40 anos dos QueenA kind of magic

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Roger Taylor dr

O baterista Brian May e o guitarrista Roger Taylor, zeladores do legado de uma banda que "deixou de existir" depois da morte do seu carismático vocalista, fazem o balanço do que tem sido, para eles, uma viagem extraordinária. Este ano, a discografia completa do grupo será remasterizada e editada. E um filme com Sasha Baron Cohen como Freddy Mercury está já em fase de produção.

Olhando para velhas fotografias dos Queen, descobrimos que o baterista Roger Taylor tem duas favoritas. Numa está maliciosamente aborrecido; na outra está com um sorriso rasgado de satisfação, sugerindo que se divertira imenso na noite anterior, mais do que um tipo normal conseguirá em toda a sua vida adulta - o que, para um membro da banda mais decadente do mundo, era invariavelmente verdade.

Aos 61 anos, Taylor mantém um charme despreocupado, embora por estes dias prefira o esqui e a vela a outras actividades menos saudáveis. Nesta entrevista, fala do passado com a sua voz ligeiramente enrouquecida (ele e o guitarrista Brian May pediram para serem entrevistados separadamente), as suas histórias pontuadas por um riso malandro. "Por vezes, se tivéssemos festas a mais, decididamente que iria para a cama mais cedo com um livro", diz sem qualquer convicção.

Em 1971, o alinhamento dos Queen ficou concluído quando o baixista Deacon passou numa audição para se juntar a Taylor, Brian May e ao solista Freddie Mercury. "Aargh!", exclama Taylor. "Trabalho com Brian há 40 anos! Até há mais do que isso, na verdade!" Como provou a sua masterclass de 20 minutos no Live Aid de 1985, os Queen eram um grupo ímpar no rock de estádio. Em Mercury, tinham um frontman incrivelmente carismático e arguto que, nos tempos livres, gostava de coleccionar mobiliário francês do século XIX, carpas japonesas e amantes masculinos rudes.

Incorporando influências que iam do disco sound a Mozart, os álbuns dos Queen venderam cerca de 300 milhões de cópias em todo o mundo - mais ou menos o mesmo que os Led Zeppelin. As únicas bandas que não superaram foram os ABBA e os Beatles, embora Sgt. Pepper"s Lonely Hearts Club Band (1967) tivesse ficado em segundo lugar depois da Greatest Hits collection (1981) dos Queen na lista dos álbuns mais vendidos de sempre no Reino Unido.

Os Queen eram gloriosamente excessivos de todas as formas, desde a grandiosa ambição de Bohemian Rhapsody, de 1975, até às festas extravagantes onde os convidados eram servidos por raparigas em topless. A descontrolada sofreguidão sexual de Mercury iria, porém, revelar-se calamitosa. O cantor morreu em 1991, aos 45 anos, de uma pneumonia brônquica relacionada com a sida.

Seis anos depois, Deacon retirou-se da vida pública, deixando Taylor e May - companheiros musicais desde 1968, quando tocaram juntos pela primeira vez num grupo chamado Smile - como curadores do legado colossal dos Queen.

"Nós éramos, de facto, "a marca Queen"", reconhece Taylor. "Gerir isso é extraordinário. Ainda parece haver um interesse enorme na nossa velha música. Essencialmente, esta é uma banda que não existe há 20 anos mas que continua a existir. É muito estranho."

Para celebrar os 40 anos dos Queen, a sua discografia será remasterizada e relançada ao longo deste ano. Em fase de produção está também um filme com Sasha Baron Cohen como Mercury (Taylor não sabe quem o personificará, mas sugere Johnny Depp ou Brad Pitt). Em paralelo com estes novos prazeres, o espectáculo do West End londrino We Will Rock You parece pronto para continuar, e continuar, em palco. "Este musical, se é que posso usar esta palavra", refere Taylor durante uma hora de conversa, "ainda está a correr muito bem".

Roger Taylor

Com quem é que tinha mais em comum quando a banda se formou?

Com o Brian, sem dúvida. Nem sempre nos demos bem, mas acabámos por concluir que precisávamos um do outro. Brian é o meu companheiro duradouro, mas eu também era muito próximo do Fred. Creio que éramos os malandros.

