"A Nespresso é vítima da especulação"

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Fábrica em Portugal é uma possibilidade dr

A Nespresso pondera um novo aumento de preços, mas diz que não vai sofrer com a crise. A localização da nova fábrica, para a qual Portugal é candidato, será decidida no fim do ano

Nasceu na Suíça, expandiu-se em França e na Áustria, depois no resto da Europa e agora um pouco por todo o mundo. A publicidade com George Clooney e John Malkovitch deve ter ajudado, e a Nespresso celebrou os seus 25 anos no mercado com um crescimento de mais de 20 por cento das vendas no ano passado. Por ocasião da apresentação de resultados na cidade suíça de Lausana, onde a empresa tem sede, o PÚBLICO falou com o seu presidente executivo, Richard Girardot, desde 2007 à frente de um dos negócios mais lucrativos da multinacional suíça Nestlé.

Vivemos numa época de grande crise global, seguida de uma grande subida dos preços dos alimentos, incluindo do cacau. Isso é um problema para a Nespresso?

Há ano e meio o saco de arábica de 64 quilos estava a 120-130 dólares. Antes do desastre do Japão o saco estava 295 dólares. Desde terça-feira, caiu 25 dólares por saco. Porquê? Não me pergunte, porque não sei.

Os japoneses bebem muito café?

Sim, bebem muito café, mas isso não justifica esta queda. Há outras questões. Há razões climáticas: houve geadas no Brasil e na Colômbia, que são dois grandes produtores. A segunda questão é que, face à instabilidade económica, à crise económica, alguns especuladores, uns senhores nuns escritórios com tapetes, começaram a especular com matérias-primas.

Pensam aumentar preços?

Ainda não tomámos uma posição definitiva sobre uma subida de preços. Paradoxalmente, o nosso principal problema não é o preço, é o abastecimento, devido aos problemas climáticos, com os nossos padrões de qualidade do produto, para assegurar a nossa produção, de um pouco mais de seis mil milhões de cápsulas por ano.

A Nespresso sente-se também uma vítima da especulação?

Sim, isso é claro. A Nespresso, como todos os actores no sector do café e do chocolate.

Perspectiva-se uma recessão em Portugal. A Nespresso poderá ser afectada?

As pessoas não vão deixar de beber café por causa disso. Na Grécia, que está numa situação mais complicada que a portuguesa, não deixaram de consumir café. Temos taxas de crescimento muito fortes. As pessoas refugiam-se num produto de conveniência, de conforto, de luxo e acessível, em casa.

São uma marca de luxo?

Não.

Falou de luxo...

O café é um produto de primeira necessidade, entre aspas. É um produto que toda a gente bebe, de todas as classes sociais. Temos de facto uma imagem mais premium. Luxo? Sim, alguns dizem luxo. Mas é a imagem, não é o produto. E a imagem apoia-se num produto de excepção. O "luxo" é perigoso, porque pode colocar-nos num nicho e não somos um produto de nicho. É um produto de luxo, mas não é luxo.

A Nespresso parece estar a tornar-se uma marca global. Que peso têm as receitas e lucros da Nespresso nos da Nestlé?

Não posso responder sobre os lucros. As vendas são perto de três por cento. Fazemos parte do grupo de marcas mais lucrativas, mas há outras ainda mais.

Qual é o ponto da situação sobre a possibilidade de investimento da Nespresso numa fábrica em Portugal?

Reflectimos sobre uma terceira fábrica e sobre diferentes localizações. E houve um político local [o presidente da Câmara de Gaia, Luís Filipe Menezes], que me parece que precisava de notoriedade, que talvez tivesse eleições a aproximarem-se, não sei, e que falou. Há várias hipóteses em termos de países, estamos a considerá-las. Estamos a fazer comparações, não tanto financeiras. A ideia é talvez não fazer a nova fábrica na Suíça para estar mais próxima de um centro de consumo forte ou de uma acessibilidade ao centro do consumo. Para exportar as nossas cápsulas, será mais fácil estar junto a um porto. Isso faz parte das hipóteses de trabalho. Poderemos também pensar num local próximo de uma facilidade logística. Depois há a questão de saber se queremos ficar na Suíça [onde estão as duas actuais fábricas]. Não será tomada nenhuma decisão antes de perto do fim do ano.

Havia dois locais próximos do Porto a ser considerados, Gaia e Paredes...

Há um local que nos interessa mais do que outro. Os dois próximos do Porto, porque há um porto.

E porquê o Porto?

Há uma fábrica da Nestlé não muito longe [em Avanca, Estarreja] e interessa-nos conseguir beneficiar das suas competências.

Sabe se para os consumidores é importante que a cápsula seja made in Swiss em vez de made in Portugal?

Para alguns países, sim. Seja em Portugal ou num outro país [que não a Suíça], não é nada contra Portugal. Made in France ou madein Belgium pode fazer diferença face ao made in Swiss? Nalguns países, sim.

Que imagem tem do mercado e dos consumidores portugueses?

Portugal é historicamente um ponto-chave de ancoragem para a Nespresso. Pelo volume (somos líderes em Portugal) e em termos de imagem, porque os vossos consumidores são "peritos". Portugal tem a cultura do café, e em particular do expresso. E é importante sermos líderes nos países onde há a cultura do expresso.

Houve uma ligação entre os portugueses na Suíça e em França e a introdução da Nespresso em Portugal?

Isso é claro. Os portugueses que regressaram da França e da Suíça "levaram" o sistema consigo. Portugal é um país onde desenvolvemos o modelo da Nespresso e que tem a particularidade de ter um concorrente local muito forte, que fez um copy-paste perfeito do nosso sistema e do nosso modelo - lojas, sistema, cápsulas, é exactamente o modelo Nespresso. Isso é uma particularidade.

Essa concorrência é forte?

Sim, tem um peso inegável no mercado. Tem uma notoriedade local e um poder de fogo gerado a partir do seu grupo empresarial... Mas desde que lançou o seu sistema gerimos isso. Depois dessa primeira vaga, chegaram outros... Para mim, a particularidade de Portugal é que há locais e internacionais.

O PÚBLICO viajou a convite

da Nespresso

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