Corrupção na Arrábida julgada nove anos depois

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Nenhuma figura pública com casa no parque é arguida Foto: Nuno Oliveira

Nove anos depois do início das investigações judiciais, o escândalo da proliferação de moradias ilegais na serra da Arrábida - que rebentou no Verão de 2002 - começa a ser julgado no Tribunal de Setúbal na próxima segunda-feira. No banco dos réus vão estar 15 pessoas, sete acusadas fundamentalmente por corrupção passiva no exercício de funções públicas, e oito por corrupção activa. Estão arroladas perto de 130 testemunhas e já estão marcadas duas dezenas de audiências até Junho.

Concluída em Novembro de 2006, a investigação da Polícia Judiciária teve origem numa denúncia e nas numerosas reportagens publicadas na imprensa, com destaque para o PÚBLICO, no Verão e no Outono de 2002. Em causa estavam as condições em que tinha sido possível erguer, no perímetro do Parque Natural da Arrábida (PNA), um grande número de residências de férias - muitas delas luxuosas e pertencentes a empresários e figuras públicas - que não cumpriam as exigentes condições de licenciamento vigentes naquela área protegida, nomeadamente quanto à área de construção permitida.

Já em Março de 2008, o Ministério Público acusou 18 pessoas, incluindo Celso Santos, que fora exonerado das funções de director do parque após o início do inquérito, e Nuno Félix David, que também pertencera à direcção do PNA entre 1998 e 2001. Na lista dos acusados por corrupção passiva estavam igualmente uma arquitecta paisagista e um fiscal do parque, além de três fiscais da Câmara de Setúbal. Indiciados pela prática do crime de corrupção activa foram 11 outros arguidos, entre construtores civis e donos de casas feitas em violação da lei - graças à intervenção daqueles que tinham obrigação de zelar pelo seu cumprimento nos serviços do parque e da Câmara de Setúbal.

Destes 18 acusados iniciais, entre os quais não constava nenhuma das figuras públicas cujas residências tinham problemas de licenciamento, três viram afastadas, no termo da instrução do processo, em Dezembro de 2009, as suspeitas de corrupção activa que sobre eles incidiam.

Segundo o despacho de pronúncia então lavrado, os 15 arguidos que vão a julgamento cometeram um total de 14 crimes de corrupção passiva, oito crimes de corrupção activa, dois crimes de tráfico de influências e um crime de peculato. Celso Santos, que actualmente é funcionário do Instituto da Conservação da Natureza, responderá por um crime de corrupção passiva para acto ilícito e um de peculato. A Nuno Félix David, que além de se dedicar à pintura, como artista, exerce a actividade de perito avaliador oficial no distrito judicial de Évora, foram imputados quatro crimes de corrupção passiva para acto ilícito.

Favores pagos com arte

Quanto aos outros funcionários do parque, o fiscal João Pernão e a arquitecta Carla Russo, presentemente ao serviço da Câmara do Seixal, a pronúncia responsabiliza-os por três crimes de corrupção passiva.

Entre todos os acusados, o principal visado é o fiscal da Câmara de Setúbal Ilídio Sobral da Costa, que ainda se encontra ao serviço da autarquia e a quem são atribuídos cinco crimes de corrupção passiva e dois de tráfico de influências. Um dos outros fiscais municipais, Salustiano Rodrigues, reformou-se em 2006, e o terceiro, João Manuel Felício, foi aposentado compulsivamente em Novembro de 2005, após um processo disciplinar.

De acordo com a pronúncia, a actuação dos funcionários do PNA passava geralmente pela exigência aos donos das casas ilegais, ou àqueles que pretendiam obter a aprovação de construções que não respeitavam a lei, de projectos agro-florestais como condição para viabilizarem as suas pretensões. Essa exigência não tinha qualquer base legal, mas dava lugar à encomenda e ao pagamento do projecto a dois dos arguidos e à encomenda da execução a um outro, que além de fiscal do parque era dono de um viveiro de plantas. Nalguns casos, Nuno David, que é também engenheiro técnico agrícola, era compensado com a venda, por valores inflacionados, de quadros da sua autoria, comprados pelos proprietários das casas.

Quanto aos fiscais camarários, a acusação prende-se com a sua intervenção, contra pagamentos em dinheiro, para que as casas ilegais não fossem embargadas, ou os seus projectos tivessem pareceres favoráveis.

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