Sírios gritam pela primeira vez "revolução"

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Os funerais reuniram 10 mil pessoas em Deraa AFP

Afinal, a "Primavera árabe" chegou a Damasco. À violenta repressão das manifestações de sexta-feira, que fez cinco mortos, seguiram-se gritos de "revolução" nos funerais de duas das vítimas em Deraa, a sul da capital. Na prisão, dez activistas políticas detidas desde quarta-feira iniciaram uma "greve de fome ilimitada".

Em Deraa, as forças do regime responderam com nova violência, dispersando a multidão com gás lacrimogéneo e prendendo "dezenas de pessoas", disse à AFP um activista dos direitos humanos. A cidade "está em efervescência", descreveu. O Governo anunciou um inquérito às mortes de sexta-feira.

"Revolução, revolução. Levanta-te Hauran", gritou-se nos funerais, que reuniram 10 mil pessoas. Deraa é a capital da região de Hauran e nos últimos anos acolheu um milhão de pessoas que a crise de água no Leste obrigou a deixar as suas casas. Mas a província, em tempos o celeiro do Médio Oriente, também já foi afectada pela falta de água e os peritos dizem que a fraca gestão de recursos por parte do Estado fez piorar a crise.

Mais calmas estiveram ontem as ou- tras cidades onde houve protestos na sexta-feira: Damasco, Banias (no Noroeste), Homs (Oeste) e Deir al-Zur (Leste). Alguns destes protestos não reuniram mais do que centenas de pessoas (como já acontecera na terça-feira, quando, pela primeira vez, se gritou contra o regime em Damasco), mas não têm precedentes no país que muitos analistas estimavam estar imune à onda de contestação que varre desde Dezembro o mundo árabe.

Não falta hoje à Síria nenhum dos ingredientes que desencadearam as revoltas na Tunísia, no Egipto ou na Líbia: a pobreza afecta 14 por cento dos 22 milhões de habitantes, há 20 por cento de desempregados, metade da população tem menos de 30 anos e o Estado é visto como corrupto. Mas a população é muito mais heterogénea e o regime é ainda mais repressivo, pelo que a oposição ou está no exílio ou se encontra dispersa. Para além disso, o Exército (que tanto na Tunísia como no Egipto travou a repressão ordenada pelos líderes entretanto depostos) aqui confunde-se com o regime.

Os acontecimentos da última semana poderão ter sido um ponto de viragem. Depois de uma série de falhados apelos a "dias de raiva", marcados através do Facebook por opositores no exílio, desde terça-feira que os protestos não param, entre manifestações mais ou menos espontâneas à saída das orações e concentrações de familiares de presos políticos.

Quarta-feira, as autoridades prenderam dezenas de pessoas na capital. Na prisão permanecem 32, incluindo as dez mulheres em greve de fome. Já na sexta-feira, as forças de segurança usaram canhões de água, bastões e disparos para atacar os manifestantes. De Damasco a Deraa, os slogans usados adulteram uma das máximas do regime: "Deus, a Síria, liberdade e nada mais", gritaram os manifestantes, em resposta ao habitual "Deus, a Síria, Bashar e nada mais", em referência ao Presidente Bashar al-Assad.

"Ninguém tem a certeza do que vai acontecer a seguir", escreve a Foreing Policy. A repressão pode estar a matar o protesto, mas se "algumas almas corajosas estiverem dispostas a arriscar a inevitável mão dura do regime, ficará claro na Síria como é profundo o desejo de mudança". Sofia Lorena

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