"A arquitectura tem um lado de impulso, de incoerência, de emoção"

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Eduardo Souto de Moura no seu atelier da Rua das Flores enric vives-rubio

Não sabe ainda que mudanças o Pritzker 2011 lhe vai trazer, mas, para já, dar às pessoas que trabalham no seu atelier ou que com ele se cruzam na rua uma razão para sorrir já é suficiente. Eduardo Souto de Moura acaba de ganhar o maior prémio a que um arquitecto pode aspirar, mas continua a dizer que a arquitectura também é primária, como as cartas de amor

Terça-feira, 16h. No seu atelier da Rua das Flores o telefone não pára de tocar e a campainha da rua ouve-se constantemente. Eduardo Souto de Moura já sabia há duas semanas que seria o Pritzker de 2011, mas o anúncio oficial foi feito há menos de 24 horas. Pela segunda vez, um português foi admitido no clube dos melhores arquitectos do mundo, recebendo o prémio da Fundação Hyatt. E depois de um dos seus mestres, Álvaro Siza (1992).

Chegou a Lisboa na véspera vindo de Paris e a divulgação inesperada do prémio (o Pritzker contava anunciá-lo apenas a 11 de Abril) obrigou-o a dar uma conferência de imprensa no Hotel Florida. "Fiquei contente por mim e pelas pessoas com quem trabalho", diz Souto de Moura ao P2. Subindo o Chiado, entre a Bertrand e a Brasileira, onde foi comprar os jornais, recebeu sorrisos e "parabéns" de muita gente e isso deixou-o feliz. Agora quer acabar as obras que tem paradas em Portugal e espera que o prémio lhe permita escolher mais o trabalho que faz.

"Porque é que na arquitectura é preciso inventar?", pergunta este arquitecto de 58 anos que diz ter dois problemas: fumar e pensar. "A arquitectura só precisa de, com o que tem, fazer bem."

Hoje está em Milão. Faz parte de um grupo de arquitectos que foi chamado para uma conversa sobre uma urbanização com projectos de Zaha Hadid e Daniel Libeskind. O promotor do empreendimento quer um edifício simples.

Acaba de receber o Pritzker, entrando para o clube restrito dos melhores, numa altura em que Portugal está mergulhado numa crise política e económica. Que lições de optimismo pode a arquitectura dar ao país?

Portugal não é só os governos que caem ou não caem, nem os mercados que definem os juros. Isto está a pôr-nos malucos. Fiquei muito contente, porque não sonhava ter isto. Fiquei contente por mim e pelas pessoas com quem trabalho. Está tudo muito agastado e isso nota-se, até no meu escritório. As pessoas não sabem qual é o futuro. Para já praticamente ainda não despedi ninguém, mas alguns arquitectos despedem aos sete, oito, dez. Há uma inquietação geral que se reflecte no trabalho e na maneira de estar.

Alguns clientes telefonaram-me ontem muito contentes, o Cavaco [Silva] diz que é um orgulho para Portugal... No pequeno percurso que fiz entre a Bertrand e o escritório muita gente me cumprimentou com um sorriso como que a dizer "hoje aconteceu alguma uma coisa boa".

E foi a arquitectura que conseguiu isso...

Sim, mas há outras artes. Estive no júri do Prémio Pessoa há pouco tempo e há imensos campos em que os portugueses são bestiais. A ciência, por exemplo. As mulheres são notáveis na ciência.

Há muitas coisas optimistas, como a literatura e a pintura.

Mas no caso da arquitectura a excelência parece particularmente evidente. Qual foi a estratégia para chegar a este patamar?

No Porto, há uma coerência desde o Carlos Ramos. É a história oficializada. Realmente há uma continuidade e um ambiente que se criou. Não sei como é que esse ambiente se cria cientificamente. Parece que o Carlos Ramos era brilhante. As histórias que oiço do Siza dizem-me que ele conhecia os professores e os alunos como as suas mãos. Via os seus trabalhos e os seus defeitos. Um dia chamou o Siza, que era um aluno medíocre, e disse-lhe: "Tu és bom, mas és muito inculto. Tens de comprar umas revistas alemãs." Siza diz que [a partir daí] ficou marcado com o trabalho do [finlandês] Alvar Aalto e nunca mais quis ver outra coisa.

