Três mulheres vão julgar Berlusconi

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Berlusconi corre o risco de uma pena de prisão até 12 anos TONY GENTILE/REUTERS

O "Cavaliere" está desacreditado e em apuros, arrastando consigo a imagem da Itália. Mas os analistas consideram precoce o anúncio de "morte política". Julgamento começa a 6 de Abril

A Itália entra num período de alta tensão política que ameaça desembocar em eleições antecipadas, embora quase nenhum analista ouse anunciar já o "fim de Berlusconi". A juíza de instrução de Milão Cristina Di Censo decidiu o julgamento imediato de Silvio Berlusconi por considerar haver "prova evidente" de delitos de prostituição de menor e abuso de poder. Marcou a primeira sessão para 6 de Abril, em Milão. Estes delitos têm de ser julgados por um colectivo de três juízes, que serão três mulheres - Giulia Turri, Carmen D"Elia e Orsola De Cristofaro.

O caso diz respeito à marroquina Karima El-Mahroug, "Ruby", que teria tido relações sexuais com o "Cavaliere" quando ainda era menor, em Fevereiro do ano passado. O abuso de poder diz respeito à ordem dada à polícia de Milão para libertar "Ruby", em Maio, após uma acusação por furto, a pretexto de que ela seria "sobrinha de Mubarak" e era imperioso evitar uma crise diplomática.

A decisão desencadeou um confronto partidário e fez subir a tensão política. A oposição pediu a demissão do primeiro-ministro. Os seus partidários denunciaram uma montagem mediática e mais uma "agressão" dos juízes a Berlusconi. O ministro da Justiça, Angelino Alfano, acusou os magistrados de não respeitarem a "presunção de inocência" e de desafiarem "a soberania do Parlamento", ignorando votações realizadas na semana passada.

A notícia provocou também uma excitação mediática a nível mundial, abrindo os sites de jornais e televisões de todos os continentes. "A imagem do nosso país está pelas ruas da amargura", escreveu um colunista de La Repubblica (oposição).

Némesis

O julgamento imediato dispensa a audiência preliminar. Berlusconi pode recorrer invocando "incompetência funcional" do tribunal para o julgar, mas apenas depois de uma votação do Parlamento que seria depois apreciada pelo Tribunal Constitucional. Para evitar a acusação de abuso de poder, terá de argumentar de que estava convencido de que "Ruby" era realmente sobrinha de Mubarak. A imprensa considera pouco viável a recuperação da imunidade parlamentar que deixou de ter no mês passado.

Berlusconi tem negado todas as acusações. Mas, ainda segundo a imprensa, os juízes terão reunido uma considerável massa de informação através de escutas telefónicas e do acesso a vídeos das festas "bunga- bunga" do "Cavaliere". Corre o risco de uma pena de prisão até 12 anos.

As três magistradas que o irão julgar são prestigiadas. Mas a sua nomeação parece ter gelado os partidários de Berlusconi. No domingo houve grandes manifestações de mulheres contra o "Cavaliere", em nome da salvaguarda da "dignidade da mulher", denunciando a "prostituição do corpo e da imagem da mulher". Simultaneamente, partidários do primeiro-ministro levaram a efeito em Milão uma outra manifestação contra o "puritanismo e a hipocrisia".

A revista católica Famiglia Cristiana, que tem criticado severamente o exemplo de degradação moral dado ao país pelo "Cavaliere", sublinhava ontem a ironia da situação: "A sentença está nas mãos de três mulheres. Vem de repente à cabeça a ideia de Némesis [deusa grega da vingança que pune a desmesura ou o orgulho]. Tu, Berlusconi, das mulheres te serviste. As mesmas mulheres te farão justiça."

O "Cavaliere" está ainda envolvido em quatro outros julgamentos sobre "casos" antigos, o primeiro dos quais recomeça no dia 28.

Impunidade

O Presidente Giorgio Napolitano apelou na segunda-feira a que os políticos travem as "insustentáveis tensões institucionais". Os analistas fazem um diagnóstico - Berlusconi está gravissimamente enfraquecido - mas não ousam declarar a sua "morte política", porque ele sobreviveu sempre."Hoje, 60 por cento dos italianos não votariam na sua coligação. Mas Berlusconi jamais renunciará", declarou há dias o politólogo Ilvo Diamanti, director do Instituto Demos.

A grande incógnita é a reacção do "Cavaliere", que ontem anulou uma conferência de imprensa que tinha marcado. O seu partido, Povo da Liberdade (PdL), foi amputado de parte do grupo parlamentar pela ruptura com Gianfranco Fini. Se houver eleições, será provavelmente uma competição a três - esquerda, centro e direita. O bipolarismo está liquidado. Segundo as sondagens, a aliança entre o PDL e a Liga Norte, de Umberto Bossi, não teria possibilidade de vencer.

Um inquérito do Demos indicava há dois dias que "a confiança dos eleitores em Berlusconi bateu no fundo". A taxa de aprovação da sua acção desceu para 30 por cento, o nível mais baixo de sempre, próximo do de 2005 - antes da sua segunda ressurreição política. É esta memória que torna os analistas prudentes.

Segundo o mesmo estudo, quase metade dos italianos acredita que as acusações sobre o "caso "Ruby"" são verdadeiras. Contudo, 20 por cento pensam que ele continuará "impune", como sempre.

O político italiano que merece mais confiança é o ministro das Finanças, Giulio Tremonti, que parte da direita gostaria de ver na chefia do Governo. A pior acusação que os italianos fazem a Berlusconi não é de ordem moral: três em cada quatro afirmam que ele não cumpriu as suas promessas, o dobro de há dois anos.

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