Cavaco arrasa Governo e apela ao "sobressalto cívico" dos portugueses

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Cavaco Silva e Jaime Gama, na cerimónia de tomada de posse Nuno Ferreira Santos

Cavaco Silva fez um discurso arrasador para o Governo tendo por base um país "submetido a uma tenaz". Readaptou a tese do "direito à indignação" de Soares, pedindo para os portugueses "despertarem da letargia".

Exortou os jovens para que "façam ouvir a sua voz". E traçou balizas à acção de José Sócrates, dizendo que "impõe-se" ao Presidente definir "linhas de orientação e de rumos para a economia nacional". Foi o discurso de posse politicamente mais violento de um Presidente desde 1976.

Nas bancadas do PS e do Governo, só houve motivos para sorrir durante a primeira parte do discurso na Assembleia da República, onde Cavaco fez o juramento de posse para o segundo mandato. E foi quando disse que a situação do país "exige uma especial cooperação entre as instituições democráticas". Ou quando fez a defesa de "um alargado consenso político e social" em torno de um "programa estratégico de médio prazo". Prometendo, ao mesmo tempo, ser "elemento moderador das tensões políticas e factor de equilíbrio" e "imparcial" perante o Governo e partidos.

O resto foi o que chamou "discurso da verdade" sobre "a situação de emergência económica, financeira e social". No final, não ficou pedra sobre pedra dos últimos anos de governação de Sócrates. Em números de "ganhos de nível de vida", foi "uma década perdida". A economia cresceu, em média anual, "apenas 0,7 por cento", pelo que Portugal se afastou dos seus parceiros europeus. O desemprego atinge 600 mil pessoas e nos últimos dois anos agravou-se. O défice externo "tem permanecido em valores perto dos 9 por cento", o financiamento do Estado faz-se com taxas "anormalmente elevadas".

Travar o TGV...

Da economia passou à falta de qualidade das "políticas públicas", que têm de melhorar, e a um autêntico programa de governo. "Neste contexto difícil, impõe-se ao Presidente que contribua para a definição de linhas de orientação e de rumos para a economia nacional", de modo a "encarar com esperança os desafios do futuro".

Apontou "princípios muito claros" para o fazer. Ao "nível estrutural", é produzir "mais bens e a preços que concorram" no estrangeiro, "estimular a poupança", travar a "concessão indiscriminada de crédito", fazer reformas estruturais para "diminuir o peso da despesa pública, reduzir a presença excessiva do Estado na economia" e fazer uma "gestão rigorosa e transparente" das contas públicas, além de garantir uma "fiscalidade mais simples".

O programa cavaquista continua com as medidas conjunturais, para fazer face à crise e combater o desemprego. Uma delas passa - disse-o indirectamente - pelo abandono das grandes obras públicas como o TGV e foi aí que PSD e CDS, partidos que apoiaram a sua reeleição, começaram a bater palmas. "Não podemos privilegiar grandes investimentos que não temos condições de financiar, que não contribuem para o crescimento e têm um efeito temporário e residual" no emprego. Em vez disso, é preciso apostar na "reabilitação urbana", ter "políticas activas de emprego", "reduzir o peso da despesa pública".

... e contra os boys

Depois, faltava a sociedade. A sociedade que "não pode continuar adormecida" perante os problemas. "É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, mais autónoma dos poderes públicos". Daí defender uma "clara separação" entre a "esfera pública das decisões colectivas e a esfera privada dos interesses particulares". Aplausos recebeu também do PSD e CDS quando defendeu que as nomeações para cargos na administração pública devem ser "pautadas" por "critérios de mérito e não pela filiação partidária".

Cavaco Silva visou então, sem o nomear, o Governo e os governantes, a exemplo do que fez na campanha sobre "as ilusões" do executivo: "Muitos dos nossos agentes políticos não conhecem o país real, só conhecem um país virtual e mediático." A política é de combate às desigualdades, afirmando que os cidadãos não aguentam mais medidas de austeridade. "Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos."

A palavra estabilidade foi usada duas vezes. Uma delas para dizer que é "uma condição que deve ser aproveitada para a resolução efectiva dos problemas do país", sendo desejável o tal "alargado consenso político e social" para um "programa estratégico de médio prazo".

Entrava-se na última fase do discurso com uma referência aos jovens, a quem dedicou a vitória nas presidenciais de Janeiro - algo que motivou risos na bancada socialista. O Presidente quer que os jovens "despertem" para a política. E a poucos dias da manifestação do movimento Geração à Rasca, Cavaco disse que a "geração mais jovem deve ser vista como parte da solução" dos problemas. Foi a eles, jovens, que fez um "vibrante apelo": "Ajudem o vosso país." "Façam ouvir a vossa voz. Este é o vosso tempo."

As palavras mais frequentes no discurso de Cavaco SilvaNotícia substituída às 08h19 de dia 10 de Março
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