Os Verdes sobem porque a Alemanha se torna verde

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Winfried Kretschmann JOHN MACDOUGALL/AFP

A vitória dos ecologistas nas eleições de Baden-Württemberg exprime uma nova realidade: os Verdes passaram da margem para o centro da política alemã. Os seus temas tornaram-se quase consensuais

Os Verdes alemães conquistaram no domingo o estado (land) de Baden-Württemberg (Sudoeste). Foi "uma mudança sísmica na paisagem política da Alemanha", resumiu Der Spiegel online. Com 11 milhões de habitantes, é uma das regiões mais ricas e competitivas da Alemanha, apontada como a mais inovadora da Europa: do automóvel (Mercedes e Porsche) às máquinas-ferramentas de alta tecnologia, da informática ao têxtil de luxo. É também uma região enraizadamente conservadora, governada pela democracia-cristã (CDU) desde 1953. Os termos usados para qualificar o acontecimento - sismo ou tsunami - não se limitam a fazer eco do Japão: esta vitória coloca definitivamente os Verdes como partido-charneira da política alemã. Os ventos sopram a seu favor.

A CDU continua a ser o primeiro partido do land (39 por cento). Mas a aliança entre os Verdes (24,2 por cento) e o Partido Social-Democrata (SPD, 23 por cento) tem a maioria absoluta. Os liberais do FDP ficaram pelos 5,2 por cento. Os Verdes duplicaram a votação de 2006. Uma parte dos novos eleitores veio do campo democrata-cristão.

Winfried Kretschmann, de 62 anos, antigo professor de Química e de Ética, será o próximo ministro-presidente de Baden-Württemberg - o primeiro que o partido elege na sua história. Fundador dos Verdes, figura da sua ala "realista" (realo), não vê contradição na escolha dos eleitores. "Não somos um partido socialista. Somos um partido da economia de mercado - mas sob claras condições. Vimos o que a desregulação fez na crise financeira."

Chamam-lhe "Moisés" - o que promete conduzir o seu povo à "terra prometida sem nuclear". Esteve na primeira linha da contestação do plano Stuttgart 21, um faraónico projecto de renovação urbana, com uma mega-estação ferroviária subterrânea para os TGV, que Angela Merkel defende como um pilar da "modernização" e a que os habitantes de Estugarda se opõem, na base da irracionalidade da despesa e do impacto ambiental. Merkel disse que estas eleições eram um referendo sobre Stuttgart 21. Teve a resposta: em Estugarda, os Verdes alcançaram 45 por cento dos votos.

O seu perfil não corresponde também ao retrato-robot dos militantes do "partido antipartido" fundado em 1981. É católico, canta no coro da igreja da aldeia e é membro do Conselho Central dos Católicos Alemães. Apela à combinação de radicalidade e responsabilidade, de ecologia e crescimento.

Merkel e Fukushima

Em três décadas, os Verdes mudaram a cena política e mudaram eles. "Só quem muda pode permanecer fiel a si mesmo" diz Renate Künast, outra líder dos realo e provável candidata à conquista da cidade-estado de Berlim.

Os Verdes levaram a cabo uma "desradicalização": mudaram pouco em termos de programa e identidade, mas muito na sua atitude política. Entenderam que têm de participar nos governos, se querem fazer mudanças. A experiência do poder, inaugurada no land do Hesse, em 1985, por Joschka Fischer - mais tarde ministro dos Negócios Estrangeiros - esbateu o contraste entre os realo e os fundi (fundamentalistas).

Como venceram em Baden-Württemberg? Falou-se em "eleição nuclear" e no "efeito Fukushima". Um jornal explicou: "Se a terra não tivesse tremido nas costas japonesas e não tivesse provocado uma catástrofe nuclear, o ecologista Winfried Kretschmann não seria provavelmente o próximo ministro-presidente da região." Uma sondagem do Instituto Forsa dizia que, para 45 por cento dos eleitores, o nuclear era uma questão-chave. Tal como Stuttgart 21.

Outra pista de explicação é a cadeia de erros políticos da chanceler Angela Merkel e os ziguezagues motivados pelas sucessivas eleições regionais. O mais gritante foi o da política nuclear. Em Setembro, a chanceler anulou a decisão tomada em 2000 pelo Governo Schroeder-Fischer de encerrar as centrais nucleares até 2017. "Markel vai arrepender-se e pagar um alto preço por isso", respondeu-lhe Renate Künast.

Após o desastre de Fukushima, Merkel tentou antecipar-se aos Verdes anunciando o encerramento das sete centrais mais antigas e uma moratória de três meses para reavaliar o nuclear. Enfureceu a indústria e os barões da CDU. E 70 por cento dos alemães interpretaram a viragem como "manipulação eleitoral".

Fukushima foi um catalisador, mas não explica o resultado. Deu credibilidade aos Verdes e desacreditou Merkel, pondo em causa - talvez de forma irreversível - o futuro do nuclear alemão. A chanceler comete a proeza de perder eleições quando a economia está de vento em popa. Não corre o risco de ser apeada. Nem a CDU/CSU nem os liberais querem eleições antecipadas. E não há no partido nenhuma figura que ameace a sua liderança.

