Ainda podemos escolher?

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O debate político está polarizado entre duas posições que só podem conduzir ao desastre e ao declínio nacional

O debate político em Portugal está polarizado entre duas posições que só podem conduzir ao desastre e ao declínio nacional. De um lado estão os que apresentam o aperto orçamental como a única forma de estancar a crise de dívida soberana em que estamos envolvidos. Do outro, os que protestam contra esse aperto e clamam por crescimento e emprego, ignorando que estamos face a um gravíssimo estrangulamento da capacidade de financiar não só investimento mas salários. O que precisamos de facto é uma acção enérgica para impedir que este estrangulamento leve ao colapso, e para explorarmos em seguida as margens de escolha nacional que ainda nos restam, no sentido de melhor combinar retoma do crescimento e da criação do emprego com reequilíbrio orçamental.

Fazer face ao estrangulamento financeiro implica usar toda a panóplia de instrumentos que nos permitam emitir dívida até às eleições, no pressuposto de que uma clarificação política permitirá em seguida fazer descer as taxas de juro para níveis mais razoáveis. Mas há também que garantir que o país se mantém nas condições políticas de aceder ao Fundo Europeu, como último recurso, sabendo que ele só actuará na base de compromissos firmes e claros. Só o Presidente da República pode co-responsabilizar os partidos com vocação governamental por essa garantia, em troca da promessa de eleições. Sem isso ficamos sem rede de segurança para atravessar este período de alto risco.

Mas há desde já que discutir também como alargarmos a margem de manobra para voltarmos a crescer, reequilibrando o Orçamento e a nossa balança externa, sabendo de antemão que os primeiros anos vão ser difíceis. Para isso, há que começar por conhecer as novas regras europeias em que nos vamos mover, saber tirar partido delas, e saber também discuti-las enquanto Estado-membro de parte inteira. É impressionante a quantidade de mal-entendidos que existem no debate nacional, só porque estas novas regras não são conhecidas.

A última cimeira europeia falhou quanto ao esperado reforço e flexibilização do Fundo de Estabilização Financeira em vigor, mas tomou medidas de longo alcance no sentido de reforçar o pilar económico da União Económica, demasiado frágil desde a sua nascença nos anos 90. Foi acordada a criação, a partir de 2013, de um mecanismo permanente para lidar com os riscos da dívida soberana, dotado de capital próprio, capaz de emitir euro-bonds para accionar vários intrumentos de apoio, incluindo a compra de dívida pública nos chamados "mercados primários". Este dispositivo de solidariedade interna na zona euro foi aprovado com a contrapartida de todos os seus Estados-membros se comprometerem com um novo pacto, chamado Pacto Euro Mais, que requer mais disciplina orçamental e mais coordenação e convergência das políticas económicas, sociais e fiscais, que passarão a ser supervisionadas quanto aos desequilíbrios macro-económicos e quanto às reformas estruturais.

É neste novo quadro que, em Abril próximo, todos os Estados-membros deverão submeter às instâncias comunitárias, para coordenação prévia, os seus PEC e os seus programas nacionais de reforma. Estes programas visam traduzir para o plano nacional a nova estratégia de crescimento e emprego, chamada Europa 2020, que tem em vista a promoção de um novo tipo de crescimento, mais verde, inteligente e inclusivo. Assim se podem resumir algumas dezenas de documentos recém-aprovados, que procederam à maior reforma de sempre da governação económica da UE, decisivos para o nosso futuro, mas quase desconhecidos entre nós.

É fundamental reconhecer à partida que este novo enquadramento está marcado por um enviesamento que dá mais importância à disciplina orçamental e à competitividade do que ao crescimento, ao emprego e à promoção da convergência real, comportando portanto o risco de aumentar as divergências internas europeias. Mas é em face destas novas regras que teremos de conquistar o nosso espaço. Começando por ir à negociação europeia não só com um PEC, mas também com um programa nacional de reformas capaz de relançar o investimento, o crescimento e o emprego, com um argumento simples mas eficaz: todos os Estados-membros, e não só alguns, devem ter condições para implementar esta estratégia Europa 2020, sob pena de a Europa se contradizer nos seus próprios termos.

Isso implica também que os objectivos de consolidação orçamental que devemos fixar não deveriam nem sufocar investimentos críticos em educação, inovação e energia, nem fragilizar a nossa rede de protecção social. Isso implica também que para reduzir os nossos desequilíbrios macroeconómicos devemos certamente reduzir o endividamento privado e estimular a poupança, mas devemos resistir a um aumento da competitividade baseado na redução dos salários e dos benefícios sociais. Este aumento é imprescindível, mas deveria estar baseado numa lógica de mais valor acrescentado, de mais qualificação e de mais eficácia geral dos nossos sistemas económico e social para o produzir.

Mas toda esta nova estratégia negocial para abrir caminho ao nosso desenvolvimento no novo quadro europeu só será credível e eficaz face aos nossos parceiros europeus, se estiver baseada num processo de assunção de responsabilidades envolvendo cidadãos e empresas, sociedade civil organizada, mas, sobretudo, os partidos políticos, que deviam existir para nos representar. É bom que se perceba que é este, e não outro, o debate que deveria ter lugar agora em Portugal. Conselheira junto das instituições europeias

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