O que é certo é que foi um director da escola que viu o desenho de um aluno e disse: "Isto é bom, mas é pouco culto e imaturo." E depois olhou para os professores antigos e disse-lhes que eram muito bons, mas para as Belas-Artes e foi buscar os Távoras e aquela geração.

Foi um suceder de coisas. Primeiro o Siza com o Távora e depois o boom só com o Siza. Aparece como figura de divulgação internacional devido ao [Nuno] Portas - foi ele que lançou o Siza, nos Encontros de Tomar, em que vinha cá o [Rafael] Moneo e outros... Não é por ser meu amigo, mas, a partir daí, tudo se passa à volta do Siza, quer no Porto, quer em Lisboa. O Siza é a figura central para trás e para a frente. O Távora tem interesse, porque é o personagem que faz a história ao contrário - não lhe interessa receber de fora, mas vai-se informar. E depois faz pontualmente uma arquitectura que é vanguarda. Costumo dizer que o Távora acerta o passo com a história.

Pensa em si, de vez em quando, como alguém que vai ficar como um mestre?

[Risos] Não, a sério que não.

Nem quando está a ensinar os seus alunos?

Não. Penso dar-lhes instrumentos para decidirem. E digo-lhes o que penso. Acho que uma boa escola é aquela em que os professores dizem o que pensam e o aluno, que não é pateta, vai decidindo: "Este tipo tem razão, este não tem." Aquela escola omissa e liberal que você pensa que existe não existe. É preciso provocar. E o aluno vai pensar para casa e depois reage. O bom professor é positivo, não tem de ter medo de dizer: "Para mim a arquitectura é assim."

E é assim que a qualidade se pode manter?

Não sou futurologista. A arquitectura está na moda, já esteve mais, mas continua a suscitar interesse. Há vários encontros de arquitectura portuguesa em que as gerações gostam de se comparar. No outro dia em Zagreb encontrei antigos colaboradores meus que não sabia o que estavam a fazer e assisti a seis ou sete conferências. E depois fiquei a pensar que não há assim muitos países com gente de trinta e tal anos a fazeristoe fiquei orgulhoso. Não sei qual é a receita, só sei que não é normal. É o ambiente. Eles são bons por eles próprios, mas depois é preciso aquilo despoletar.

Houve um ambiente no Siza, e ainda hoje há. Foram momentos de entusiasmo, porque havia essa empatia. O Siza ia lá fora e contava que tinha conhecido um tipo bestial que fazia umas coisas esquisitas chamado [Robert] Venturi. Eu lembro-me disto, isto é história.

Ainda é importante contar histórias nos ateliers?

É, mas está a desaparecer. Às vezes os meus colaboradores perguntam-me: "Eduardo, como era?" E eu digo: "Era muito bonito, mas agora temos de acabar isto até às seis." Falo-lhes mais nas viagens. Uma pessoa janta e eles pedem-me histórias e eu conto. Agora não é melhor nem pior, mas é completamente diferente. Há uma nova disciplina - que se pode chamar arquitectura ou não -, mas que não tem nada a ver com o que era antigamente.

Antigamente faziam-se caixilhos de riga e agora fazem-se de PVC. Os dois podem ter a sua dignidade, mas é preciso perceber o plástico. Agora é tudo à pressa, sem dinheiro, cheio de regulamentos. Mas há que construir uma disciplina assim, com estas regras. Uma pessoa joga bridge ou joga canastra... É por isso que eles querem muito saber como foi a minha formação. Eu transmito-a e baralho-me, porque não é fácil adaptar-me. Não quero ser romântico, mas era muito diferente.

É difícil gerir essa diferença?

Para mim é. Porque estou na charneira - fui formado de uma maneira e hoje ou fecho a loja, ou tenho de responder de outra. E custa-me. É cansativo, eu não fui formado neste pragmatismo. Fui formado a começar a trabalhar às duas da manhã, a jantar com o Siza nas Fontainhas, a jogar matrecos, a discutir quem era melhor, se o Mies van der Rohe, se o Alvar Aalto, e, à uma da manhã, começávamos a fazer uns cortes. Agora é diferente, tem outras coisas.

Hoje é tudo mais formal...

É diferente. Como as gerações. Não há gerações mais à rasca. Eu até acho que as gerações são melhores. Acho que sou melhor do que os meus pais e que as minhas filhas são melhores do que eu, têm menos defeitos...