O ar dos tempos

Sem menosprezar Fukushima, a mudança em Baden-Württemberg estava já madura. Desde Outubro, as sondagens admitiam a possibilidade de vitória dos Verdes e SPD. Os ecologistas oscilavam entre 24 e 26 por cento. Decisiva foi a queda de cinco pontos da CDU.

Em Setembro, uma sondagem do Instituto Forsa fez sensação: pela primeira vez, os Verdes superavam o SPD a nível nacional - 24 por cento das intenções de voto contra 23 do SPD, enquanto a CDU estagnava nos 31 e os liberais estavam, com cinco por cento, no limiar da marginalização. O SPD recuperou entretanto o segundo lugar.

O diário económico Handelsblatt comentou na altura: "Sondagens não são resultados eleitorais. É possível que o SPD recupere e o FDP ainda não morreu. Mas a vaga de aprovação dos Verdes não pode ser apenas explicada pelo triste estado da concorrência. Em 1983, quando os Verdes conquistaram os primeiros mandatos no parlamento federal, eram outsiders, em termos políticos e de comportamento. Hoje, eles estão no centro da sociedade porque os seus temas tornaram-se consensuais. Representam a classe média urbana: liberal, preocupada com o ambiente, cosmopolita, tolerante e interessada da equidade social."

O fenómeno é mais fundo: "Estamos talvez a testemunhar um decisivo ponto de viragem, porque hoje, com a mudança climática e a crise dos recursos globais, a revolução verde industrial é a única estratégia promissora que nos resta."

Os Verdes já não são "inimigos do progresso". É sob o signo da ecologia que as mutações industriais da próxima década se vão processar, escreve a revista económica francesa L"Expansion. "Os verdes têm um passo de avanço em muitos temas centrais da nossa época, um capital político que tem futuro."

Estão em confronto com as associações industriais, sobretudo quanto à política energética. Mas alguns já os homenageiam. Klaus Engel, presidente da federação da indústria química alemã, declara: "Estou muito reconhecido ao movimento ecologista. Foi graças à sua acção que o desenvolvimento sustentável se ancorou nos nossos processos de produção." Martin Winterkorn, CEO da Volkswagen, não fica atrás. O automóvel eléctrico é o que permitirá ao seu grupo manter-se na ponta da indústria. "Para o alcançar, é imperioso ser líder no domínio ecológico."

Os Verdes já não são um epifenómeno, declara o analista Thomas Peterson, do Instituto Allensbach. "São arrastados por uma extraordinária corrente que reflecte o ar dos tempos."

Partido-charneira

Os Verdes não se vão provavelmente transformar num partido popular e de massas como a CDU e o SPD, prevê Manfred Gülner, analista do Forsa. Os seus adeptos têm um nível alto de educação, pertencem dominantemente às classes médias urbanas, às profissões liberais e ao funcionalismo público. É um partido da Alemanha ocidental e das grandes cidades.

"O eleitorado verde deslocou-se das margens da sociedade para o seu centro", assinala o politólogo Franz Walter, da Universidade de Göttingen. "O meio dos rebeldes de 1983 deu lugar a uma nova sociedade de elite e constitui (...) o meio por excelência da burguesia intelectual das gerações nascidas nos anos 50 e 60."

De facto, os Verdes não sonham ser um partido de massas, querem ser o partido que impõe a agenda e as ideias. Oscilaram entre ser uma partido-nicho, na linha dos fundi, ou serem um partido-charneira, que escolhe as suas coligações, a opção dos realo. A conclusão deste percurso será determinante.

A sua política é a da "dupla abertura", à esquerda e à direita. Fizeram alianças regionais com o SPD, a CDU ou o FPD, e a nível federal com o SPD. Os aderentes dos outros partidos têm sobre eles uma opinião positiva: 79 por cento no SPD, 56 na CDU. Uma coligação com a CDU seria a mais desejada pelo eleitorado alemão, mas tem um preço elevado, a começar por um acordo sobre o nuclear.

A vitória em Baden-Württemberg abriu um novo ciclo e será um teste de fogo à sua capacidade de governação: anular Stuttgart 21 custará tanto como o concluir, dados os contratos assinados, e o SPD é um defensor do projecto.

Renate Künast explicou à Newsweek, a propósito das negociações mundiais sobre o ambiente: "Os países industriais têm de ir à frente. Sejamos ambiciosos mas metas da redução [das emissões de gases] e adoptemos medidas para as alcançar. Façamos o que é correcto, não interessa o que os outros fazem. É a Alemanha que deve liderar este tipo de mudança. E mostrar que os países altamente desenvolvidos e industrializados podem viver, transportar e produzir de uma maneira diferente."

É a nova "ambição alemã". Fukushima e a Líbia jogam certamente a seu favor.

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