Las Acacias, uma promessa argentina no dia em que Cannes teve o seu blockbuster

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A equipa dos VALERY HACHE/AFP

Um road movie, homem, mulher e criança num camião, entre o Paraguai e a Argentina. E uma promessa que se cumpre: Las Acacias, primeira obra de Pablo Giorgelli, deslumbrou-nos

Uma promessa argentina na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Isto não só porque se trata da primeira longa-metragem de Pablo Giorgelli e porque é isso que se deve dizer: que perante Las Acacias não poderemos, a partir de agora, não estar atentos ao contributo deste cineasta nascido em 1967 em Buenos Aires. Também porque este filme começa com um deslumbrante plano de árvores e há nele uma promessa que passa a viver no interior de Las Acacias - um road movie mas se calhar seria mais correcto dizer que é um huis-clos, já que grande parte do filme se passa dentro de um camião.

Auto-estrada que liga Assuncion, Paraguai, a Buenos Aires, Argentina. Um camionista, camião carregado de madeira (os troncos das árvores que vimos serem derrubadas no tal plano inicial que nunca mais é repetido, como não o é a folhagem luxuriante). O patrão "encomendou-lhe" uma companheira para os 1500 quilómetros de viagem: uma mulher que vai procurar trabalho em Buenos Aires e precisa de boleia. Ela não chega sozinha, traz bebé.

O jogo de olhares entre eles, o enfado e crispação iniciais destes seres (sobretudo ele) não dispostos já a contemporizar com o desarranjo das rotinas porque as suas histórias passadas os vergaram a serem figuras sem histórias (ele e ela), e depois a descoberta que vão fazendo, deles próprios e um do outro, é assim tão delicado e silencioso porque não obedece a nenhum plot na fórmula boy meets girl (neste caso, homem e mulher na idade madura) ou "formação de casal com bebé". Giorgelli, que em adolescente deixou o Latim e a Matemática para correr para o cinema, esconde o plot.

O que começa a sobrepor-se ao filme e a invadir-nos é a possibilidade contida naquele plano inicial de uma natureza em explosão e no título, Las Acacias, que ecoa e fica connosco depois de tudo acabar. Pode ou não cumprir-se, não sabemos, não interessa. O que interessa é que o filme é capaz de se abrir a essa possibilidade. E não trair o (nosso) deslumbramento. O filme mais bonito que por aqui se viu, do país de Lucrecia Martel, Lisandro Alonso ou Daniel Burman.

Os fantasmas de Arlene

É isso, na verdade, a fidelidade a uma personagem que convence em The Other Side of Sleep, primeira longa-metragem de Rebecca Daly (apresentado na Quinzena dos Realizadores). É a história de uma sonâmbula, Arlene, numa pequena cidade operária irlandesa que é abalada pela descoberta do cadáver de uma jovem nos bosques.

Também aqui haveria aquilo que o plot habitual exigiria, a saber: quem matou, a histeria da imprensa perante os candidatos a "monstros", o medo e o preconceito num mundo fechado. Isso passa pelo filme da irlandesa Rebecca Daly, claro, mas parece apenas o rumor em fundo de um sonho.

O que está em primeiro plano são os fantasmas de Arlene, que ela começa a descobrir ao mesmo tempo que o espectador - concretamente, a morte da mãe, que ela nunca conheceu, em circunstâncias semelhantes mas 20 anos antes. Essa simultaneidade do percurso de descoberta faz de The Other Side of Sleep um pequeno pesadelo - realista no fundo.

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