Quando a moda chega às árvores

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NELSON GARRIDO

O criador Celsus chama-lhe uma nota de alegria a destoar do pessimismo global. Cem idosos de Aveiro ajudaram a criar as roupas que, desde sexta-feira, vestem 16 árvores da cidade

a Não é que se tema o frio - a Primavera até está aí a chegar - mas Aveiro aceitou o repto de um criador local, Celsus, e está a vestir algumas árvores da cidade. A ideia, que começou a ser visível na rua esta sexta-feira, transformou a mesa da sala de convívio do Centro de Dia da Associação de Melhoramentos de Eixo, em Aveiro, numa verdadeira linha de montagem. Maria do Rosário, de 88 anos, corta os tecidos em pequenas fitas, ao mesmo tempo que Casimira Pereira, de 78 anos, e Salomé Magalhães, de 83, vão alinhando e incorporando as fitinhas de trapos numa outra peça de pano. Roupa para um modelo improvável.

Desengane-se quem possa pensar que esta é mais uma actividade de ocupação de tempos de livres igual a tantas outras que se vão cumprindo nesta instituição que presta apoio aos idosos da freguesia. "Temos prazos para cumprir e a "chefe" não nos dá descanso", testemunha Salomé Magalhães, para demonstrar a seriedade com que encararam este trabalho especial. Aquela a que carinhosamente apelidam de "chefe" da linha de montagem é Fernanda Martins, ajudante de animação da instituição. Ela "é quem tem as ideias - nem deve dormir a idealizar as peças - e orienta os trabalhos", garante Maria do Rosário.

Assim acontece ao longo de praticamente todo o ano, mas, no último mês, a "chefe" não teve mãos a medir na orientação do trabalho que era feito na "linha de montagem". O desafio era grande de mais para que pudesse dar azo a falhas. Num curto período de tempo, esta instituição de solidariedade social, como outras oito associações congéneres do concelho, teve de idealizar e conceber uma decoração para duas árvores da cidade. A ideia partiu do estilista aveirense Celsus, que decidiu embelezar o espaço público da cidade da ria, "vestindo" as árvores e vários elementos do mobiliário urbano espalhado pelas artérias centrais e mereceu o aval da câmara municipal - ao abrigo de um concurso de ideias para animar o espaço público.

Nesta primeira fase, e coincidindo com a Primavera, o projecto centrou-se nas árvores - desde a passada sexta-feira que 16 castanheiros-da-índia, jacarandás e ulmeiros estão decorados com os trabalhos manuais elaborados por cerca de cem idosos do município -, perspectivando-se que, numa fase posterior, possa alargar-se a outros elementos urbanos. "A ideia é vestir também os postes de iluminação pública ou candeeiros", adianta o estilista Celsus, ao mesmo tempo que revela que, com esta intervenção urbana, tenta deixar "uma nota de alegria neste pessimismo global".

Idosos muito motivados

O criador que há alguns anos ousou vestir a estátua de José Estêvão não tem dúvidas de que Aveiro está, agora, mais "alegre", pela cor que salta à vista dos espécimes instalados na área urbana central. Na certeza de que o projecto, designado Vestir Aveiro, vale também pelo envolvimento e motivação que conseguiu reunir junto dos idosos das instituições de solidariedade social do concelho.

"Estes cidadãos, que passam, agora, grande parte do seu tempo nos centros de dia, foram chamados a participar e a reverem-se no espaço onde desenvolveram as suas vidas", enaltece Maria da Luz Nolasco, vereadora da Cultura da Câmara de Aveiro, a propósito deste projecto de arte urbana. A expectativa vivida ao longo do último mês na Associação de Melhoramentos de Eixo confirma a ideia defendida pela vereadora. "Estiveram muito motivados e, agora, já só pensam em ir até ao centro da cidade para ver as suas duas árvores", refere Melânia Pinto, presidente da associação, ao mesmo tempo que desvenda que a viagem para visualizar o resultado final do trabalho desenvolvido ao longo do último mês está já a ser agendada.

Em breve, Maria do Rosário, Casimira e Salomé, juntamente com os restantes companheiros da "linha de montagem", estarão de olhos postos na Árvore das Avozinhas e na Árvore da Primavera, instaladas junto à biblioteca municipal. Foi das suas mãos que saíram as mais de 40 bonecas de trapos que embelezam o exemplar que a associação decidiu dedicar a todas as avós da cidade. E também foi com os seus dedos enrugados que reutilizaram garrafas e sacos plásticos para dar forma a flores e borboletas coloridas que decoram a árvore que tem como tema o respeito pela natureza.

Com este impulso envolvendo os idosos se criou uma espécie de exposição ao ar livre que a cidade de Aveiro tem, agora, para mostrar. E há outros projectos semelhantes na calha, um dos quais passa por pintar e decorar as passadeiras para peões do centro da cidade.

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