Tendo em conta que há um grupo de excelência, porque é que a qualidade média da nossa arquitectura é tão frágil? Porque é que não se sente a qualidade nas nossas cidades?

Bom, isto é muito duro de dizer, mas acho que é um problema de cultura e de civismo. Dizia-me uma suíça que tinha visto a minha pousada [do Bouro] e que tinha gostado muito, mas que quase tinha morrido três vezes antes de lá chegar, porque nós não sabemos conduzir. E eu lá tentei explicar que somos latinos e tal, mas ela perguntou-me: "Não vos ensinam nas escolas que não se deve roubar, que não se deve passar traços contínuos?" E não se ensina. Há meia dúzia de coisas que não se ensina. Por exemplo, a ecologia tem um lado muito artificial, mas a ecologia inteligente poderia fornecer um bom senso à arquitectura que é a base da qualidade média. Depois, os génios arranjam-se, no Sudão ou em Nova Iorque. Mas a formação cívica é o que permite à Espanha ter uma qualidade média superior.

Uma vez um aluno disse-lhe que determinada coisa era banal, e o arquitecto respondeu-lhe que o banal é a coisa mais difícil a que um arquitecto pode aspirar...

É verdade. Essa é uma conversa perigosa...

Mas desafiadora?

E muito oportuna. Eu acho que Portugal é pequeno, os génios são poucos e ninguém pode assinar [projectos] em todos os metros. Os países, as cidades, o território precisam de monumentos, de ícones, comemorações, memórias colectivas, mas a base, o dia-a-dia [não é feito disso]. De manhã para me vestir não preciso de inventar um casaco - vou ao guarda-vestidos e escolho um. Para comer não preciso de um souflé do [Ferran] Adrià. E para sapatos há cinco ou seis marcas e chega. Porque é que na arquitectura é preciso inventar? A arquitectura só precisa de, com o que tem, fazer bem. Falo na banalidade nesse sentido. A arquitectura popular fez isso. E não foram precisos adjectivos.

Já abandonou projectos?

Muitos. Dei-me ao luxo de abandonar. Sou um privilegiado, porque dei aulas na Suíça e isso permitiu-me ter sempre o escritório coberto [financeiramente]. Há 20 anos, na Suíça, ganhava 1200 contos por mês. Dava para tudo. Onde é que eu arranjava 1200 contos por mês em projectos em Portugal há 20 anos?

Que projectos internacionais tem em curso, para além do laboratório da Novartis, na Suíça, e das torres de escritórios, em Espanha?

Fui despedido das torres, com a crise.

Porque é que foi despedido?

Disseram-me: "Agora vai-se embora, porque os seus pormenores são muito caros." Em Espanha não há direitos de autor, o empreiteiro decide o que quer. Cá também não há. A Europa aboliu os direitos de autor. No crematório que estou a fazer na Bélgica também foi o electricista que decidiu as luzes que ia usar... Bom, acabei uma casa em Barcelona. A Novartis, em Basileia, acaba em Setembro e o crematório também. Estou agora a fazer dois prédios em Bordéus e, em Itália, estou com o Siza no metro de Nápoles e a recuperar um palácio. E tenho no Médio Oriente um projecto. Mas não vai avançar. Fui lá há 15 dias e eles só dão metade da verba. Se conseguir fazer com essa verba... É o projecto de uma cidade que ganhei por concurso e que agora tem graça...

Porquê?

O príncipe tinha dito que queria os melhores e disseram-lhe que os melhores eram os Pritzkers. E o príncipe disse: "Então quero um Pritzker americano, um japonês e um europeu." E chega um tipo a Portugal e convida o Siza. E ele diz que não, que está muito cansado. E depois acrescenta: "Cá em baixo há um tipo cheio de energia e que se calhar pode fazer isso." Eles disseram que não podia ser, porque não era um Pritzker. E o Siza disse-lhes: "Eu acho que ele este ano vai ganhar." (Risos) E eles convidaram-me e eu, que não sou um Pritzker, ganhei o concurso.

Não era um Pritzker...

A primeira coisa que fiz foi telefonar para o ajudante do príncipe a dizer: "Você já tem o seu problema resolvido."

