Torne-se perito

Ninguém sai acusado das mortes na Madeira

Foto
O temporal de Fevereiro de 2010 afectou várias zonas da ilha enric vives rubio

Ministério Público não determinou qualquer procedimento criminal e arquiva inquérito. As 48 mortes resultaram de causa natural

O Ministério Público, na investigação feita ao temporal de 20 de Fevereiro de 2010 na Madeira, não encontrou indícios que permitam imputar a morte de qualquer das 48 vítimas a acto humano, voluntário ou meramente negligente. E acabou por concluir que todas as mortes resultaram de "causa natural". O procurador da República na região ordenou assim o arquivamento do inquérito, sem desencadear qualquer procedimento criminal.

No despacho de arquivamento, o procurador da República coordenador na Madeira, Gonçalves Pereira, justifica que durante a investigação não foram recolhidos indícios do cometimento de qualquer ilícito criminal, de natureza pública, razão pela qual não determinou a extracção de qualquer certidão para procedimento criminal. "Todas as mortes são de causa acidental, não podendo estabelecer-se qualquer nexo de causalidade entre comportamento humano, culposo ou doloso, e os resultados da morte verificados", conclui o relatório.

O inquérito, concluído esta semana, visava apurar responsabilidades de âmbito criminal, nomeadamente eventual "violação das regras urbanísticas e de construção que tenham agravado o risco e conduzido à existência de mais vítimas", como denunciaram ambientalistas e forças políticas. Um dos anexos do processo junta peças do processo judicial pendente no Tribunal Administrativo do Funchal, relacionado com a construção do edifício Funchal Centrum, apontado como "responsável" pela criação de condições que terão agravado as consequências da catástrofe na parte terminal da ribeira de São João.

Do despacho de arquivamento, estão a ser notificados os familiares de todas as vítimas mortais. Foi também remetida uma certidão ao conservador do Registo Civil do Funchal, informando da instauração do competente processo de justificação judicial de óbito dos seis madeirenses que, levados nas enxurradas, nunca foram encontrados. Volvido mais de um ano sobre o respectivo desaparecimento, considerou esgotadas as diligências que podiam revelar-se adequadas à sua localização ou necessárias ao cabal esclarecimento dos fins visados com a instauração do inquérito.

Além dos 40 mortos inicialmente confirmados como vítimas da tragédia com a realização de perícias médico-legais e dos seis desaparecidos cujo óbito foi agora justificado judicialmente, permaneciam por identificar dois outros cadáveres. Só a realização de exames complementares de genética forense permitiu determinar a verdadeira identidade das duas mulheres levadas por uma forte torrente de água, lama e pedras que fez desaparecer a sua residência no Pomar da Rocha, na Ribeira Brava.

O relatório final da PSP, anexo ao processo, associa à catástrofe mais quatro indivíduos que, internados com ferimentos graves no trágico 20 de Fevereiro, acabaram por falecer nos serviços hospitalares nos dias imediatos. Destes quatro casos, cujos óbitos não foram comunicados ao MP nem solicitada a dispensa da autópsia, o procurador admite que dois possam ser vítimas do temporal, tendo um deles sido associado na participação do falecimento ao denominado "caso da grua", o que faria subir de 48 para 50 o número de mortos, na maioria registados no Funchal. A única vítima estrangeira era de origem britânica.

A investigação conduzida pelo MP debruçou-se particularmente, entre outras situações suspeitas, nas circunstâncias em que ocorreu a morte de várias pessoas no Laranjal, em Santo António, imputada à queda de uma enorme grua, em obras de construção de um viaduto à cota 500 do Funchal. De igual modo procurou apurar se um aterro ilegal, a norte da Capela das Babosas, no Monte, terá estado da origem do rasto de destruição que levou o templo e ceifou a vida a, pelo menos, nove pessoas.

O inquérito conclui que a queda da grua, montada de acordo com as normas de segurança, se ficou a dever apenas a causas naturais, resultantes da intensa intempérie e das fortes rajadas de vento. Nada nos autos logrou também demonstrar que qualquer das mortes no Monte e na Estrada Luso-Brasileira tenha a ver com a existência do referido aterro, como chegou a ser denunciado, tendo nos dois controversos casos o MP concluído pela impossibilidade de responsabilização individualizada de quem quer que seja.

Pela análise efectuada pelo Serviço Regional de Protecção Civil, em relatório também anexo ao inquérito, a aluvião de 20 de Fevereiro de 2010 surge no final de um Inverno de intensa pluviosidade que conduzira já à saturação da capacidade de absorção de água pelos solos. Do temporal - cujas consequências foram potenciadas por construções em zonas de risco, pelo estreitamento e ocupação dos leitos das ribeiras e pela impermeabilização do solo e subsolo -, resultaram elevados prejuízos, avaliados em 1080 milhões de euros.

Sugerir correcção