Para que serve um jardim na cobertura?

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Em contraponto com o minimalismo da cobertura instada pela Neoturf numa casa em Gaia (à esq.), este jardim no Parque das Nações em Lisboa, da autoria de Lívia Tirone, conjuga plantas de vários portes Nuno Ferreira Santos

Se noutros países é moda, em Portugal a instalação de coberturas verdes ainda não se generalizou. Entre arquitectos e paisagistas há alguma divisão sobre a utilidade de se fazer um jardim no telhado. Por Marta Pais de Oliveira e Cláudia Sobral

a À noite, abrindo as janelas de casa, a arquitecta Lívia Tirone ouve o barulho dos grilos, do seu apartamento no 12.º andar num edifício no Parque das Nações. A Torre Verde é o primeiro projecto de arquitectura bioclimática da Tirone Nunes, empresa que fundou, com o engenheiro Kenneth Nunes para "dinamizar boas práticas" de construção sustentável, e é um dos edifícios de Lisboa com jardins de cobertura. Quem vê da rua aquela enorme torre branca e vermelha acastanhada não imagina que lá no alto se sente o verde enquanto se vê a cidade. "Criámos nas cidades uma cápsula impermeável. Se for toda coberta de verde - cobertura e fachada - se calhar tem um impacto muito menos negativo", argumenta a arquitecta.

No próximo dia 19, na Ordem dos Engenheiros, será lançado o primeiro número de uma colecção de cinco guias para a reabilitação energético-ambiental do edificado, que terá como tema as coberturas. Todo o tipo de coberturas, vivas ou inertes. Na semana que passou, a associação ambientalista Campo Aberto promoveu no Porto a tertúlia Telhados Verdes para uma cidade mais verde. O tema germina na agenda, num país em que este tipo de solução - arquitectónica, paisagística, ecológica, estética, para referir algumas das categorias em que é colocada - ainda é timidamente utilizada. Já países como os Estados Unidos, Alemanha ou Áustria adoptaram--na amplamente. Cidades como Toronto, Nova Iorque ou Londres desenvolvem cada vez mais estudos sobre jardins nos telhados, inspirados em exemplos que podem remontar ao século seis antes de Cristo: os famosos jardins suspensos da Babilónia.

Na sessão organizada no Porto pela Campo Aberto, o orador convidado era o engenheiro mecânico Manuel São Simão, sócio-gerente da empresa Plasticum, que desenvolveu uma linha de tabuleiros em plástico reciclado, muito leve, destinado à instalação de "telhados verdes populares", extensivos e com pouca manutenção, para um mercado de faca-você-mesmo em que o cliente têm simplesmente de assegurar de antemão a boa impermeabilização da cobertura. "São cada vez mais extensas as áreas desertas que podem e devem ser aproveitadas: os telhados", alerta este gestor, garantindo que neste espaço até podem crescer frutas e legumes.

Os telhados verdes pressupõem, assim, coberturas ajardinadas, revestindo-se os edifícios com camadas de terra e um coberto vegetal, por cima de uma camada de impermeabilização e de drenagem. Podem ser intensivos e parecer-se com jardins vulgares - com árvores e lagos, até - ou então extensivos, com recurso a plantas com pouca ou nenhuma manutenção às quais basta um sistema de rega do tipo gota-a-gota. De uma maneira ou de outra, esta solução, dizem os apologistas, promove um melhor isolamento térmico e acústico, atenua o efeito de calor urbano e permite o aproveitamento da água das chuvas. As plantas ajudam a transformar dióxido de carbono em oxigénio, diminuindo a concentração de poluentes na atmosfera. É um pequeno pulmão numa grande cidade.

Recuperar a água

Para a arquitecta Lívia Tirone , jardins em telhados e coberturas só têm, para a cidade, vantagens: "atenuação dos efeitos das chuvas torrenciais e da ilha de calor". E a também vereadora do PSD na Câmara de Lisboa, frisa ainda que estes espaços "reforçam a rede social" à escala do edifício. "Se consigo conquistar a cobertura como espaço útil para as pessoas estou a fazer algo de milagroso para essas pessoas", resume. A norte do Porto, em Vila do Conde, o arquitecto Maia Gomes é peremptório ao afirmar que "a grande diferença entre uma cobertura tradicional e um telhado verde é que o último funciona melhor". O director do Gabinete Técnico Local acredita que esta opção "é o caminho a seguir" e fala de um projecto que desenvolveu para uma escola do concelho, utilizando este tipo de cobertura. Através da recuperação da água da chuva, foi calculada uma possível poupança de nove metros cúbicos de água por dia, a ser reutilizada nos sanitários.

O director da Secção de Hidráulica e Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Francisco Taveira Pinto, argumenta que a existência destas coberturas ajardinadas "permite, à escala da área em questão, a atenuação dos caudais associados à pluviosidade, evitando que estes se repercutam na restante rede de drenagem do edifício e dos arruamentos". Lembrando que é urgente reduzir a pressão sobre o sistema de drenagem urbana, o director da Neoturf, empresa dedicada a espaços verdes, diz que com as coberturas ajardinadas é possível reter até 70 por cento da precipitação no Inverno e 90 por cento no Verão. Para Paulo Palha, "há uma clara falta de conhecimento quanto a este conceito. Em Munique, por exemplo, qualquer cobertura plana tem que ser ajardinada", refere.

O arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles não partilha deste optimismo. "A construção é sustentável, a cidade é que não é sustentável com isso", critica. "Essas pessoas vêm de uma situação de decorativismo barato, não são arquitectos paisagistas, com certeza. Não quero dizer que não se possa fazer uma superfície verde artificial", admite. "Mas isso é apenas um enfeite, uma decoração", denuncia, temendo que estas coberturas sejam vistas como parte do sistema natural nas cidades, quando nestas se permite uma cada vez maior impermeabilização dos solos com construções.

Estas coberturas verdes São formas possíveis e não de substituição, porque é necessário que as cidades tenham um sistema natural a funcionar com circulação de água, ligação ao solo e ao subsolo", avisa Ribeiro Telles. E contraria o argumento usado pelos adeptos do sistema de que estes jardins ajudam a prevenir cheias: "Aquilo são vasos, coberturas artificiais que têm uma capacidade de retenção de água, que tem de depois de sair, por canos. Vai dar ao mesmo [que as coberturas em materiais inertes]."

"As cidades são feitas de muitas coisas", nota o vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado. O autor do projecto do Centro Cultural de Belém, que inclui um destes espaços, o Jardim das Oliveiras, observa ainda que "o primeiro exemplo de coberturas verdes em Lisboa", por cima de um parque de estacionamento, na Gulbenkian, "foi feito por Ribeiro Telles". Manuel Salgado frisa que em Lisboa também começam a surgir vantagens para quem tem jardins nos telhados, à semelhança do que acontece noutros países: "O novo PDM [de Lisboa, que está em período de discussão pública] pondera positivamente a existência de coberturas verdes. O construtor pode ganhar área de edificabilidade recorrendo às coberturas verdes."

A maior parte dos especialistas ouvidos pelo Cidades concorda que, se salvaguardadas as devidas questões operacionais e de drenagem, a cobertura é uma opção a ser considerada. Se a questão for bem trabalhada de raiz, é possível olhar para o que dizia Corbusier e ver o terraço como um novo jardim", arrisca Nuno Grande. "Trazer este conceito para a habitação familiar vem da ideia da casa vista como espaço de relação aberta com Natureza", explica. "Do ponto de vista da construção, não é uma solução muito mais cara. Do ponto de vista da manutenção, poderá ser", admite.

Negócio em expansão

Ainda são muito poucas as empresas portuguesas que se dedicam exclusivamente à instalação de coberturas ajardinadas. Cláudia Oliveira, da Clorofila Jardins, explica que, apesar da procura ser pouca, nota-se uma tendência de crescimento. A engenheira agrícola da empresa especializada em projectos de espaços verdes frisa que desde há três anos que têm "andado a batalhar nesta área". Mas, em Portugal, ainda não há nenhuma empresa que produza os materiais para a construção de um telhado verde, e essa é uma dificuldade apontada por outros agentes do sector, como Catarina Pinto, arquitecta freelancer que, há três anos também, resolveu enveredar pela bioconstrução.

No caso de um projecto da Clorofila Jardins, o problema resolveu-se com a intervenção de uma empresa portuguesa, que construiu as soluções necessárias, abrindo assim a porta à produção nacional dos materiais utilizados. Enquanto isso não se generaliza, as estruturas têm que ser importadas. Albino Oliveira trabalha na direcção da importação para Portugal e Espanha de materiais para a construção de telhados verdes da Optigreen e têm uma noção clara da evolução dos custos de uma cobertura verde. Um sistema de rega e cobertura extensiva está na ordem dos 60 euros por metro quadrado. "Há dois anos andaria na ordem dos cem euros", compara.

No ano passado, a empresa instalou 300 mil metros quadrados de cobertura, em Espanha. Já em Portugal, estima-se que tenha sido entre 50 a 60 mil metros quadrados. E os clientes estão satisfeitos. Patrícia Alves, engenheira civil com casa no Porto, já adoptou o telhado verde, por "uma questão ambiental e estética." Até porque, onde mora, não há muita vegetação. Nunca teve problemas com a nova cobertura, mas reconhece que "apesar de recomendar esta solução, parece que ainda há um medo qualquer". Cátia Sousa, bancária que também instalou a cobertura ajardinada em sua casa, em Vila Nova de Gaia, está, também, "totalmente convencida", e destaca as diferenças positivas que sente em termos acústicos e térmicos, com claras economias na despesa com aquecimento.

