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França e Itália pedem a revisão de Schengen

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Já desembarcaram mais de 20 mil imigrantes tunisinos em Lampedusa FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Acordo de livre circulação foi o culpado consensual para o diferendo sobre imigrantes tunisinos

A França e a Itália procuraram ontem enterrar o machado de guerra a propósito do estatuto dos imigrantes da Tunísia ao exigir uma revisão das regras de Schengen relativas à abolição das fronteiras entre os países da União Europeia (UE).

A reconciliação entre os dois países foi selada durante um encontro em tom amigável realizado em Roma entre o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, que tratou igualmente de outros temas contenciosos, da Líbia às relações económicas.

Os dois líderes decidiram escrever a Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e a Herman Van Rompoy, presidente do Conselho Europeu, pedindo uma análise sobre "a possibilidade de restabelecer temporariamente o controlo nas fronteiras internas" dos países membros de Schengen "em caso de dificuldades excepcionais na gestão das fronteiras comuns". As primeiras orientações neste sentido deverão ser emitidas pelos líderes da UE já na próxima cimeira europeia de Junho, defendem.

"Em circunstâncias excepcionais, acreditamos ambos que tem de haver mudanças no Tratado de Schengen sobre as quais decidimos trabalhar juntos", afirmou no final do encontro um Berlusconi sorridente e entre grandes amabilidades mútuas, segundo relataram as agências noticiosas.

Com este pedido de reforma das regras, os dois países trataram de encontrar um culpado para a sua disputa das últimas semanas. O diferendo foi provocado pela decisão de Roma de conceder a mais de vinte mil tunisinos que acostaram desde Janeiro à ilha italiana de Lampedusa uma autorização de residência.

Este título, que permite aos detentores circular livremente em todo o espaço Schengen, foi concedido com o objectivo assumido de lhes permitir juntarem-se à família e aos amigos residentes em França, a antiga potência colonizadora. Isto quando, segundo as regras, o Governo italiano devia, pelo contrário, ter procedido ao repatriamento dos imigrantes para o seu país de origem.

Furiosos, os franceses, decidiram, a 17 de Abril, bloquear na fronteira com a Itália os comboios com estes imigrantes a bordo, obrigando-os a regressar ao ponto de partida, o que levou os italianos a queixar-se de falta de solidariedade dos parceiros.

Suspensão é impossível

A França ameaçou na altura suspender os acordos de Schengen, o que foi de imediato visto pelos outros países e instituições comunitárias como um retrocesso indesejável na integração europeia. Ontem, Sarkozy afastou implicitamente essa ideia: "É justamente porque acreditamos em Schengen que queremos um reforço profundo de Schengen", afirmou.

Frisando que Schengen, enquanto parte do Tratado da UE, não pode ser suspenso, a Comissão Europeia lembrou que as regras actuais já permitem a reintrodução temporária dos controlos nas fronteiras em caso de ameaça à ordem pública ou segurança interna de um país. Portugal recorreu a esta cláusula durante o Euro 2004.

Mas, à luz do conflito franco-italiano, e na previsão do pedido dos dois países, Bruxelas anunciara pouco antes das declarações de Roma a intenção de apresentar na próxima semana aos governos uma comunicação em que procurará redefinir as circunstâncias excepcionais em que os controlos podem ser reinstituídos. Trata-se de "precisar" as condições em que uma decisão deste tipo é possível, de modo a "ajudar a resolver as diferenças de interpretação" das regras, justificou um porta-voz.

Carlos Coelho, eurodeputado do PSD, provavelmente o maior especialista do Parlamento Europeu sobre Schengen, considera no entanto que não há qualquer necessidade de revisão das regras, mas apenas da sua aplicação correcta (ver entrevista nestas páginas).

Os acordos de Schengen foram assinados em 1985 entre a França, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Holanda para a abolição dos controlos nas suas fronteiras internas e reforço dos controlos nas externas. Hoje, o acordo está integrado no Tratado da UE e envolve todos os países membros - com excepção do Reino Unido e da Irlanda, por opção, a par da Bulgária, Roménia e Chipre, devido a problemas de falta de preparação ou políticos -, mais a Suíça, Noruega e Islândia, que não são membros da UE.

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