O voto das mulheres é cada vez mais igual ao dos homens

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Cândida Parreira, Domitília de Carvalho e Maria Guardiola, as três primeiras deputadas à Assembleia Nacional, em 1934. Hoje, o voto é universal dr

Faz hoje cem anos que Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar no Sul da Europa. Hoje o voto da mulher é idêntico ao do homem. Mas a participação é diferente. As mulheres participam menos e só as mais jovens são mais activas do que eles

Expõem-se menos, debatem menos, dizem que se interessam menos, mas as mais jovens participam mais do que os rapazes. De resto, o seu comportamento político é idêntico e tem o mesmo peso eleitoral do que o dos homens. Este o perfil eleitoral que é possível fazer das mulheres portuguesas hoje, cem anos depois de Carolina Beatriz Ângelo ter desafiado o domínio do poder patriarcal da I República e conseguido exercer o seu direito de voto, alegando ser chefe de família.

A uma semana de o país eleger a Assembleia da República pelo pleno uso do voto universal, e quando é sabido que o comportamento eleitoral das mulheres portuguesas tem sido idêntico aos dos homens, é nos comportamentos políticos para lá do voto que se encontram diferenças de género. Mas mesmo nestes a igualdade entre mulheres e homens só não existe nos grupos etários mais jovens, em que as raparigas participam mais do que os rapazes em acções políticas não convencionais, explica a investigadora do Instituto Universitário Europeu Ana Espírito-Santo, que tem trabalhado o tema em conjunto com Michael Baum, da Universidade de Massachussets-Darmouth. Os trabalhos destes dois especialistas são, aliás, o resultado de uma continuada investigação (1985-2004), numa área pouquíssimo investigada em Portugal: os comportamentos eleitorais das mulheres.

É Ana Espírito-Santo, que, em resposta ao P2 por correio electrónico, explica que "as desigualdades de género na política não são tanto ao nível das práticas, mas ao nível das atitudes políticas". "À excepção de formas de participação não convencional, não há actualmente outras diferenças a registar", refere.

E prossegue dizendo que "as mulheres expõem-se significativamente menos do que os homens a meios de comunicação social de teor político, discutem política menos frequentemente e declaram-se menos interessadas em política do que os homens". Conclui que "estas diferenças não têm diminuído muito consideravelmente durante o período analisado (1985-2004), mantendo-se significativas e substantivas até à actualidade". Adverte, contudo, que "é importante sublinhar que esta não é uma característica exclusiva de Portugal, pelo contrário".

Já quanto ao exercício do voto e à abstenção, Ana Espírito-Santo lembra que "estudos realizados a nível internacional detectaram que, enquanto na década de 60 e 70, as mulheres votavam em menor proporção do que os homens, a partir da década de 80, sobretudo nas democracias consolidadas, houve um decréscimo ou total desaparecimento dessas desigualdades". Uma igualdade que se verifica também em Portugal, de acordo com as investigações que realizou: "Em Portugal, foram analisados dados relativos às seguintes eleições legislativas: 1983, 1987, 1991, 1999, 2002 e não se observaram desigualdades de género em termos de participação eleitoral."

Esta investigadora sublinha que "há uma tendência para as gerações mais jovens votarem menos do que as restantes gerações". E acrescenta que, "em Portugal, este padrão aplica-se tanto a homens como a mulheres e não parece ter sofrido alterações ao longo do tempo". Para precisar que "nas únicas duas eleições em que esta análise foi feita, 1983 e 2002, observou-se um claro efeito de "ciclo de vida" em ambos os géneros": "A partir sensivelmente dos 30 anos observa-se um acréscimo no nível de participação eleitoral, [e] nas gerações mais velhas esta tende a diminuir novamente, sem nunca alcançar, contudo, níveis tão baixos como os observados nos cortes mais jovens."

A caminho da esquerda

Já quanto à definição ideológica do exercício e do sentido do voto, Ana Espírito-Santo começa por sustentar que "a partir do início da década de 90, nas democracias consolidadas, tem-se vindo a observar uma tendência para as mulheres se autoposicionarem ligeiramente mais à esquerda dos homens, enquanto em décadas anteriores o contrário era mais comum".

Já quanto a Portugal, este fenómeno surge, "mas de uma forma discreta". E a investigadora pormenoriza que "enquanto entre 1985 e 1996 as mulheres se posicionavam à direita dos homens, a partir de 1997 assistimos a um aproximar das posições femininas ao centro do espectro ideológico e, por consequência, a um desaparecimento das diferenças a este nível entre mulheres e homens". Acrescenta: "Com base em dados de 2002 e 2004, observa-se que não há diferenças no autoposicionamento ideológico dos homens e mulheres em Portugal." Assim como que "em termos de sentido de voto propriamente dito, pelo menos nas eleições legislativas de 1999 e 2002 (únicas analisadas a este nível), não se verificou qualquer diferença entre homens e mulheres, mesmo quando os diferentes grupos etários são analisados".

Para além das urnas

As diferenças entre mulheres e homens surgem nas formas de participação política que estão para além das urnas eleitorais. Assim, no que se refere à participação política convencional, por exemplo, contacto com políticos, apoio a partidos e candidatos, Ana Espírito-Santo diz que "enquanto no final da década de 80 os homens eram claramente mais participativos do que as mulheres, tal deixou de se verificar em 2002".

E precisa que "actualmente as diferenças de género em Portugal são muito pouco acentuadas ou nulas no que diz respeito a formas de participação política, tais como contactar um político ou funcionário do governo e demonstrar apoio a um partido ou candidato, indo, por exemplo, a uma reunião".

Pelo contrário, no que se refere à participação política não convencional em actos como escrever uma carta para um jornal, participar em protestos, marchas ou manifestações, colar cartazes ou distribuir folhetos, esta investigadora defende que "os sinais de mudança são muito menos claros". E explica que, "embora a partir do final da década de 90 as desigualdades de género nessas formas de participação tenham vindo a tornar-se cada vez menos significativas, elas continuam a observar-se até à actualidade".

Pelo que conclui que "as mulheres participam ainda significativamente menos do que os homens em actividades como acções ou movimentos de opinião, manifestações, colar cartazes ou distribuir folhetos ou escrever uma carta para um jornal".

Mas Ana Espírito-Santo adverte para o facto que considera "importante" de "a percentagem de pessoas que leva a cabo este tipo de actividades em Portugal [ser] muito reduzida; por isso esta diferença de género tem uma importância relativa". E salienta ainda que "Portugal segue a tendência internacional a este nível, isto é, em quase todas as democracias consolidadas se observa diferenças de género nestas formas de participação política".

E é nesse âmbito que Ana Espírito-Santo explica que há "nas mulheres portuguesas um efeito de "ciclo de vida"" no que se refere à actividade política não convencional, que "é principalmente desenvolvido por mulheres jovens, declinando a sua frequência de forma persistente entre as gerações mais velhas". Ora, prossegue esta investigadora, "um padrão muito diferente emerge relativamente aos homens portugueses, com sinais de existência de uma "geração revolucionária", composta pelos indivíduos que tinham entre 21 e 30 anos em 1974".

Para as mulheres a situação é diferente, pois elas "atingiram a maturidade política durante a época revolucionária portuguesa", mas, "de um modo geral, nas gerações de meia-idade, as desigualdades de género são mais frequentemente significativas".

É nas mulheres mais jovens, conclui Ana Espírito-Santo, que "as desigualdades de género são praticamente inexistentes e nos estudos mais recentes, 1999 e 2002, na geração mais jovem existe mesmo uma percentagem mais elevada de mulheres do que de homens que participam".

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