mil. Mas fomos superando os problemas. Com muitas dificuldades, cumprimos as nossas obrigações.

Como foi possível superar todos esses problemas?

Com uma engenharia financeira grande, trabalho e boa vontade. Tivemos de recorrer aos bancos, a amigos, aos sócios do clube e tive de colocar uma quantidade considerável de dinheiro do meu próprio bolso. É que o clube passou, de um momento para o outro, do céu para o inferno. Tivemos de nos adaptar muito rapidamente. Recordo que estávamos a dois dias do fecho das inscrições quando soubemos que íamos para a Liga de Honra e o nosso plantel estava preparado para disputar a Liga.

Chegaram, inclusive, a perder jogadores...

Tínhamos jogadores que rescindiram porque era impossível pagar-lhes os salários com as receitas da Liga de Honra e os que ficaram não tiveram a mesma exposição que conseguiriam na Liga. O caso do João Pereira é emblemático: foi vendido a preço de saldo para o Braga, mas se o Gil Vicente estivesse no escalão principal nunca sairia por menos de 2,5 milhões de euros, o estabelecido na cláusula de rescisão [transferiu-se depois do Braga para o Sporting por mais de três milhões de euros]. Tínhamos também Mateus, que rescindiu unilateralmente. Mas esse é um caso que ainda está em tribunal. E havia outros jogadores que poderíamos valorizar.

Que significado tem o título de campeão da Liga de Honra?

É um título que ainda vem acrescentar mais sabor ao acabar de um ciclo inferrnal para um clube que foi maltaratado pelas forças de Lisboa. É um dia de glória. Toda esta festa é merecida. Parabéns a todos os que tornaram isto possível.

Sente alguma satisfação especial por regressar à Liga principal, quando o Belenenses, o adversário que apresentou a queixa que os levou para o escalão secundário, sentiu grandes dificuldades para se manter nas provas profissionais?

Não. Mas não é fácil esquecer o que nos fizeram. Nem acontecerá tão cedo. Mas as pessoas são outras. As relações entre os dois clubes continuam cortadas, mas não tenho nenhuma satisfação particular pelas dificuldades por que estão a passar. Não posso culpar os dirigentes actuais. Eles não estavam lá na altura. Mas não esquecemos que fomos incapazes de lutar com os "tubarões" de Lisboa, que fizeram tudo para manter o Belenenses na Liga principal. A verdade é que os tribunais reconheceram que o caso Mateus era administrativo e não desportivo. Mesmo assim, descemos em nome do interesse público, coisa que continuo a não entender.

Já está a trabalhar no plantel do Gil Vicente que vai atacar a próxima temporada?

Agora vou saborear este momento. Mas nos próximos dias vamos começar a trabalhar para construir um plantel equilibrado e competitivo, com capacidade de lutar por um lugar no meio da tabela. O orçamento será equilibrado e em função das receitas, mas não será inferior a dois milhões de euros.

Se não fossem todos os problemas que enfrentou nos últimos anos, consegue imaginar como seria a situação actual do Gil Vicente?

Muito boa. Temos infra-estruturas modernas e cerca de 130 mil habitantes que gostam do clube. Como se viu hoje [no último domingo], o estádio estava cheio e só não tinha mais gente porque a capacidade é limitada a 12 mil lugares. Tínhamos muitos mais pedidos, mas não havia disponibilidade. Se não nos tivessem colocado no escalão secundário, com o potencial de jogadores jovens que tínhamos naquela altura, hoje poderíamos estar a lutar com o Sporting de Braga e o Guimarães. Não tenho dúvidas de que seríamos uma das oito principais equipas do futebol em Portugal.

O entendimento com o Braga pode ajudar a formar o plantel?

Não existe qualquer tipo de protocolo formal. Apenas uma amizade grande entre os dois clubes, o que pode facilitar alguns aspectos. Mas, de momento, a única coisa que existe é que os jogadores Zé Luís e Rodrigo Galo já foram contratados pelo Braga e o acordo determina que, se não ficarem no plantel, regressam a Barcelos por empréstimo. Nada mais que isso. Quero-lhe dizer que o Gil Vicente conseguiu esta promoção à Liga sem ter qualquer atleta cedido por outro emblema.

Ainda acredita que o clube vai ser ressarcido de todos os prejuízos?

Temos de ganhar primeiro as acções que estão em tribunal. Já ganhámos muitas, mas faltam outras, entre elas a principal. Pelas informações que tenho, devem estar concluídas ainda este ano. Só depois vamos pedir as respectivas indemnizações. Os prejuízos só em custos directos superam os 15 milhões de euros, sem falar nas mais-valias que poderíamos ter realizado com a valorização de jogadores, nem no mal que este processo causou ao prestígio do clube e da cidade.

Depois de recolocar o clube entre os grandes admite recandidatar-se à presidência do clube?

Como sabe, prolonguei o mandato por mais três meses porque não surgiu nenhuma lista concorrente. Mas este momento é para saborear e depois tomar decisões. Mas prometi aos adeptos do Gil Vicente que nunca abandonaria o clube sem que houvesse uma lista credível. Se essa lista surgir, aí sim, posso sair e continuar a ajudar por fora. Continuar a colaborar.

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