Você e o Freddie moraram juntos durante algum tempo, nos primeiros dias dos Queen: Cozinhavam um para o outro?

Oh Deus! (risos) Num Natal, eu estava com Fred e tudo o que tínhamos era um pacote de mistura de molho de pão para assados que se faz com água. Costumávamos sonhar com uma lata de feijões! Estávamos muito falidos, mas ainda assim conseguíamos cravar por aí e parecer grandiosos.

Você estudou para dentista. Freddie alguma vez lhe pediu ajuda para corrigir os dentes?

Bem, não. Os dentes dele estavam em lugares estranhos. Creio que ele tinha muito medo, era muito susceptível a que lhe fizessem alguma coisa porque isso envolveria uma cirurgia bastante complicada.

Os Queen editaram os seus primeiros sete álbuns entre 1973 e 1978. Não foi nada mau...

Suponho que não. Também fizemos os álbuns com muito esmero. Foi quase um privilégio entrar nesses estúdios, o que, naquela altura, parecia custar uma fortuna. Trinta libras por cada hora! Respeitámos isso e gravámos.

Acharam que Bohemian Rhapsody era uma canção peculiar quando Freddie a sugeriu pela primeira vez?

Não, eu adorei-a. O pouco que ele tocou para mim foi o verso: "Mama, just killed a man, dah-dah-la-dah-daah, gun against his..." Isso tudo. Pensei: "Isto é fantástico, isto é um êxito!" Na minha cabeça, naquela altura, era uma entidade mais simples; não sabia que iria ter a wall [of sound, um efeito de sobreposição de várias camadas sonoras para criar um som mais rico] de falso Gilbert and Sullivan, com algumas partes escritas no momento. O Freddie escrevia aqueles blocos gigantes de harmonias épicas e maciças na contracapa de listas telefónicas.

Quando Freddie dizia em entrevistas coisas como: "O que é uma hipoteca, querido?" Brian e John não pareciam gostar muito...

Não, penso que não gostavam.

O que achava disso?

Eu achava hilariante porque era uma provocação total. Ele sabia que o que aborrecia as pessoas mais do que tudo era assumir esta atitude de Maria Antonieta... "Se não têm pão, que comam bolos." Ele era assim, sabe? "Que se lixem. Se não gostam de mim, serei ainda pior do que esperam."

Alguma vez o acompanhou nas suas idas às compras lendariamente extravagantes?

Oh sim. Ocasionalmente, costumávamos oferecer tapetes um ao outro. O Freddie costumava dizer "compra sempre o melhor, querido", o que é um grande conselho. Não vale a pena ter um Jaguar quando se pode ter um Aston Martin.

Era essa a sua filosofia?

De certa maneira, embora eu nunca a levasse tão longe quanto ele. Tivemos uma sorte incrível, tivemos uma grande carreira e nunca o escondi. Somos o que somos. Ao mesmo tempo, fizemos muitas coisas boas! Talvez (risos).

As festas dos Queen eram reputadamente loucas...

Eram apenas uma pequena parte do que se passava. Para nós, eram brincadeiras. Se podíamos arrancar tanto dinheiro à editora discográfica para fazer uma festa de arromba, por que não? Mas apareceu o mito do anão com coca na cabeça [alegadamente na festa de lançamento do álbum Jazz, de 1978, em Nova Orleães]. Isso nunca aconteceu.

A sério?

Não. Bem, eu nunca vi (risos). Dir-lhe-ia se tivesse visto. Havia coisas esquisitas a acontecer mas... [ligeiramente cansado] as festas e tudo mais, as pessoas gostam de saber coisas sobre isso, mas agora já tudo é passado.

Mas deve compreender por que é as pessoas gostam destas histórias...

Sim, mas eu não recomendaria uma festa com uma centena de strippers como um bom instrumento de marketing.

Numa entrevista, nesses tempos, você disse: "Gosto de clubes de strip e de strippers e de festas selvagens com mulheres nuas." Isso resumia bem os seus interesses?

Ha! Isso é tudo verdade, claro.

A cocaína era coisa para si?

Bem, havia de tudo a circular. Um pouco disto, um pouco daquilo, mas não creio que alguma vez isso nos tenha dominado.

Tudo em quantidades moderadas.

