O direito e o avesso da crise política

O país pode pagar caro os custos de uma ajuda externa, mas limpará um clima feito de suspeitas e traições

Bastaram 12 dias para que uma crise política larvar há quase um ano desse lugar ao clima de deliberada hostilidade que hoje poderá determinar a queda do Governo de José Sócrates. Foi uma crise não prevista, repentina, como notou ontem o Presidente da República, mas a forma como evoluiu em poucos dias até tornar impossível a permanência no poder de um governo minoritário mostra até que ponto o país político viveu todos estes meses num mundo de fantasia hipócrita. Uma demonstração da falta de boas maneiras e de respeito pelas formalidades da democracia é por si um facto grave, mas não bastaria para fazer cair o Governo, se a coexistência entre o PS e o PSD, entre José Sócrates e Passos Coelho, não se tivesse transformado nos últimos meses numa relação envolta num ambiente de desconfiança, de medo mútuo de continuada suspeita de traição. Infelizmente, as máscaras caíram num momento sensível, quando a União Europeia negoceia uma solução para a crise da dívida soberana que poderia poupar o país às agruras dos pacotes aplicados à Grécia e à Irlanda. Os custos desta aventura poderão, por isso, ser vultuosos. Mas se é obrigatório encarar os custos iminentes de um programa de ajuda externo a curto prazo, vale também a pena aceitar que a clarificação que eventuais eleições podem trazer à vida pública terá também o seu lado positivo. Acabará com as encenações hipócritas e permitirá ao sistema político limpar, ou atenuar, o ódio e a suspeição que o contamina. A curto prazo, os danos poderão ser graves para a estabilidade do país, mas convém manter um grau mínimo de lucidez e constatar que a velhacaria da actual relação política não nos levaria a lado nenhum.

O pior de todos os perigos

As operações militares em curso na Líbia são plenamente justificadas no plano moral, como já aqui se defendeu. A inacção era inaceitável em face do massacre anunciado dos rebeldes. Agir significou assumir as responsabilidades e os riscos. Mas agora, que se tornou evidente que a solução do problema líbio não vai ser fácil, é necessário assumir a responsabilidade de enfrentar as dificuldades que se apresentam. Isso não está a acontecer. Neste momento, não há sequer consenso sobre quem dirigirá a operação. Estas divisões provam que o pior de todos os perigos é não existir um acordo claro sobre os objectivos a atingir. A mudança de regime é assumida explícita ou implicitamente pelos protagonistas. Mas o grande problema é como operar essa mudança. Khadafi tem força para resistir e uma zona de exclusão aérea não é suficiente para o derrubar. Nem os rebeldes têm capacidade para o fazer. Aos ataques dos primeiros dias segue-se um período de fricção, de duração imprevisível, ao longo do qual a Líbia ficará efectivamente dividida em duas partes. O Ocidente terá que construir uma estratégia adequada a este cenário de conflito prolongado que se advinha como o mais provável. A coragem de agir terá sido inútil, se não for possível encontrar essa estratégia.

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