Que ciclo de trabalho se abre agora com o prémio?

Não sei... Mais trabalho não posso ter - estou no limite. Estou cansadíssimo e um bocado farto disto.

Melhor trabalho?

Posso seleccionar melhor, é evidente. Vivi quatro anos só com o projecto da Novartis. Peguei nos honorários todos e perguntei-lhes: "Paga-me ao mês? Dava-me jeito..." Há assim uns sítios que posso seleccionar.

Acho que vai ser igual... O que eu queria mesmo era acabar os projectos. Isto cá demora tanto, é tão cansativo e dá tanto trabalho fazer os projectos, começar a obra, e depois fica tudo parado. Gostava de acabar Viana [o Coliseu]...

E o Hospital de Todos-os-Santos vai avançar?

Gostava de fazer, se me derem mais terreno. Aquilo não cabe. É uma vergonha nacional.

Está em estudo prévio?

Não. Desde o concurso nunca mais se soube nada. Aquilo não cabe. Se for operado ao apêndice, abre a janela do seu quarto e está em cima do trânsito. Não cabe na cabeça de ninguém.

Aumentar a área do terreno é uma condição?

Cada fase que faço reduzo e ponho um piso. Sempre que recomeço o projecto, acrescento [em altura]. Qualquer dia é um arranha-céus. Depois há outro hospital, o de Évora, que está a acabar o projecto de execução. Nos dois trabalho com o [Alberto] Pineda, um especialista em hospitais, e com uma equipa de Lisboa, do Vaz Pinto, e outra do Porto. Nestas coisas é como nos estádios, é preciso perceber. E tenho ainda uma casa em Vila Moura, de que gosto imenso, por acabar...

No Algarve tem ainda o projecto no Convento das Bernardas, em Tavira...

Está a andar devagarinho. Não se vende nada. Não há nada mais caro do que um restauro. Na Trofa, se não há betão, fica em reboco, num convento não é assim, precisa mesmo de um certo cuidado. Mas para já não está a correr mal. E para mim é um projecto muito importante, porque tive de abrir 120 janelas...

O que para quem não gosta de desenhar janelas...

Exacto. É um projecto de que gosto muito.

Diz que continua a gostar mais de construir em Portugal. Porquê?

Gosto muito mais. Lá fora a comunicação é muito complicada. Aquilo é de tal maneira programado que, acabado o projecto, não se mexe em nada. E depois vou à obra, como na Novartis, e põem-me um crachá e só tiro fotografias. E não posso dizer nada. Como fui educado de outra maneira, em que a obra era uma coisa muito importante e nós íamos lá e fazíamos maquetas da obra e não do projecto... Havia uma lei que dizia que tudo o que não prejudicasse nem o dono da obra nem o empreiteiro podíamos trocar. E agora não.

Cá, ainda assim, a comunicação é mais fácil e a contabilidade também. Posso perguntar: "Se eu tirar estas torneiras, posso acrescentar ali?" Isto na Suíça dava logo um enfarte [risos].

Gosta de construir em Portugal, mas não tem nenhuma obra de raiz em Lisboa...

Tenho projectos. É por isso que tenho este escritório. Tive um ultimato. Tenho uma obra bastante grande no Príncipe Real [conjunto de edifícios para habitação] para um cliente que reconstruiu uma parte de Washington. Só que ele qualquer dia desespera: vai ao instituto do património e é aprovado, vai à câmara e chumba...

Disse já muitas vezes que não acredita numa arquitectura com grandes saltos e que prefere quando ela é quase anónima. O Pritzker premiou essa evolução na continuidade, mas vai tornar mais difícil o "quase anonimato"...

Não vai nada.

Acha que não vai ter jornalistas à sua espera quando aterrar em Milão?

Bom, eu sempre disse que essa palavra "quase anónima" era um pau de dois bicos. Primeiro, porque pode ser uma falsa modéstia, mas também pode ser operativa.

A Europa não tem futuro, só culturalmente. E a arquitectura vai atrás. O que é que vai acontecer? As grandes convulsões precisam de mudanças sociais. E vai ser em África... Ali é que vão ser as novas cidades, a nova arquitectura. Essa gente vai começar a ter dinheiro - ou melhor, já tem, mas gasta em ouro e palácios. Quando deixar de o fazer, pelos motivos a que estamos a assistir, vai começar a haver obra. E aí é que vai ser o grande desafio das ecologias, do petróleo, dos materiais. O resto são discursos de café. A mudança não vai passar por cá... Mas vai passar por arquitectos europeus.