(Risos). A moderação não era connosco.

À medida que os Queen tinham cada vez mais êxito, viajavam em limusinas separadas, porquê?

Era a maneira mais simples de o fazer. As limusinas são os carros mais estúpidos. Só há lugar para dois passageiros e, geralmente, levávamos connosco a namorada ou mulher, companheira ou o assistente. Podíamos ter quatro [limusinas], sabe? Não tinha nada a ver com não querermos falar uns com os outros.

O que pensou quando Freddie um dia apareceu com o seu novo bigode?

Eu sempre disse que ele podia correr nu por Oxford Street e teria menos publicidade do que teve quando deixou crescer aquele bigode de merda. Um homem deixa crescer o bigode. Nada de mais, mas não foi esse o caso com ele, obviamente. Aquilo representava uma espécie de cena gay clone, por isso havia uma espécie de significado naquilo. Mas não nos perturbou.

Que ideias erradas acha que as pessoas têm em relação a Freddie?

Bem, ele tinha um lado muito tímido e também um outro lado muito enfático. Era isso, basicamente. Em estúdio, ele era um grande trabalhador. Era ali que se sentia totalmente em casa, sem qualquer timidez. Nunca tive uma discussão com Freddie. Ele era, até certo ponto, a cola que nos unia. É difícil descrever. Um homem complexo. Numa situação social, ele podia ser bastante envergonhado, mas também podia entrar numa sala com todo o carisma no máximo e assumir o controlo, mas tinha de se preparar mentalmente para isso.

Era como se estivesse a entrar em palco?

Totalmente. Era a mesma coisa, na verdade.

Aparentemente em digressão, você e Freddie jogavam muito Scrabble.

Jogávamos todos, mas tornou-se um pouco sério de mais e os outros dois desistiam. Freddie era brilhante porque conseguia mais pontos com menos peças. Eu era um seu igual, creio. O Brian teve a maior pontuação que eu já tinha visto, 168 pontos com uma só palavra. Se me lembro qual era a palavra? Sim, "Lacquers". "Q" na tripla, sete letras, uma palavra tripla. Tentem! [Tentámos e não conseguimos; agora é convosco, fanáticos do Scrabble.]

Quando souberam que Freddie estava a morrer, colocaram a questão de deixar de tocar?

Não. Ele só pediu duas coisas. A primeira foi: vamos continuar a trabalhar. A outra, quando ele estava gravemente doente, foi: apareçam e venham visitar-me.

Já perto do fim, a casa de Freddie estava cercada pela imprensa. Hoje isso parece normal, mas naquela altura era bastante invulgar.

Sim, a casa dele estava cercada por abutres. Até fotografaram as compras de mercearia dele a ser retiradas do carro. Na verdade, foi horrendo.

Exprimia os seus sentimentos quando o visitava?

Uma noite, bati num fotógrafo e acho que atropelei o pé de outro. Aquela gente toda, o que havíamos de lhes dizer? Eram uns imbecis horríveis.

Conseguiu dizer-lhe adeus?

Bem, uma vez ele estava muito, muito doente. Eu estava a uns 300 metros de distância para o ver, quando Peter [Freestone], o seu assistente, me telefonou e disse: "Não venhas, ele acabou de morrer." Foi um duro golpe, mas... sim, eu estava literalmente a 300 metros de Kensington High Street.

[Pausa, pequeno sorriso] Próxima pergunta.

Desculpe.

Não faz mal.

Depois do concerto de tributo a Freddie Mercury em 1992, chegou a pensar: "Bem, o que fazemos agora?"

Com certeza! Houve um período de grande vazio. "O que fazemos agora? Bem, vamos desistir. Sim, vamos desistir. Isto foi bom. Está feito." Depois, passado algum tempo, é claro, sentimos: "Bem, vamos acabar aquele material?" Acabámos por encontrar as forças para o terminar e acho que fizemos um bom trabalho [daí resultou o álbum de 1995 Made In Heaven].

Consegue entender por que é que alguns fãs pensam que a ideia do musical dos Queen, We Will Rock You, é quase ofensiva?

