Na casa de Nicolas Jaar

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Estuda literatura comparada na Brown University e é apenas nas férias que se pode permitir pensar em concertos

Para o concerto de 5ª feira, Lux, Lisboa, uma das revelações dos últimos meses promete uma visão diferente da sua música em palco

Está a ser tudo muito rápido para Nicolas Jaar, 21 anos, e nem sempre é fácil gerir tanta actividade. "Não quero que os estudos se ressintam, mas nem sempre consigo", diz-nos, revelando que estuda literatura comparada na Brown University de Nova Iorque e é apenas nas férias que se pode permitir pensar em concertos, pelo menos de forma continuada. O alvoroço aumentou desde que lançou em Março o álbum de estreia, "Space Is Only Noise", e não é crível que diminua agora, quando se prepara para se lançar à estrada por esse mundo fora.

É a sua primeira digressão a sério, com duas paragens por Portugal - 2 de Junho no Lux em Lisboa e a 14 de Julho no Festival Super Bock Super Rock do Meco. Em disco a sua música ocupa um lugar próprio, inacabado, de inúmeros detalhes, com "samples" vocais de blues, sons de piano, batidas lânguidas digitalizadas, restos de jazz, fragmentos de subgraves do dubstep e minimalismos electrónicos, expostos em canções introspectivas.

Ao vivo, diz-nos, é diferente. "Em palco estou com um guitarrista, um teclista e saxofonista e um baterista e as canções é como se estourassem, no sentido de se desintegrarem. É como se os diferentes fragmentos se juntassem para formar uma nova estética." O próprio Nicolas canta, toca piano e ocupa-se de electrónicas. "É um desafio novo para mim", explica alguém que antes se apresentava apenas com computadores. "Assim, proporciono um melhor espectáculo, a experiência sai reforçada, existem mais momentos de improvisação e a música é melhor."

"Não gosto muito de clubes de dança"

Desde 2009 que tem dado nas vistas com uma série de singles e remisturas, algumas delas numa via dançante, mas outras já perseguindo os desígnios emocionais que viria a adoptar no álbum de estreia. Durante algum tempo enunciava como principal influência a música electrónica de Ricardo Villalobos - prováveis reminiscências da estadia no Chile durante a infância - mas apenas a espaços isso se pressente.

Os tempos em que pensava na pista de dança parecem ter terminado. "Sempre fiz este tipo de música", diz, referindo-se às sonoridades elegantes e espaçosas presentes no disco, "mas acontece que as canções que me deram maior reconhecimento são as mais ritmadas e acessíveis - o que é irónico porque não gosto muito de clubes de dança, pelo menos nos EUA, na Europa é muito diferente - daí que exista quem tenha ficado surpreso com o álbum."

Em "Space Is Only Noise" organiza todas as peças com grande discernimento, compondo canções algures entre o digital e o acústico, recorrendo a "samples" vocais ou à própria voz, sem perder o fio narrativo a uma música inclassificável. Na feitura do álbum pensou em noções como a sua "casa", o seu "refúgio", lugar que foi criando ao longo do tempo de forma bem urdida.

"Quando comecei tinha essa ideia em mente de criar uma casa sonora onde me sentisse confortável, qualquer coisa onde fosse possível ir apurando pormenores, sem pressas, como se tivesse querido criar um microcosmos para mim próprio. A leitura tem também essa dimensão de imersão, qualquer coisa de absorvente, fora de tempo, que nos faz pensar sem esforço; talvez por isso, associe a experiência da leitura a este disco."

Desde que lançou o álbum de estreia que o seu nome é associado ao de alguns músicos britânicos que também se estrearam este ano com discos de fôlego. Falamos do álbum homónimo de James Blake, da recriação de Gil Scott-Heron por Jamie xx da qual resultou o álbum "We're New Here" e de "Mirrorwriting" de Jamie Woon. Todos eles partilham a tenra idade ou o facto de tanto comporem canções electrónicas como criarem espaços e ambientes de devaneio. Todos eles cresceram a ouvir as mais diversas músicas sem inibições (do dubstep ao jazz) e a conciliar as mais diversas ferramentas de trabalho, baralhando essas referências e pondo-as ao serviço de um universo próprio.

Nicolas percebe as alusões, mas quanto a coisas que o marcaram nos últimos tempos está noutra: "O último álbum dos Black Keys é uma obra prima", diz, e "Al Green, J Dilla ou algumas coisas de Keith Jarrett são sempre referências a que regresso com assiduidade."

Para além dos estudos e da produção musical, a sua outra grande ocupação é a editora Clown and Sunset, que dirige, o que não deixa de ser estranho, tendo em atenção o estado geral da indústria. "Ter a minha própria editora é uma forma de liberdade. É uma maneira de cuidar da música que gosto à minha maneira e o facto de vivermos tempos de mudança não me assusta. É apenas mais uma etapa na transformação da música.  Quer dizer, a música em si não muda. O que tem vindo a mudar é a forma como a experimentamos."

E concluiu: "Tenho esta ideia de que uma coisa é a realidade exterior e outra é a realidade interior. Há uma separação entre as duas. A editora tem mais a ver com essa realidade exterior, mas é a música que me permite expressar verdadeiramente a realidade interior."

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