Com que critério?

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A política trata de tantas coisas diferentes que não é possível fazê-la sem um critério. Cada vez mais dou por mim a usar o seguinte: o que estou a fazer serve para mudar alguma coisa? Não é um critério universal - um político conservador não o subscreveria. Não é um dogma, antes algo que a experiência recente consolidou em mim. Não vale sozinho: não basta "mudar coisas", mas fazê-lo na direção certa. É pessoal: para gerir o sistema, haverá certamente outros bem melhores, e também eu preferiria fazer outras coisas. E tem uma dimensão quase quotidiana: é aquilo que fica ao fim do dia.

Sem um critério, a discussão do costume - entre pragmáticos e dogmáticos, institucionais ou populares, estridentes ou engravatados - é pura perda de tempo. Ou, pior ainda, deixa-nos à mercê do fanatismo, tal como definido por Jorge de Santayana: "o redobrar de esforços quando já nos esquecemos de qual era o objetivo".

(Com efeito, já vi os mais fundamentalistas dos políticos anti-sistema trabalhar todos os dias para a manutenção do statuquo. Às vezes voluntariamente - porque lhes garante a perpetuação do discurso - outras vezes sem intenção, mas o resultado é o mesmo.)

Tento aplicar o meu critério à recente moção de censura do Bloco de Esquerda e, infelizmente, não me dá nada. Tento pegar-lhe por várias pontas, e não há ponta por onde se lhe pegue.

Nada muda se a moção perder. O Governo fica no lugar, e é provável que dure até mais tempo. Se a moção ganhar, tudo muda - para pior, com um governo ainda mais à direita.

Resta uma explicação "instintiva", a de que o BE se quis livrar do vírus da colaboração com o PS, no rescaldo das presidenciais. Isto seria uma dupla crise de confiança: do Bloco em si mesmo como oposição; e do eleitorado no Bloco como partido compreensível.

A direita voltará ao poder, em Portugal, se não agora, mais cedo que tarde - e não cometerão os erros passados. Um governo da direita durará mais de dois anos. Os partidos de direita convergirão num programa, como sempre fazem, e implementá-lo-ão.

Nesse momento, as esquerdas terão tempo para pensar bem por que razão, afinal, que raio, sendo cada uma delas tão dona da verdade, a verdade é que este país nunca mais é governado com políticas de esquerda.

Posso até anunciar-vos a conclusão a que todos chegaremos: a culpa é do outro partido. Mas permitam-me sugerir um ponto de partida diferente: e se não fosse? Historiador. Deputado independente ao Parlamento Europeu pelo BE (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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