Sim, consigo, e podem pensar o que quiserem porque eu odeio musicais. O facto é que nós demos o nosso melhor para que fosse uma experiência agradável para os que possam gostar desse tipo de coisas. Não arranjo desculpas. Se formos muito puristas sobre as coisas, toda a gente vai querer tudo conservado em formol como sempre foi e não é assim que o mundo funciona.

Estima-se que os álbuns dos Queen tenham vendido aproximadamente 300 milhões de exemplares. Tem ideia do número exacto?

Honestamente, não sei. Talvez entre os 200 e os 300 [milhões], talvez? É muito. [Pausa] É óptimo, não é? [risos]

Taylor diz que não tem saudades dos seus dias de glória, embora admita que tem saudades de tocar ao vivo. Por isso mesmo, ele e May já voltaram para a estrada duas vezes desde 2005 para tocar os seus êxitos com Paul Rodgers, antigo vocalista dos Free. Embora tenha ficado mais do que claro que Rodgers jamais substituiria Mercury, a recepção de indiferença que recebeu a colaboração Queen + Paul Rodgers no álbum de 2008 The Cosmos Rocks sugeriu que havia pouco apetite para um novo disco dos Queen sem Freddie. "Sim, bom, não o comprem", diz Taylor. "Não podemos fazer um [disco] com ele."

BrianMay

Quando falamos da entrevista a fazer a seguir com Brian May, o baterista avisa que o seu companheiro de banda falará imenso de animais. "Acho que na próxima semana, ele vai andar a salvar as formigas", diz com malícia. May está muito envolvido no activismo que concerne a tópicos rurais tão sexy como o abate de texugos (a que se opõe). No entanto, quando chega a hora da nossa conversa, é apenas quando se menciona um artigo antigo em que se enunciam as coisas favoritas do guitarrista, como cocktail de camarões, que as suas sensibilidades vêm à tona. May explica pesarosamente que já não come esta entrada clássica - nem carne - devido à sua discordância com práticas agrícolas. "Não acho que haja animais maus", conclui. "Só pessoas más."

Licenciado da Imperial College, de Londres, May abandonou o seu doutoramento sobre nuvens de poeira - concluído posteriormente em 2007 - e uma carreira em astrofísica quando o envolvimento com os Queen, juntamente com os rigores de ensinar Matemática numa escola secundária, não lhe deixou tempo para estudar e descansar devidamente. "Ainda não durmo muito", diz May, de 63 anos. "Gostaria de lhe dizer que é bom, mas não é sempre bom. Vou-me muitas vezes abaixo."

May fala suavemente e é de uma infalível educação extrema, com uma tendência académica para responder às questões com o maior pormenor possível. Mas ele próprio reconhece que no passado se debateu com a depressão, tendo encontrado conforto na contemplação do céu nocturno e obtendo "das estrelas o sentimento de coragem".

Ao contrário de Taylor, é difícil imaginar este homem sensível de coração grande a gozar os aspectos mais hedonistas do superestrelato rock. "Gozei e não gozei", diz. "Adorei o lado social da coisa, mas havia uma parte de mim que guardei só para mim e que era mais privada. Eu andava numa perpétua montanha russa emocional. Talvez eu fosse demasiado uma ilha mas, por outro lado, isso manteve-me saudável. Não é uma resposta clara. Desculpe. Sim e não."

Com quem tinha mais em comum quando os Queen se juntaram pela primeira vez?

Isso é complicado. Nós tínhamos uma interacção de múltiplas vias e bastante complexa. Na verdade, foi por isso que resultou. Era muito próximo de Roger em alguns aspectos porque já tínhamos estado juntos numa banda. Nós éramos - e somos - como irmãos. Estávamos tão próximos nas nossas aspirações e no modo como olhávamos para a música, mas, claro, tão distantes em muitas outras coisas. Tal como dois irmãos, amávamo-nos e odiávamo-nos em toda a linha. Eu era muito próximo de Freddie de certa forma, especialmente na escrita de canções. Alguns dos momentos em que mais me diverti foi a tirar vozes do Freddie, uma espécie de persuasão em várias direcções.

Em que áreas, como pessoas, é que você e Roger são mais diferentes?

Tudo o que lhe apetecer nomear. Quando começávamos a discutir pormenores na música, também. Discutíamos durante dias por causa de uma nota em especial.