Que podem ser radicais... A arquitectura pode ser radical e amável?

Sim. Mas a amável é muito difícil, porque pode ficar delico-doce.

Mas rigor disciplinar não que dizer que a arquitectura não seja capaz de se aproximar das pessoas...

Isso custou-me muito a perceber, mesmo em relação a mim. Funcionou muito o tempo. As casas que faço hoje são muito menos radicais, mas isso não me preocupa nada, porque fui percebendo outras coisas. O problema da luz é uma coisa que me afectou muito. As casas eram uma composição quase pictórica - fazia uma casa quase como o Mondrian fazia um quadro. As casas boas são as mais naturais.

Para assinar, vir nas revistas e ser famoso é preciso ser radical e fazer assim. Mas chega-se a uma altura em que se pensa que se vai trabalhar mais cinco ou dez anos e em que se gostava de experimentar outras coisas. E, pelos vistos, fazer assado também dá prémios. Foi o que me aconteceu.

Não há regras para pensar - as pessoas têm de esgotar o objecto. Acho que a melhor definição que encontrei de arquitectura foi a que fiz com o Ângelo [de Sousa] na Bienal de Veneza [Pavilhão de Portugal, 2008]. Dizíamos que a arquitectura tinha de ser fria como um icebergue. Mas o que é certo é que o icebergue para se aguentar tem de ter o dobro do tamanho invisível. É evidente que a arquitectura tem uma parte que não se vê, que a sustenta. A arquitectura não é uma porta com uma janela. Mas se uma pessoa pensa na parte que não se vê está tramada. É uma operação quase mecanicista que depois adquire uma mais-valia que não pode ser premeditada ou dirigida. É intuída. Algumas das pessoas mais inteligentes que conheci não conseguiram fazer arquitectura.

Por causa do lado intuitivo?

Não. Porque isto tem um risco e um lado pataqueiro como tudo. Um lado primário, como as cartas de amor do [Fernando] Pessoa. De impulso, de incoerência, de emoção.

Mas a sua é profundamente intelectualizada, porque está carregada de uma leitura muito pessoal da história da arquitectura...

Os meus problemas são fumar e pensar. Mas eu não tenho de impingir isso aos outros.

O júri do Pritzker compara a sua arquitectura à poesia, porque diz que também ela exige um tempo e uma sensibilidade especiais. Há uma intenção poética na sua arquitectura?

Não, nenhuma. O acto voluntário em arquitectura não existe, tal como o Pessoa não se sentava no Martinho a pedir uns bagaços e a dizer: "Ora agora vamos escrever uma poesia." Não é assim. Quem disser "Eu vou fazer uma casa integrada", é um desastre; quem disser "Eu vou fazer uma obra poética", é um desastre. A única coisa que pode dizer é: "Eu vou fazer arquitectura."

O júri do Pritzker refere essa honestidade na sua obra, mas fala também em seriedade, arrojo, inteligência...

A arquitectura, como tudo na vida, precisa de um certo sabor de mentira. O meu pai dizia que só gostava de dois tipos de pessoas - dos amigos e dos hipócritas. A arquitectura também é assim. A pedra que uso, por exemplo, é quase toda falsa.

Que arquitectura lhe interessa mais hoje, para onde é que olha?

Olho muito para o [Aldo] Rossi. Primeiro os textos - preciso de ler sobre arquitectura. Ele era um grande arquitecto e um grande escritor. A cidade cada vez mais tem a ver com a cidade histórica, onde as pessoas querem viver e onde o metro quadrado é mais caro. Também gosto do Venturi, mas as últimas obras são um bocadinho excessivas, tenho pena.

Alguma coisa o emocionou, recentemente?

Não recentemente. Mas houve uma viagem ao Irão... Persépolis é uma emoção. Mas a arquitectura antiga é fácil. O tempo faz muitas coisas. Para dizer algo novo, que me tenha emocionado, tenho de falar da igreja do Siza no Marco de Canaveses [1996]. Ver as portas abrirem na missa inaugural [foi emocionante], ver o cenário habitado.

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