“Há cada vez mais jovens jogadores nacionais a optar por sair de Portugal”

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Foto: Rui Gaudêncio

Aos 32 anos, Ricardo Monsanto é um dos treinadores portugueses com mais experiência acumulada, em particular nas camadas jovens. O actual técnico do Real Massamá representa a única equipa do nacional de juniores que alinha quase exclusivamente com jogadores nacionais.

PÚBLICO – Treina uma equipa júnior que tem a particularidade de ser a única do campeonato nacional a jogar só com jovens portugueses...

Ricardo Monsanto – Sim, praticamente. No início da temporada optamos por fazer um plantel que incluísse apenas jogadores nascidos em Portugal, mas durante a temporada surgiu-nos a questão de um jovem brasileiro, que já vivia há muitos anos em Portugal, poder integrar o grupo. Ele tem alguma qualidade, não conseguia tratar dos papéis para a naturalização e começou a treinar connosco, acabando por ser inscrito a quatro jogos do fim da fase regular, até por uma questão de solidariedade. Mas jogámos sempre com 11 portugueses do princípio ao fim do campeonato. Fomos a única equipa da primeira divisão nesta situação.


Porque optaram por essa estratégia?

Porque a nossa política era a aposta na formação e agradou-me vir trabalhar para um clube onde a formação é o topo das prioridades. Aqui a preocupação passa por voltar a formar jogadores como Nani, Diogo Salomão ou Jorge Andrade [todos formados no Real Massamá].


Isso foi uma resposta ao excesso de jogadores estrangeiros nas camadas jovens?

A questão é que grande parte dos jogadores estrangeiros que chegam a Portugal para jogarem directamente nos juvenis e nos juniores acabam por não dar em seniores, porque não têm qualidade. Não sou nem nunca serei contra os jogadores estrangeiros, mas que tenham qualidade para puderem ser utilizados na equipa e que tenham perspectivas de, um dia, serem jogadores profissionais. Caso contrário, só servirão para tapar alguns lugares aos jogadores nacionais, sem benefícios para o clube e para o desporto português.


Está em sintonia com o seleccionador nacional de Sub-21, Rui Jorge, que já se queixou de ver cada vez mais reduzida a sua base de recrutamento?

Concordo com ele. Acho completamente inacreditável que ele só tenha 50 jogadores em acção para convocar. Ele queixa-se com toda a razão, é uma vergonha. O próprio seleccionador nacional principal, Paulo Bento, já afirmou publicamente que as coisas têm de mudar na formação, porque qualquer dia não há jogadores para serem convocados.


E qual é a estratégia dos clubes portugueses que apostam em tantos jogadores jovens estrangeiros?

Eu diferencio os três “grandes” do futebol português dos restantes clubes neste particular. Tanto o Sporting como o Benfica e FC Porto conseguem recrutar estrangeiros com qualidade, mas o mesmo já não acontece com os outros clubes nacionais, com poucas excepções. Esses clubes não têm uma estratégia propriamente dita. O que há é uma pressão muito grande de alguns empresários menos escrupulosos, que estão ansiosos por trazer jogadores de todo o lado. Aos clubes, faltará alguma direcção desportiva, ao contrário do que acontece nos “grandes”. Com lugares tapados no futebol nacional, resta a muitos jovens com 18 ou 19 anos saírem para o estrangeiro. Isso era impensável há uns tempos atrás, mas agora é mais comum optarem por países como o Chipre ou Roménia e outros países do Leste da Europa. E estamos a falar de internacionais portugueses das camadas jovens, que nunca chegam a jogar na divisão principal portuguesa. É difícil explicar.


Como se pode solucionar este problema?

Soube que já houve uma reunião entre a Federação Portuguesa de Futebol e os clubes para tentarem solucionar esta situação. Na minha opinião, só haveria uma maneira: primeiro, reformular os quadros competitivos a pensar nos jogadores e não no interesse particular de algumas pessoas que nem sequer pisam os relvados; em segundo lugar, criar cotas de jogadores nacionais para a formação. Defendo também a criação de um campeonato de equipas B, apenas para jogadores sub-21, que serviria de escalão intermédio entre os juniores e os seniores. O Rui Jorge deixaria de ter razões para se queixar.


Qual é a sua formação académica como treinador?

Tenho o nível 3. Foi tudo muito precoce. Com 18 anos, era o aluno mais novo do curso, no nível 1; com 20 anos, era o mais novo do nível 2, e com 27 anos, era o mais novo do nível 3 [UEFA Advanced], onde encontrei o Paulo Bento, o Hélio Sousa, o Rui Barros, a Mónica Jorge [actual seleccionadora nacional de futebol feminino], etc. Apanhei alguns dos actuais treinadores da liga principal, os actuais seleccionadores nacionais, o principal e o adjunto.


Como o receberam?

Fui o caçula do grupo e eles apoiaram-me espectacularmente. Estava a sair das camadas jovens do Estoril Praia, depois de seis anos, para treinar uma equipa sénior do Torreense.


Como surgiu esse convite?

O então presidente do Torreense, Joaquim Carlos, que ainda se mantém no cargo, tinha sido presidente-adjunto do Estoril Praia durante um curto período de tempo e recebeu boas informações minhas. Enviei-lhe o meu currículo e ele considerou que eu era a pessoa ideal para o seu projecto de lançar uma equipa B, com miúdos com 18 ou 19 anos. Fomos campeões distritais muito facilmente, logo em 2006-07. Os jogadores foram extraordinários e sentiam-me mais como um irmão mais velho. Para a época seguinte, o presidente considerou que o principal objectivo do clube, em termos de formação, passava por fazer subir os juniores à Primeira Divisão Nacional e chamou-me para essa missão. Consegui construir uma equipa forte e fomos bem-sucedidos. Na época seguinte, em 2008-09, comecei a treinar a equipa principal sénior do Torreense.


Que recordações guarda do futebol sénior?

Muita coisa boa, mas também algumas más. Uma delas é reveladora de alguma falta de ética entre alguns colegas de profissão: quando começam a circular boatos que um treinador pode sair, ele está a orientar a equipa no banco e apercebe-se que nas bancadas estão tantos treinadores a assistir à partida como adeptos. Nas alturas em que “cheira a carne” aparece todo o género de abutres. Foi uma das aprendizagens que tive e, por isso, optei por estabilizar a minha carreira no futebol júnior, ainda que faça planos de voltar, mas com outra maturidade e outros apoios.


Acha que os fenómenos de popularidade de José Mourinho ou André Villas-Boas estão a tornar cada vez mais apelativa para os jovens a profissão de treinador?

Sem dúvida. Muitos jovens entram em contacto comigo cheios de curiosidade e perguntam-me onde e como podem fazer o curso. Eu sou o primeiro a incentivar. Estes exemplos de sucesso tornaram esta profissão atraente para os mais novos, que anteriormente queriam quase todos ser apenas jogadores de futebol e nem pensavam em vir a ser treinadores.


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