O futuro dos museus dentro de um telemóvelEntrevista Brent Glass

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Brent Glass dirige há nove anos o Museu Nacional de História Americana PAULO PIMENTA

O Museu Nacional de História Americana tem mais visitas virtuais do que reais, mas isso não assusta o seu director, Brent Glass, que aposta no uso de telemóveis para transformar a experiência dos visitantes. A ideia, agora, é fazer os visitantes acederem à Internet dentro do museu - e não o contrário. Por Andréia Azevedo Soares

O historiador Brent Glass tem 63 anos e desde há nove dirige o Museu Nacional de História Americana, em Washington, um dos 19 espaços museológicos do Instituto Smithsonian, complexo que recebe ao todo cerca de 30 milhões de visitantes por ano. Glass acredita que nenhuma tecnologia substituirá a experiência de visitar um museu, maspoderá melhorá-la. Um visitante pode, por exemplo, usar aplicações em dispositivos móveis para saber mais sobre uma peça enquanto visita, presencialmente, uma galeria.

"Acredito que os telemóveis serão cada vez mais o modo pelo qual as pessoas acederão à informação", diz Glass, que até dia 2 estará em Portugal - no Porto, em Coimbra e Lisboa - para uma série depalestras sobre novas estratégias de gestão, financiamento e dinamização de museus. O seu pensamento encerra duas ideias-chave: uma é a busca de um equilíbrio entre a missão e a capacidade de cada museu; a outra é o elogio do planeamento. Da estratégia de captação de fundos ao modelo de comunicação, um gestor cultural tem de planear tudo, incluindo o imprevisto. A isto chama-se plano de contingência. Foi assim que o Museu do Estado de Luisiana protegeu o seu espólio quando, em 2005, o furacão Katrina pôs Nova Orleães debaixo de água.

O Museu Nacional de História Americana recebe mais visitantes na sua página na Internet - mais de oito milhões - do que nas suas instalações - mais de três milhões. Como é que os museus podem usar novas tecnologias para atrair mais visitantes?

O que considero mais interessante actualmente é o acesso à Internet dentro dos próprios museus. A ideia é disponibilizar acesso à rede nas exposições. Se um visitante estiver a olhar para um objecto e quiser mais informação sobre ele, pode obter essa informação no seu próprio telemóvel. Nós não acreditamos em usar grandes quantidades de texto. As pessoas não lêem aquilo tudo, não vale a pena. Os comissários das exposições gostam de pôr um painel enorme com tudo o que sabem sobre aquela exposição - mas a verdade é que o visitante não tem tempo para ficar ali, em pé, a ler cada palavra. O visitante que esteja diante da Star-Spangled Flag [a bandeira que inspirou o hino dos Estados Unidos] pode perfeitamente, se quiser, espreitar no seu telemóvel um vídeo ou alguma informação adicional. É o que estamos a experimentar em algumas das nossas novas exposições. Acredito que os telemóveis serão cada vez mais o modo pelo qual as pessoas acederão à informação. O importante aqui é conseguir manter a atenção das pessoas - nós queremos que elas estejam a olhar para cima, e não para baixo. Num mundo cada vez mais virtual, em que temos acesso fácil a reproduções e fac similes, há algo de mágico no acto de olhar para um objecto real, autêntico. É nisso que reside o fascínio da experiência de visitar um museu. A tecnologia potencia essa experiência, mas jamais a substitui.

Temos ainda uma relação corporal com os objectos. Queremos vê-los ou tocá-los para ter a certeza de que existem. Mesmo quem está habituado a escrever ao computador gosta de imprimir os textos para os rever. Mas será que as exposições pensadas hoje serão adequadas ao modo como as crianças lerão o mundo dentro de cinco, dez anos?

Antes de planearmos uma exposição, temos de conversar com os nossos públicos. Descobrir o que querem saber sobre História, perceber se estamos a comunicar bem os nossos conteúdos. Estamos sempre a fazer pesquisas online e no museu. Mencionou o acto de corrigir os erros na página. Ocorre-me que uma das coisas que temos em exposição é o manuscrito do discurso que Franklin Roosevelt (1882-1945) fez ao congresso após Pearl Harbour ser atacado, dando início à II Guerra Mundial. No discurso, está escrito: "7 de Dezembro de 1941, uma data que ficará na História". E pode-se ver que Roosevelt rasurou e escreveu que seria uma data que permanecerá na infâmia. É disto que todos se lembram. Podemos ver o seu pensamento em construção porque temos esse documento preservado. Porque o documento mostra o Presidente a mudar de ideias. Os visitantes ficam fascinados porque isto aconteceu antes dos processadores de texto, da tecla de apagar. Os visitantes respondem a estas coisas de uma forma poderosa. Entendem que a História não acontece por acaso, não resulta de inevitabilidades. Há pessoas a pensar, tomar decisões, mudar coisas.

