Dez milhões de habitantes podem conviver com ursos e lobos?

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O urso está extinto em Portugal, o lobo está em perigo. Estradas, barragens, parques eólicos e cidades reduzem o espaço disponível para os grandes predadores. Por Helena Geraldes

a Gonçalo Brotas conserva há cinco anos o habitat do lobo ibérico nas serras da Freita, Arada e Montemuro, em Viseu, e acredita que a equação "ou nós, ou eles" não se põe. "O lobo tem uma grande capacidade de resistência e adaptação", observa o coordenador técnico da Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico.

Actualmente, as alcateias estão estáveis. Desde os anos 30, a espécie desapareceu do Algarve e Alentejo e recuou até ao Norte. Hoje, a maioria das cerca de 60 alcateias concentra-se acima do rio Douro.

Mas o cenário estará a mudar. Alguns especialistas notam que a vida selvagem poderá estar a reclamar o território que tem sido deixado para trás por décadas de abandono dos campos.

"Podemos ter populações viáveis [de grandes predadores]. O lobo mostra que é possível", diz Nuno Ferrand de Almeida, coordenador científico do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio). Este biólogo lembra "o abandono do mundo rural e a expansão do bosque mediterrânico" no Norte como condições para uma convivência entre humanos e predador que é "mais possível agora do que há uns anos atrás".

Ainda assim, será que o território ao abandono é suficiente para o regresso dos grandes predadores? Jorge Palmeirim, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, faz notar que o "verdadeiro problema é a falta de presas", como veado ou corço, "em quantidades suficientes". É daqui que nascem os conflitos com os pastores, que vêem o seu rebanho tornar-se presa do lobo. Mas este "ódio histórico" estará a desaparecer. "As pessoas já estão sensibilizadas para aceitar estes animais, desde que sejam envolvidas nos planos de conciliação de predadores com as actividades humanas", considera Paula Castro, investigadora do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Mais do que isso, animais emblemáticos, como o lince ou o lobo, podem tornar-se uma distinção positiva: "As pessoas percebem que podem ser vistas como populações que preservam a biodiversidade."

É precisamente isto que sente Gonçalo Brotas. "Há criadores de gado que já perceberam como funciona o lobo e que não gostavam que ele desaparecesse. E os caçadores acham que é necessário para equilibrar ecossistemas."

Miguel Araújo, da Universidade de Évora e do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, acredita que, "se não perseguirem o lobo, a espécie voltará ao Alentejo e possivelmente às serras do Algarve". "Havendo abandono rural e recolonização dos campos por parte dos grandes herbívoros, a expansão do lobo é inevitável."

Este regresso é algo que Francisco Álvares, investigador do Cibio, não descarta. O biólogo admite que a espécie "tem uma área potencial enorme para se expandir, a sul do Douro". O "segredo" será "manter alguma tranquilidade para o lobo caçar e reproduzir-se, garantir a ligação entre territórios e presas em diversidade e densidade".

O urso de volta ao Gerês?

Francisco Álvares estima que o urso desapareceu de Portugal no início do século XX e recorda os registos bibliográficos da época que dão conta de uma ursa com as crias na serra do Larouco. De então para cá, muito mudou. A população mais próxima, na Cantábria, Espanha, duplicou desde a década de 90. Haverá 200 ursos-pardos a viver na cordilheira cantábrica, segundo um estudo da Universidade de Oviedo, de Janeiro.

O biólogo refere que a população de urso da Cantábria parece estar a expandir-se para sul. "Mas em Portugal nunca teremos espaço territorial para o urso. O que podemos esperar é alguma incursão ocasional de populações de Espanha. Nunca poderemos vir a ter núcleos reprodutores."

O eventual regresso do urso, através de programas de reintrodução, é duvidoso, na opinião de Nuno Ferrand de Almeida. "O urso desapareceu devido à perseguição directa e à destruição das florestas. Precisa de espaços maiores do que o lobo e não é tão adaptável. A sua reintrodução seria muito difícil."

Henrique Miguel Pereira tem alguma esperança na concretização de um sonho que, diz, alguns acalentam. "É controverso e dizem que seria um disparate", mas, "se dentro de 20 a 30 anos se mantiverem as tendências de abandono das áreas agrícolas e pastorícias marginais, teremos condições para o regresso do urso na região montanhosa do Norte."

O investigador da Universidade de Évora Miguel Araújo discorda: a reintrodução do urso "obrigaria à criação de áreas extensas sem actividades humanas ou com condicionalismos". O regresso dos habitats ao seu estado natural (conceito conhecido como rewilding) ainda é uma opção fora da discussão. "O abandono dos campos é visto pela maioria como um fenómeno a combater, o que é feito através de subsídios à ocupação do mundo rural, que custam caro ao erário público", diz Miguel Araújo. "Mas a realidade é que é inevitável no contexto sócio-económico actual."

Jorge Palmeirim não considera o rewilding utópico. "Há áreas que não são viáveis para a agricultura, com maus solos e pouca água. Devíamos encontrar alternativas, como o turismo de natureza."

Miguel Araújo não tem dúvidas. "Mais tarde ou mais cedo, o conceito de rewilding, em curso na Europa, entrará em Portugal. Há ideias que, por serem poderosas, se tornam inevitáveis."Urso-pardo, da subespécie urso-cinzento, no zoo de Madrid

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