Para além da música, sobre que outras coisas discordavam?

Tínhamos arrufos de todo o tipo. Uma vez, tinha acabado de comprar uma fabulosa lente fish eye e estava a ser paparazzo em cima do Roger. Ele estava a maquilhar-se, porque nesses dias éramos glam. Ele espetou uma esponja de maquilhagem directamente na minha lente e não fiquei muito contente com isso, mas essas coisas ultrapassam-se. O Roger passava-se muito facilmente. Ouvia-se um baque e era qualquer coisa como: "Ah, o Roger atirou outra televisão pela janela."

Pareceu-lhe bem chamar ao grupo Queen?

Tive reservas mas foi muito democrático. Tínhamos uma lista de sugestões de nomes e Queen vinha do Freddie. Um dos outros nomes era The Grand Dance, que penso que não teria sido muito bom. O Freddie era basicamente um dandy nesses tempos. O Roger também. Toda a gente gostava de se vestir e de se mascarar, mas não era uma expressão de sexualidade, era uma expressão de liberdade. Os mais aperaltados entre esses pavões que se passeavam por aí recebiam o nome de queens. Na época, não sabia que o Freddie era gay e não sei se ele próprio sabia; penso que ele estava à procura de si mesmo naquela altura. Por isso, estávamos cientes de todas as conotações da palavra queen [um termo, como queer, associado à cena gay], claro, mas de certa maneira isso atraiu-nos porque parte do que defendíamos era a liberdade e igualdade, fosse ela racial ou sexual ou qualquer outra coisa.

É verdade que costumava levar em digressão os seus próprios biscoitos e chá?

Não, mas se a minha mulher fosse connosco, ela trazia coisas de casa porque naquele tempo não se encontravam as bolachas Digestive [um tipo de biscoito de trigo britânico] na América. Ou chá Typhoo. Eu gostava mesmo de me submergir na cultura de fosse onde fosse que estivéssemos. O inglês é famoso por não ser muito bom nisso, mas era uma das minhas grandes alegrias.

O bigode de Freddie tornou-se parte da iconografia do grupo. Causou-lhe uma impressão forte no início?

Se quer que lhe diga a verdade, acho que a única coisa significativa era a música.

Claro que o seu cabelo, uma imagem de marca, também era muito característico.

É o que é. Quando era miúdo, em geral, eu detestava o meu cabelo porque era encaracolado. Sentia que havia algo de errado comigo porque não conseguia fazer o que o cabelo dos outros fazia. Depois, o Jimi Hendrix tornou aceitável ter cabelo aos caracóis e ser cool e por isso daí em diante deixei-o, simplesmente, à vontade.

Diria que a forma como cada um de vocês surgiu no vídeo de I Want To Break Free, em 1984, era um reflexo preciso das vossas personalidades?

Claro! Toda a gente pensa que foi uma ideia do Freddie porque parece algo que ele adoraria fazer, mas na verdade veio da namorada do Roger na altura, por mais estranho que pareça. Foi ideia dela fazer um pastiche das mulheres de Coronation Street [uma novela britânica de grande longevidade].

Foi ela que teve a ideia de que Roger se vestisse de rapariga colegial?

Provavelmente foi ideia dele [risos].

Tinha ideia de que o concerto dos Queen em Knebworth em 1986 seria a última vez que todos tocariam juntos ao vivo?

Não. O Freddie disse qualquer coisa como: "Já não posso fazer mais esta merda." Mas ele normalmente dizia coisas assim no fim de uma digressão, por isso não o levámos a sério. "Tenho o meu corpo todo destroçado com dores!"

O Roger disse que nunca teve uma discussão com Freddie. E você?

Eu também não. Há uma estranha justaposição na imagem do Freddie com o facto de ele ser uma prima donna. Na verdade, ele era um grande diplomata e, se havia discussões entre nós, normalmente o Freddie era capaz de as resolver.

Quando soube que ele estava a morrer, quis continuar a gravar?

Sim. Ele adorava estar em estúdio e acho que mesmo até ao fim era esse o seu grande escape. Estava a fazer as vozes e a cantar quando já nem conseguia estar em pé. Encostava-se contra a secretária, engolia um par de vodkas e seguia. A última vez que o fizemos, eu e ele, ele estava a cantar Mother Love, que é uma das minhas faixas preferidas de Made In Heaven. Ele nunca a terminou. Disse-me: "Oh, Brian, já não consigo, estou a morrer" [risos]. Nunca parecia deixar que aquilo o abatesse.

