Uso de arma eléctrica na prisão de Paços Ferreira motiva inquéritos

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Uma das imagens do vídeo que chegou ao PÚBLICO acompanhado de uma carta anónima Foto: DR

O disparo de uma arma eléctrica, a agressão e a humilhação contra um recluso indefeso da cadeia de Paços de Ferreira, em Setembro do ano passado, por elementos do Grupo de Intervenção de Segurança Prisional (GISP), estão a ser investigados em dois inquéritos, um aberto pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais e outro pela Inspecção Geral dos Serviços de Justiça.

"Vai limpar a sua cela? Sim ou não?", pergunta o homem fardado, voz alta e firme. É um dos seis elementos do GISP especialmente vocacionado para controlar motins nas prisões. Desta vez, não vai enfrentar nenhum desacato. A sua missão é resolver o problema do homem da cela 28. Um homem, só de cuecas, tatuagem a ocupar as costas todas, apático. Sentado na cama de uma cela imunda. No chão, há fezes, restos de comida, chinelos, pratos de papel.

"Não limpa nada?", pergunta o guarda, voz poderosa, capacete e viseira. Então dá ordem ao recluso para se virar para a janela com as mãos atrás das costas, abre a cela. E apesar do recluso se mostrar colaborante, obedecendo, aponta às costas nuas do preso, uma pistola Taser, uma arma que emite descargas eléctricas.

O preso é algemado, os seis homens fardados e de capacete, de luvas e de escudo, rodeiam-no, mas só um é que fala. Trata-o por "senhor" enquanto lhe dá ordens. Para se deitar, para se levantar, para se voltar de costas, para andar de "cabeça baixa". E ameaça-o: enquanto não se comportar como um ser humano, "vai ser altamente violentado". Levanta a voz: "Está compreendido?"

Passa-se numa cadeia portuguesa em Setembro de 2010. É o que mostram as imagens do vídeo que chegou ao PÚBLICO acompanhado de uma carta anónima. O mesmo vídeo, diz a carta, foi enviado ao director-geral dos Serviços Prisionais, ao Ministério Público e ao ministro da Justiça.

A actuação do GISP já deu origem à abertura de dois processos de inquérito. Um, a cargo do Serviço de Auditoria e Inspecção da DGSP, coordenado por um magistrado do Ministério Público, e outro pela Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça.

O vídeo, que mostra a operação do Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais na cadeia de Paços de Ferreira, terá sido feito por um elemento da própria equipa. Numa das passagens, o líder ordena a quem tem a câmara na mão: "Filma a cela, Alfa [por tradição, o elemento que está logo a seguir ao chefe numa equipa de guardas prisionais], filma a cela bem filmada em todos os cantos. Cagalhões... Quero essa merda bem filmada!".

Ao longo dos quase 14 minutos que dura o filme percebe-se que o operador de câmara tem total liberdade de movimentos e responde a ordens directas da chefia.

Em resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) disse ontem que a "17 de Setembro de 2010, por força de uma situação anormal que estava a acontecer, desde há semanas" no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, próximo do Porto, "foi determinada uma intervenção do GISP no local".

A situação em causa, explica a mesma nota, "prendia-se com o facto de o recluso intencionalmente conspurcar totalmente com fezes a cela de habitação, corpo e roupa pessoal a ponto de os restantes reclusos alojados no sector estarem a iniciar greve de fome e outros protestos por não suportarem a situação que estava a pôr em causa a sua saúde e a dos funcionários".

O seu comportamento foi avaliado "por diversas vezes" em consultas de psiquiatria, "a última das quais em 1 de Setembro de 2010", explicam os responsáveis da DGSP. Mas "nunca" houve "indicação para tratamento do foro psiquiátrico", garantem.

Na mesma nota, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais salienta que "a utilização de meios coercivos nos serviços prisionais está prevista no Código de Execução das Penas e dispõe de um regulamento próprio". E esclarece que "o processo que agora corre termos visa, entre outros assuntos, apurar as circunstâncias e a adequação da intervenção no terreno."

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