Luísa Sobral

Diana Krall já tinha começado a forçar o namoro entre os standards de jazz e a pop. Mas os seus discos continuavam a ser desconfiada e desconfortavelmente enfiados nas prateleiras do jazz. Quando Norah Jones apareceu em 2002, com "Come Away With Me", estalou o verniz e ninguém quis vê-la perto da mesma secção que albergava Billie Holiday, Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan. Quase se conseguiam perceber as veias a latejar descontroladas e salientes nos pescoços dos puristas. O que Jones fazia era pop e, para evitar confusões, havia que içar rapidamente as pontes levadiças e deixar que o fosso impedisse qualquer tentativa de contacto. Havia um medo, quase medieval, de contágio. A filha de Ravi Shankar nunca se importou especialmente com o facto. Não estava particularmente preocupada com a categoria que lhe teriam destinado. O disco de estreia de Luísa Sobral, embora não se permita os passeios pelas mesmas zonas vagamente soul e country que Jones junta à sua cartografia, surge nesse mesmo lugar de fronteira entre o jazz vocal e a pop. E também aqui não parecem detectar-se dores de cabeça antecipando o carimbo que lhe cairá fatalmente em cima. Luísa não está, como é evidente, no mesmo campeonato do jazz vocal que Joana Machado ou Sara Serpa. Luísa rodeia-se e fascina-se com os standards, mas avança com as suas próprias composições de construção pop, sem vestígio da carga dramática que se ouvia, por exemplo, em Billie Holiday. Luísa tem 23 anos e não tem vergonha de tê-los: apesar de este ser um disco de estreia seguro de si, sem hesitações, é assumidamente inocente e nem tangencialmente pretende ditar verdades sobre a vida. Para além de que a voz mostra um enorme potencial, de uma rouquidão que desliza pelas melodias como gente grande, e exibe uma noção de caminho, arriscando (e ganhando) fazer dixieland em português ("Xico"). "The Cherry on My Cake" é uma daquelas estreias que vale tanto por aquilo que já contém quanto por aquilo que prenuncia.

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