Mas será que as próximas gerações responderão do mesmo modo ao manuscrito de Roosevelt? Será que os museus reais farão sentido quando todo o seu espólio estiver disponível na Internet? Não será a representação dos objectos suficiente?

Isto é interessante. Fez-me pensar no dia em que fiquei encarregue de levar um grupo de miúdos a uma quinta-museu em Pensilvânia. [Na viagem,] os miúdos só falavam da MTV, de jogos de computador, de um carro potente que o pai de um deles tinha comprado. Pensei que a visita seria um fiasco, um desastre completo. Quando lá chegámos, havia um artesão a trabalhar com ferraduras, a martelar o ferro quente, e nós ficámos a observá-lo. Eu só os imaginava entediados, mas surpreendi-me quando um deles disse "isto é fixe" e o outro respondeu "isto é espectacular". Quando arrancamos um "espectacular" e um "fixe" a adolescentes, é porque a coisa funcionou. Continuo a acreditar que há algo mágico na coisa real. Quanto mais reproduções tivermos do mundo real, mais valor terá o objecto original. É nisso que acredito.

Está em Portugal para falar sobre novas estratégias para uma gestão eficaz de museus. Pode dar-nos duas ideias-chave das suas palestras?

Uma, para a gestão de museus, é encontrar um equilíbrio entre a missão da instituição, a sua capacidade e o ambiente em que está inserida. A segunda é a enorme importância do planeamento. Eu sei que soa burocrático, mas qualquer gestor, de qualquer organização - especialmente museus -, tem de ter um masterplan das instalações, um plano estratégico, um plano para as exposições, um plano de comunicação, um plano para angariar fundos, um plano de emergência. Planeamento é algo que valorizo imenso.

Com quanta antecedência devem ser feitos tais planeamentos? E até que ponto os planeamentos das exposições não se podem transformar em camisa-de-forças, impedindo que o museu responda a eventos imprevistos mas que afectam a forma como as pessoas percepcionam a realidade? Estou a pensar, por exemplo, no 11 de Setembro e na sua importância para um museu dedicado à História norte-americana.

É uma grande questão, porque nos mostra que até mesmo os melhores planos precisam de um plano de contingência para situações inesperadas. O 11 de Setembro é um bom exemplo. Uso muito também o exemplo do Museu do Estado de Luisiana. Conseguiu enfrentar o furacão Katrina em 2005 porque tinha um plano de contingência. Nós, no Museu Nacional da História Americana, temos um plano de evacuação e elaborámos uma lista com os nossos objectos mais valiosos. Se houver uma situação de emergência, sabemos quais os objectos que devem ser protegidos. Mesmo que não sejam usados durante cinco ou dez anos, estes planos devem estar actualizados.

Quais são os objectos a salvar Museu Nacional da História Americana em caso de emergência?

Objectos como a pequena mesa na qual Thomas Jefferson (1743-1826) escreveu a Declaração da Independência dos Estados Unidos. É um objecto importantíssimo, que foi oferecido pela família de Jefferson ao [complexo museológico] Smithsonian no século XIX.

A Star-Spangled Flagtambém está nessa lista?

Infelizmente, não somos capazes de tirá-la do edifício. Se alguma catástrofe acontecer no Museu Nacional de História Americana, será destruída. Seria horrível. É curioso porque, durante a Segunda Guerra Mundial, havia um enorme receio de que Washington fosse atacada. Ninguém sabia se Washington estava ou não segura. Então resolveu-se remover a Star-Spangled Flag, dobrá-la e guardá-la num armazém em Virgínia, juntamente com outros objectos. Há muito que se pensa em como proteger este tesouro em caso de emergência. Hoje está num local muito seguro, mas se o edifício estiver em risco, a bandeira também estará. Não se pode salvar tudo.

Por causa do seu enorme simbolismo, por fazer parte do imaginário do sonho americano, é natural que se pense nela como um possível alvo de ataques terroristas.

Não gosto de falar sobre esse assunto, mas acho que há objectos em museus que são mais susceptíveis do que outros. Nós estamos preparados, temos planos de contingência - não falo sobre como seriam postos em prática. Mas, sim, a bandeira é um objecto com enorme significado patriótico. Comparo-a ao Sino da Liberdade, em Filadélfia, e à Estátua da Liberdade, em Nova Iorque. É muito importante para as pessoas.

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