Achou essas últimas sessões perturbadoras?

Desenvolvemos uma tal proximidade enquanto banda que na verdade foram tempos bastante alegres. A questão é que há sempre um grande elemento de incredulidade. Sim, sabíamos o prognóstico, mas acho que não acreditávamos mesmo que pudesse acontecer ao Freddie. Afinal, ele é o Freddie. É invencível. Por isso, quando a notícia chegou finalmente, foi um verdadeiro murro inesperado no estômago.

Conseguiu despedir-se do Freddie?

Estivemos bastante com ele nos últimos dias, mas não era uma questão de dizer adeus; era uma questão de partilhar um momento. Lembro-me de uma ocasião quando ele estava na cama e não conseguia ver muito bem lá para fora, para o seu jardim. Estávamos a falar das suas plantas, que ele adorava. Na verdade, a Anita [Dobson, com quem May se casou em 2000] e eu estávamos lá. Ele disse-nos: "Malta, não sintam que têm de me entreter. Só estarem aqui é o que é importante e estou a gostar disso." Por isso penso, de certa forma, que isso foi ele - espantosamente - a encontrar uma aceitação na forma como as coisas eram. Por isso não, a palavra "adeus" não aconteceu, mas chegámos a um lugar muito pacífico.

É difícil para si, porque eu estou a pensar em Freddie Mercury, o grande frontman do rock, mas para você ele é, acima de tudo, o seu amigo falecido?

É. Um dos momentos mais difíceis para mim foi descerrar a estátua do Freddie em Montreux [Suíça, em 1996]. Obviamente é um tributo muito simpático e a cerimónia foi muito comovente, mas de repente fui acometido por raiva. Pensei: "Isto é tudo o que resta do meu amigo e toda a gente está a pensar que é normal e fabuloso, mas na verdade é horrível que eu esteja a olhar para um bocado de bronze que é... [suspira] a imagem do meu amigo e o meu amigo já não está aqui."

O que lhe passou pela cabeça quando David Bowie começou a recitar o Pai Nosso no concerto de tributo a Freddie Mercury?

O que raio é que ele está a fazer? [risos] Não tinha sido ensaiado. Suponho que teria sido simpático se ele nos tivesse dito, mas talvez tenha sido verdadeiramente espontâneo. Nunca tive essa conversa com ele depois do sucedido.

Quando é que foi a última vez que viu John Deacon?

Oh, há muito tempo. Ele agora é muito reservado e comunica por email quando há uma discussão sobre negócios, mas fica por aí.

Consegue perceber a opinião de alguns fãs dos Queen de que o musical We Will Rock You é algo de errado?

Sabe, nunca podemos agradar a todos. Lembro-me de que quando Queen II [1974] saiu, muitas dessas pessoas disseram: "Isso já não são os Queen. Eles abandonaram os seus fãs!" Eram, provavelmente, duas dúzias de pessoas. O resto das pessoas disse: "Iupi!"

Depois de quatro décadas como membro dos Queen, Roger Taylor está a considerar a reforma à medida que se acomoda nos seus 60 anos com uma fortuna de perto de 70 milhões de libras. "Na verdade, penso muito nisso", diz. "Estava mesmo agora a pensar, por que raio é que trabalho tanto? Devo ser louco, mas mantém-nos a mexer."

Brian May também tem, aparentemente, similares boas relações com o seu gestor bancário, mas parece paralisado perante a sugestão de que um dia poderia gostar de ter mais tempo para relaxar. "O que é que eu faria?", pergunta. "Não sou pessoa de me sentar em praias. Adoro estar a criar, a fazer coisas e a resolver problemas e se não o estou a fazer, não sou uma pessoa incrivelmente sociável. Se não estou ocupado, pode ser um desastre." Taylor consegue, pelo menos, imaginar uma vida de lazer total. "Posso tentar pintar", diz com um familiar esgar jocoso. "Mas provavelmente seria uma porcaria."

Exclusivo Pública, Q/IFA

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