O peso excessivo da terra e da água das chuvas que se vai acumulando nas coberturas, que poderá, a longo prazo, acabar por danificar estruturas mais débeis, é um dos argumentos a que recorrem os mais cépticos, a par do perigo de infiltrações nas casas. "Pensará isso quem não conhece os nossos materiais", contrapõe Lívia Tirone. "Nós só instalamos [jardins de cobertura ultra-leves] em sítios devidamente isolados. Colocamos sempre uma tela impermeabilizante", diz, por outro lado, Marisa Espada, porta-voz da Sunenergetic, que em 2009 instalou uma estrtura ultra-leve na sede da EMEF - Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, na Amadora.

"A questão das infiltrações não se coloca, porque a cobertura verde funciona como um revestimento de uma cobertura impermeável que cumpre a sua função", explica também Albino Oliveira, da Optigreen, notando até que a cobertura ajardinada contribui para que o material impermeabilizante tenha um tempo de vida útil maior, visto que não está exposto a tantas mudanças climáticas. Albino Oliveira explica que numa superfície ajardinada existe um sistema de rega e acumuladores de água, que podem reter sete litros por metro quadrado, numa situação normal, ou ainda 15 litros por metro quadrado, num sistema mais intensivo. O excesso da água, que cai sobre a cobertura, fica então retido nos alvéolos do sistema. "Quando chove é ouro sobre azul, há um aproveitamento total", explica.

"Preço tenderá a cair"

Já a manutenção dos telhados verdes está relacionada com o tipo de cobertura utilizada. Se é intensiva, sendo possível plantar árvores, por exemplo, exigirá mais acompanhamento do que uma cobertura extensiva, que vive de plantas rasteiras e necessita apenas de uma ou duas visitas anuais. "Existem plantas que tornam quase nula a manutenção", diz Albino. É o caso do telhado verde da loja do Cantinho das Aromáticas, em Vila Nova de Gaia.

Aqui, a transição do telhado normal para a cobertura ajardinada fez-se no ano passado."Arregaçámos as mangas e substituímos o telhado convencional segundo indicação de especialistas. Éramos homens adultos a brincar aos telhados verdes", confessa o sócio-gerente do Cantinho, Luís Alves . Com uma área de 40 metros quadrados, o telhado vive com uma camada de solo entre 12 a 15 centímetros e é praticamente auto-sustentável. Utilizam-se espécies autóctones, como o tomilho. "Notamos diferenças no clima da loja, que não arrefece tanto no Inverno nem aquece no Verão", confirma.

A única desvantagem parece ser, ainda, o preço. "Acredito que o mercado tornar-se-á mais competitivo e o custo do telhado tenderá a cair", refere o engenheiro agrónomo, para quem os materiais, se forem bem aplicados de raiz, "desempenham o seu papel na perfeição, melhor do que um telhado tradicional" Agora, é preciso que os profissionais de engenharia civil e arquitectura encarem o telhado verde como uma excelente solução, para que passe de novidade a ideia implantada", conclui.

Há empresas que não precisam de ser convencidas. No Parque de Negócios da Sonae, na Maia, um dos novos edifícios tem uma cobertura ajardinada onde vivem plantas autóctones e exóticas, numa área de 22 mil metros quadrados, equivalente a dois campos de futebol. Iniciada em 2008 e terminada no ano passado, a cobertura foi pensada na perspectiva do espaço envolvente, que engloba as hortas e campos agrícolas da Maia. Agora, a próxima etapa é proporcionar as condições para que o espaço seja utilizado pelos membros da empresa, através de uma pista de jogging e espaços desportivos, balneários e esplanadas, explica Filipe Ferreira, gestor de projecto da Sonae.

A moda parece, pois, estar a pegar, embora o arquitecto Filipe Oliveira Dias lembre que o tema não é tão novo assim em Portugal. No sector da habitação, já nos anos 80, vários arquitectos do Porto introduziram as coberturas planas no panorama da arquitectura, com o objectivo de criarem espaços apropriados ao lazer, simultaneamente belos e energeticamente isoladores, explica. Mas assume que a cidade europeia tradicional é um espaço cujo desenvolvimento é lento, por inércia e por legislação, na absorção de conceitos não originariamente planeados.

Filipe Oliveira Dias considera compreensível algum do cepticismo que paira sobre o tema, devido também à descredibilização originada por más práticas que minam o conceito essencial de sustentabilidade. "Lembro-me bem, há cerca de seis ou sete anos, do surgimento deste discurso num país que assiste e que convive desde há duas décadas com a destruição criminosa da sua floresta amazónica", assinala.

Este arquitecto do Porto manifesta mesmo o receio de que esta muito recente vaga de "consciência verde" apenas sirva para defesa de pontuais interesses de comercialização de plantas, sistemas de rega e de equipamentos acessórios à biodiversidade. "Esta matéria é complexa e, eventualmente, polémica, uma vez que a sustentabilidade do planeta não se atinge ou se garante através de modas, estética ou mesmo através de conceitos apaziguadores de consciência", diz. Se a tendência é viável ou não no nosso país, "dependerá claramente da credibilidade dos seus intervenientes e da percepção de que a sustentabilidade é determinante para a qualidade de vida das próximas gerações", avisa.Gonçalo Ribeiro Telles, arquitecto paisagista

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